A manchete estampada nos meios de comunicação nesta semana – PM que matar menos poderá ganhar gratificação em SP – não deixa dúvida: A segurança pública em São Paulo está sem rumo, ou pelo menos no rumo errado. A ideia luminosa, segundo os jornais, é do comandante da Polícia Militar de São Paulo. A mídia tem divulgado com ênfase, ainda que bem menor do que seria desejável, a alta letalidade das ações da Polícia Militar no Brasil, mormente no Estado de São Paulo.
As ocorrências de mortes praticadas por policiais militares, não me refiro as legitimadas em defesa própria ou de terceiros, passaram a ser rotina nas manchetes de jornais. Esses fatos mereceram inclusive uma manifestação da ONU a respeito da necessidade de uma mudança nos órgãos policiais do Brasil. O fenômeno dos “grupos de extermínio” explodiu nos últimos anos por todo o país, sendo que, quando investigados, se constata invariavelmente a participação de policiais militares.
O modelo de segurança militarizado adotado neste país transformou o combate à criminalidade numa guerra sangrenta com inúmeros mortos, onde tem se multiplicado escandalosamente o abate de qualquer cidadão que desobedeça, ainda que por não ter a exata percepção, um comando de parada numa blitz policial. O cidadão de bem passou a temer não somente a marginalidade, mas também sua polícia. Quem pode dizer que fica tranquilo quando um filho ou ente querido vai a uma balada à noite e demora a chegar?
O artifício de se instituir gratificações para aumentar salários tem sido difundido há décadas nos diversos Estados, que buscam economizar no pagamento aos inativos das diversas categorias, apesar dos baixos salários pagos à grande maioria dos servidores públicos. A exceção fica por conta daquelas categorias com poder de incomodar os governantes. No caso em tela, os oficiais da PM de São Paulo se notabilizaram em inflar seus salários com a mais diversa gama de adicionais.
Recentemente com a instituição do Portal da Transparência se revelou a imensa distância entre os salários dos policiais que arriscam a vida enfrentando o crime, com a de seus comandantes, estes com salários superiores a desembargadores, governadores e até do Presidente da Republica. Evidentemente a instituição de gratificações às praças é estendida, com a devida majoração inerente ao grau hierárquico superior, a todo o oficialato.
A verdade é que a escalada da criminalidade e violência no Estado de São Paulo tem disseminado o sentimento de aceitação do grande número de mortos pela polícia militar, como se isso fosse trazer mais segurança para a sociedade. Não se trata de defender o marginal, pois esse deve ser segregado da sociedade, mas de se impedir a banalização da morte indiscriminada de qualquer pessoa, pois nesse ritmo, em breve, qualquer um de nós poderá ter um amigo ou parente morto pela polícia.
Agora, a ignomínia da instituição de gratificação por matar menos é um sofisma inadmissível por qualquer governo pautado no Estado de Direito. Poderíamos enumerar diversos paradigmas legais para demonstrar o sagrado dever do Estado, através de seus agentes, em proteger a vida de seus concidadãos. Mas isso é desnecessário, pois está incutido no senso de qualquer pessoa. Deriva da própria essência do ser humano. A vida é um bem inestimável protegido por qualquer nação com um mínimo de civilidade, independentemente de sua localização geográfica no planeta.
A proposta abrange ainda uma gratificação por “índice de integridade dos policiais”, como se honestidade e integridade não fossem atributos naturais inerentes aos agentes do Estado, se exigindo um “plus financeiro” para premiar àqueles que a apresentem tais qualidades.
Nesse diapasão, o alto comando há de sugerir ao governador que se institua gratificações aos policiais militares por não furtar, não roubar, não abusar da autoridade, não agredir e ofender o cidadão de bem, etc…
Acredito que em qualquer outro país sério, o responsável pela segurança pública que fizesse esse tipo de sugestão seria imediatamente exonerado de suas funções.
A triste constatação é que a população brasileira perdeu a capacidade de se indignar. A corrupção e impunidade grassam pelo país. As vozes dos milhares de vítimas da violência urbana não despertam mais a sociedade que dorme em berço esplêndido. A exceção se dá somente quando a vítima pertence a uma classe social mais abastada ou quando a família consegue mobilizar a fórceps a imprensa. Talvez porque a exceção dessa rotina têm levado alguns repórteres a sofrerem ameaças, outros até a morte. Onde iremos chegar com esse nível de insensibilidade. Está na hora da sociedade se organizar e dar um basta na impunidade, mormente nos crimes contra a vida.
Sobre o autor
Juvenal Marques Ferreira Filho
Bacharel em direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos. Ingressou na carreira policial em 1980 como Soldado da Polícia Militar de São Paulo, onde alcançou a graduação de 2o Sargento. Em 1989 assumiu o cargo de Investigador de Polícia, tendo exercido a função até aprovação no concurso para Delegado de Polícia em 1994. Contato por e-mail: [email protected]
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