Guardar dinheiro falso não atrai aplicação do princípio da insignificância

    O princípio da insignificância não pode ser aplicado ao crime de guardar moeda falsa. Afinal, o principal bem jurídico tutelado é a fé pública, que consiste na segurança que a sociedade deposita em relação à moeda e à

Por Editoria Delegados

 

 

O princípio da insignificância não pode ser aplicado ao crime de guardar moeda falsa. Afinal, o principal bem jurídico tutelado é a fé pública, que consiste na segurança que a sociedade deposita em relação à moeda e à circulação monetária. Sob a batuta deste entendimento, a 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a condenação de um homem flagrado na posse de nota falsa de R$ 50, no município de Caxias do Sul.

 

Condenado no primeiro grau e com a decisão mantida em sede de Apelação, por maioria, o autor tentou virar o jogo, ajuizando Embargos Infringentes e de Nulidade. Queria a prevalência do voto minoritário que considerou sua conduta atípica, apoiado em precedente julgado pelo ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal.

 

O relator dos embargos, juiz federal convocado José Paulo Baltazar Junior, escreveu no acórdão que, à exceção de Barbosa, a jurisprudência do STF é firme no sentido de não reconhecer o princípio da insignificância nos crime de moeda falsa. Citou os Habeas Corpus 105.638, relatado pela ministra Rosa Weber; 107.171, pelo ministro Dias Toffoli; 96.080, pela ministra Cármen Lúcia; 112.708, do ministro Ricardo Lewandowski; e 97.220, da lavra do ministro aposentado Ayres Britto.

 

‘‘A defesa alega que o réu não tinha a intenção de introduzir a cédula falsa em circulação, o que excluiria o dolo e, consequentemente, a tipicidade da sua conduta. Porém, no caso da guarda, o dolo é genérico, consistente na manutenção da moeda falsa em sua posse, ciente da sua falsidade, não se exigindo um fim específico, como a intenção de introduzí-la em circulação, ou dar-lhe outro destino’’, afirmou o juiz-relator, derrubando os embargos. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 23 de janeiro.

 

A denúncia

O fato que deu ensejo à denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal ocorreu no dia 27 de fevereiro de 2012, quando o autor foi flagrado pela polícia portando uma nota de R$ 50 falsa. Conforme o Inquérito Policial, que lastreou a denúncia do MPF, ele tinha ciência de que a nota não era autêntica.

 

Em sede policial, o autor explicou que a falsidade foi percebida pela caixa do mercado em que trabalhava. A funcionária solicitou-lhe que descartasse a cédula falsa, porém, em vez de colocá-la no lixo, resolveu guardá-la na carteira.

 

À Justiça, a defesa alegou que a cédula periciada não é a mesma que estava na posse do réu, pois estava rasgada e colada com fita adesiva — o que não foi mencionado no laudo. Sustentou, também, que o denunciado desconhecia a falsidade da cédula. Pediu desclassificação para o crime de estelionato — com a remessa do processo para a Justiça Comum, estadual — ou, em caso de condenação, reconhecimento de atenuante por confissão espontânea.

 

Sentença

A juíza Maria Cristina Saraiva Ferreira e Silva, da 5ª Vara Federal de Caxias do Sul, disse que a materialidade delitiva e a autoria estavam devidamente comprovadas nos autos, uma vez que o laudo pericial atestou a inautenticidade da cédula. A impressão é de qualidade tão boa que poderia se confundir, no meio circulante, com outras notas — destacou.

 

Para a juíza, a conduta descrita na denúncia, e comprovada nos autos pela acusação, amolda-se perfeitamente no tipo penal do artigo 289, parágrafo 1º, do Código Penal — guarda de moeda falsa. Neste sentido, caberia à defesa comprovar a forma privilegiada do parágrafo 2º do dispositivo legal, o que deixou de fazer. Diz o dispositivo: ‘‘Quem, tendo recebido de boa-fé, como verdadeira, moeda falsa ou alterada, a restitui à circulação, depois de conhecer a falsidade, é punido com detenção, de seis meses a dois anos, e multa’’.

 

Ademais, prosseguiu a magistrada, o tipo penal incrimina a conduta antecedente à introdução em circulação; ou seja, a simples conduta de guarda da nota falsa, se o agente tinha ciência da contrafação, já configura o crime.

‘‘Não cabe a desclassificação para o delito de estelionato, porque não se trata de falsificação grosseira. E, não sendo grosseira, fica mantida, consequentemente, a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do feito, conforme entendimento jurisprudencial pacificado’’, escreveu na sentença.

 

Assim, o réu foi condenado a três anos de reclusão e dez dias-multa no valor de 1/30 avos do salário-mínimo, com cumprimento de pena no regime aberto. A pena privativa de liberdade, no entanto, foi substituída por restritivas de direitos, consistente em prestação de serviços comunitários ou a entidades públicas e pagamento de um salário-mínimo a entidade assistencial.

 

Apelação

Inconformada, a defesa do réu entrou com Apelação Criminal no TRF-4, tentando reverter a condenação. O relator do recurso, desembargador Leandro Paulsen, confirmou os termos da sentença, sendo seguido pelo colega Victor dos Santos Laus, da 8ª Turma.

 

‘‘Entendo comprovada não só a autoria, mas também a presença do dolo do agente, podendo se inferir da conduta do denunciado, que portava a cédula contrafeita em sua carteira, nada obstante a ciência da contrafação. A conduta de guardar a cédula falsa já configura a figura tipificada no parágrafo primeiro do artigo 289 do Código Penal, sendo prescindível o ânimo de colocá-la em circulação’’, repisou o relator no acórdão.

 

O desembargador João Pedro Gebran Neto abriu divergência, mas ficou vencido no julgamento. No seu entendimento, o processo não traz qualquer indicação de que a nota seria introduzida em circulação.

 

‘‘Se é certo que a modalidade guarda também é configurada como típica, não é menos correto afirmar que uma única cédula, não reintroduzida, não tem aptidão para ofender o bem juridicamente tutelado, que é a fé pública’’, argumentou Gebran, citando o pedido de trancamento de uma Ação Penal no STF, relatado em março de 2004 pelo ministro Joaquim Barbosa.

 

No ponto que interessa, eis o que diz o excerto da decisão no Habeas Corpus 83.526/CE: ‘‘(…) A apreensão de nota falsa com valor de R$ 5, em meio a outras notas verdadeiras, nas circunstâncias fáticas da presente impetração, não cria lesão considerável ao bem jurídico tutelado, de maneira que a conduta do paciente é atípica’’.

 

Perdida a causa nesta fase, a defesa do réu ingressou com Embargos Infringentes e de Nulidade na 4ª Seção do TRF-4, para fazer prevalecer o voto do desembargador Gebran. O colegiado, formado por magistrados da 7ª e 8ª Turmas, reúne-se na terceira quinta-feira do mês para uniformizar a jurisprudência em matérias de Direito Penal.

 

Clique aqui para ler a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão da Apelação.
Clique aqui para ler o acórdão dos Embargos.
 

 

Conjur

 

DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social & Portal Nacional dos Delegados

Veja mais

Delegados da PF reagem a discurso do deputado Coronel Meira contra delegada

Parlamentar proferiu insinuações misóginas, ofensivas e infundadas contra a Delegada de Polícia Federal Carla Patrícia

Delegados da PF reagem a ameaças de deputado licenciado e prometem responsabilização

Federação dos Delegados de Polícia Federal - Fenadepol - repudia declarações de deputado licenciado

Delegada não pode ser investigada por desclassificar tráfico de drogas para porte, decide juíza

Judiciário afirma que a decisão da autoridade policial foi devidamente justificada, respaldada por fundamentos legais, e não evidenciou qualquer desvio funcional

Homem é morto após ser flagrado com esposa de amigo e debochar da traição

(MT) Polícia Civil apurou que a médica foi ao hospital onde a vítima estava internada e apagou evidências. Ivan Bonotto foi esfaqueado e morreu

Governador do PI anuncia nomeação de 660 policiais militares e concurso para as polícias

(PI) Rafael Fonteles também confirmou um novo concurso para ingresso na corporação, em 2026, com previsão de mil vagas

Piauí anuncia instalação de 1.200 câmeras inteligentes para segurança pública

SPIA: Novo sistema de videomonitoramento com inteligência artificial será lançado por Rafael Fonteles em 16 de agosto O secretário de Segurança Pública do Piauí, Chico Lucas, anunciou, nesta terça-feira (15),

Delegado é assassinado, mas na audiência de custódia a preocupação é se o assassino foi agredido

O delegado Márcio Mendes, da Polícia Civil do Maranhão, foi assassinado no dia 10 de julho de 2025 durante o cumprimento de um mandado de prisão. Dois policiais civis baleados.

Veja mais

ADEPOL-MA: CARTA ABERTA À SOCIEDADE MARANHENSE E AO GOVERNO DO ESTADO Diante do brutal assassinato do delegado Márcio Mendes, ocorrido durante o exercício de suas funções na zona rural de

11JUL25-MA-MARCIO

Caxias (MA), 11 de julho de 2025 – Uma operação policial na manhã desta quinta-feira (10), na zona rural de Caxias, terminou de forma trágica com a morte do delegado

09JUL25-RAQUEL-2

No Brasil, há uma realidade que raramente ganha espaço no debate público. Mais policiais morrem por suicídio do que em confrontos armados, seja durante o serviço ou nos dias de

Brasília (DF) – O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) publicou, no Diário Oficial da União desta segunda-feira (30), a Portaria nº 961, datada de 24 de junho de

Pix, gatonet e facções criminosas estão entre os principais alvos do megapacote de combate à criminalidade que será apresentado por secretários estaduais de segurança pública nesta semana, durante a I

POST-MELHORES-DELEGADOS-2025-RUCHESTER-MARREIROS

Ruchester Marreiros Barbosa foi aluno do doutorado em Direitos Humanos da Universidad Nacional Lomas de Zamora, Argentina, foi aluno do mestrado em Criminologia e Processo Penal da Universidade Cândido Mendes,

Thiago Frederico de Souza Costa é Delegado da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), de Classe Especial. É graduado em Direito e pós-graduado em Altos Estudos em Defesa, pela Escola

Veja mais