Uma situação que incomoda os policiais civis e federais, principalmente os delegados, envolve a “obrigação criada” de ficar integralmente dentro de delegacia durante todo seu plantão ou expediente.
É o pensamento de boa parte da população. É até compreensível, mas inaceitável, pois o delegado não é um agente de protocolo obrigado a permanecer dentro de uma sala atestando documentos, recebendo petições e atos para abertura de procedimentos administrativos.
Muitos confundem as atribuições dos cargos de policial civil e federal, mormente de delegado. A autoridade policial é o primeiro agente público que emprega o Direito aos casos concretos surgidos, motivo usado pelo Estado para exigir do mesmo a condição de ser bacharel em Direito. Cabe ao delegado investigar crimes e administrar a unidade policial onde exerce sua função de forma flexível em face do dinamismo do ofício.
As evidências surgidas nos delitos, em sua maioria, não são encontradas no interior de uma delegacia, mas fora dela…na rua, em prédios, escolas, favelas, fazendas e outros locais. Existem delegados que respondem por várias cidades, o que torna sua onipresença impossível. Fatores que vislumbram a necessidade de ações fora do âmbito predial.
Pode-se afirmar o mesmo para outros agentes públicos bacharéis em Direito, como o juiz de Direito, o promotor de justiça, o procurador do Estado e o defensor público. Todos eles operam em vários locais públicos e até privados, não existindo posto fixo para suas atuações.
O juiz não é obrigado a ficar sempre dentro do Foro e na sala de audiências, assim como o promotor de justiça não é compelido a ficar ‘preso’ integralmente dentro da Promotoria, até por que existem audiências em que participa e diligências de fiscalização que exerce. Para o procurador do Estado, este pode se deslocar para audiências e até realizar defesas na tribuna dos tribunais. O defensor público pode visitar os autuados nas delegacias e estabelecimentos penais e todos eles podem levar os feitos para onde quiserem com o fim de ‘trabalhar’ nos autos dos processos, e para isso não é necessário estar dentro de uma repartição.
Na verdade muita gente pensa que o delegado deve ser igual ao médico. Este, sim, é obrigado a ficar dentro do hospital para atender às situações de urgência e emergência, pois o ‘sobreaviso’ serve apenas para atendimento eletivo. Até o delegado que participa de plantão na Central de Flagrantes pode e deve sair da Central, até por que a legislação adjetiva penal impõe ao mesmo participar de local de crime. Como então irá realizar tal ação dentro de uma delegacia? Por telefone? Através da internet?
É claro que o departamento público de lotação é o ponto de referência do delegado onde, pelo menos em alguns momentos do dia, ele deve estar lá com o objetivo de exercer atividades de interrogatório, coleta de dados, relatória, gerenciamento da unidade e outros.
Contudo, não é o local natural de atividade funcional que define o limite de atuação do servidor público, principalmente o delegado de Polícia, que tem em suas mãos inúmeras ações necessárias para consolidar a busca de atos criminosos praticados por sujeitos que devem responder criminalmente por isso. Imagine o delegado-geral ter que ficar assentado todo o tempo no interior da Delegacia-Geral de Polícia. Um fato inviável, até pela natureza de sua função: gerenciar a polícia judiciária, administrando sua estrutura, seu pessoal e fiscalizando os atos policiais. Até agora não inventaram nenhum equipamento que pudesse realizar tudo isso sem o devido deslocamento físico do delegado.
Qualquer reclamação gratuita do cidadão que venha a atingir verbalmente, sem motivos justos, o delegado ausente da repartição, dentro de um período razoável de tempo, poderá ensejar a prática do crime de desacato, pois haverá desrespeito ao prestígio da função pública do delegado em toda sua extensão.
O controle realizado deve ser o de produção e resultado, e não de “ponto de permanência”. Somente a Corregedoria de Polícia pode fazer isso, em face de sua característica legal de correição, o que não entrega à população tal controle social, inviável por ausência de conhecimento jurídico específico.
Delegado de Polícia é Delegado de Polícia e não Delegado da Delegacia, pois a Polícia age em todo o território nacional. A jurisprudência abaixo classificada esclarece bem a predicação acima elencada.
Jurisprudência Classificada
“( … ) O policial federal, continuamente, deve manter-se em prontidão e exercer o seu mister sempre que se fizer necessário, o que só vem a reforçar a incompatibilidade do seu labor com o controle de jornada. Anote-se que esta Casa, em situação semelhante, já teve oportunidade de se manifestar pela incompatibilidade do controle de jornada, o que ocorreu num feito envolvendo procuradores autárquicos, exatamente porque se insere nas atividades destes a realização de tarefas externas. Neste sentido é o julgado AMS 208655, 2ª Turma. Demonstrada a razoabilidade das alegações da parte agravada, bem como o perigo de demora, na medida em que a não concessão da tutela implicaria na implantação de controle de jornada incompatível com a função policial, conclui-se que os requisitos necessários para autorizar a concessão da tutela de urgência estão presentes na hipótese dos autos, de modo que a decisão recorrida não merece reparo. ( … ) Agravo improvido. (TRF/3, AI 32060-SP, Rela. Juíza Renata Lotufo, Segunda Turma – j. 18.1.2011).
“A instituição de controle eletrônico de ponto para procuradores, por óbvio, não se compatibiliza com o exercício da atividade voltado para a advocacia. O exercício da advocacia tem como pressuposto a maleabilidade. Neste contexto, a submissão dos procuradores a ponto eletrônico de frequência desnatura a singularidade do ofício e promove restrição indevida da atuação do profissional. Os Decretos 1.590/95 e 1867/86 bem dispõem sobre diversa forma de controle de frequência para os servidores que exercem suas atividades em ambiente externo. Apelação e remessa oficial improvidas. (TRF/3, AMS 200003990653417, Rel. Juiz Paulo Sarno, Segunda Turma – p. 18.5.2007).
“As atividades inerentes ao cargo de delegado da polícia federal, entre elas a apuração de diversos tipos de infrações penais, prevenção e repressão ao tráfico ilícito de entorpecentes, exercício de funções da polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras, são incompatíveis com o controle de frequência por meio eletrônico, uma vez que este não apresenta flexibilidade. A flexibilidade de horário, para os Delegados da Polícia Federal, é imprescindível, uma vez que várias de suas funções protraem-se no tempo, o que dificultaria “bater o ponto” em horário rígido. Ainda, a portaria em debate prevê descontos proporcionais nos vencimentos aos atrasos/ausências, sem, contudo, prever compensações e/ou adicionais. (Justiça Federal/SP, Processo 0018990-04.2010.4.03.6100, Juíza Regilena Emy Fukui Bolognesi, 11ª vara Federal Cível – j. 14.09.2010).
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