SP: A Polícia Civil de São Paulo perdeu praticamente um terço de seu efetivo em 20 anos. A instituição tem, hoje, cerca de 10 mil servidores a menos do que tinha em 2002 e um contingente inferior ao da Polícia Penal.
Isso significa que o estado tem, atualmente, um número de agentes destinados à segurança de presídios superior ao grupo de policiais civis, responsável pela investigação e solução de crimes.
Em números absolutos, toda a Polícia Civil soma 26.350 policiais, dados do final do ano passado, o que representa o menor efetivo da série história obtida pela Folha de S.Paulo, iniciada em 1991. Já a Polícia Penal tem 29.241 servidores, sem contar os 3.292 funcionários dos setores administrativos.
Há duas décadas, porém, a primeira chegava ao auge com 36.550 policiais, incluindo a Polícia Científica, como peritos e médicos legistas. Já a segunda, em 2002, registrava contingente de 21.494 agentes. Assim, enquanto a Polícia Civil teve, nesse período, uma redução de efetivo de 27,9%, a Polícia Penal cresceu 36%. Em números absolutos, a primeira perdeu 10.200 agentes, e a segunda, ganhou 7.747.
Considerando apenas o quadro de delegados, investigadores, escrivães, carcereiros e agentes, que formam equipes que geralmente trabalham nas delegacias, a redução proporcional é ainda maior: 32%. Esse contingente passou de 31.449 servidores, há 20 anos, para com os atuais 21.381 -também menor efetivo da série histórica iniciada em 1991.
Enquanto isso, o número de policiais penais, ligados à Secretaria da Administração Penitenciária, cresceu seguindo o aumento de unidades prisionais e da população carcerária do estado.
Somadas às perdas da Polícia Militar, cujo efetivo também é menor do século, as forças de segurança responsáveis pela prevenção e investigação de crimes de SP registraram queda de 20.027 policiais desde 2006 (de 126.725 para 106.698). Esse efetivo é superior a toda Polícia Federal que, atualmente, soma 15.136 profissionais, segundo a instituição.
Esse achatamento da Polícia Civil é revelado por números inéditos obtidos pela Folha de S.Paulo, por meia da Lei de Acesso à Informação. A reportagem acionou o SIC (Sistema Integrado de Informações ao Cidadão) após as gestões Rodrigo Garcia (PSDB) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) negarem acesso a esses dados.
Para a presidente do Sindicato dos Delegados, Jacqueline Valadares, a queda no efetivo é um dos problemas enfrentados pela Polícia Civil. A instituição também sofre, segundo ela, com falta de estrutura nas unidades policiais e, também, com os baixos salários -um dos piores do país.
“Porque a gente também tem que pensar que não é só contratar. A gente precisa manter o funcionário na carreira”, disse a policial.
Ainda segundo a delegada, os altos índices de violência no estado são reflexo de anos sem investimento na segurança, em especial na Polícia Civil, que prejudicaram a qualidade de investigação. Para ela, houve aumento na demanda com a Delegacia Eletrônica, mas sem uma contrapartida estatal.
“Para eu ter um inquérito célere, robusto, eu preciso ter escrivães, eu preciso ter delegado, eu preciso ter uma equipe de investigadores que vai pra rua cumprir mandados. […] O novo governo precisa passar a ver a segurança pública como investimento e não como um mero gasto público, como foi feito nos últimos anos”, afirmou ela.
A advogada Heidi Florêncio Neves, doutora em direito penal, afirma que o desaparelhamento da Polícia Civil de São Paulo é histórico, o que interfere na qualidade da investigação. Consequentemente, isso reflete no trabalho da Promotoria que, sem elementos suficientes, é obrigada a pedir o arquivamento do inquérito ou mais investigação.
“Se não investiga nada, do mesmo jeito que eu posso mandar inocentes para denúncia, eu posso deixar de mandar as pessoas que cometeram crime. Então você tem esses dois lados.”
Para a advogada Roselle Soglio, doutora em história da ciência, além dos baixos salários e falta de preparo técnico, a Polícia Civil tem um problema histórico: policiais desmotivados e que, muitas vezes, maltratam as vítimas que procuram uma delegacia para registrar queixas.
De acordo com a antropóloga Jacqueline Muniz, especialista em segurança, estudos internacionais realizados nos últimos 50 anos têm mostrado que o crescimento exclusivo de efetivo não muda as práticas policiais e, consequentemente, não reduz o crime por si só.
“Se hoje a estrutura da Polícia Civil mói gente, se tem 20 mil ou 40 mil não vai fazer a menor diferença. […] Porque eu posso ter um aumento de efetivo e torrar os meus policiais em desvio de função, fazendo outras coisas, deixando a população sem atender a demanda. Por má gestão, por filosofia de policiamento equivocada, por uma política de segurança equivocada”, afirma da pesquisadora.
Em São Paulo, conforme dados divulgados pela Secretaria da Segurança em 2014, o índice de solução de crimes de roubo da Polícia Civil girava em torno de 2%. A Folha de S.Paulo solicitou à pasta o índice atual de solução de crimes, mas os dados não foram fornecidos pela gestão Tarcísio de Freitas.
Em São Paulo, a polícia científica tem autonomia administrativa desde fevereiro de 1998, quando a gestão Mário Covas (PSDB) criou a SPTC (Superintendência da Polícia Técnico-Científica), que garante status semelhante à Delegacia Geral e ao Comando-Geral da Polícia Militar.
Entre 2002, a população de SP era estimada em 38 milhões de habitantes. Ano passado, cerca de 45 milhões de pessoas, segundo a Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados). Já a população carcerária passou nesse período de 109.535 pessoas, para 195.603, conforme dados oficiais.
OUTRO LADO
A Secretaria da Segurança informou, por nota, que a “recomposição e a valorização do efetivo policial são prioridades do governo”.
“A atual gestão da SSP, desde que assumiu a pasta, tem adotado um conjunto de ações emergenciais para reduzir o déficit das polícias paulistas, que é de 32% na Polícia Civil, 25% na Polícia Técnico Científica e 14% na Polícia Militar”, diz trecho de nota, sem mencionar quais medidas.
O governo paulista diz, ainda, que há 1.537 policiais militares em formação, “sendo que 954 iniciaram o curso em janeiro”. “Além destes, estão em andamento concursos para a seleção de mais 8.559 policiais – sendo 5.620 para PM, 2.750 para Polícia Civil e 189 para Polícia Técnico-Científica. Outras 3.511 vagas já foram autorizadas. Também estão em andamento estudos para realização de concursos extraordinários”.
A gestão Tarcísio de Freitas afirmou, ainda, que também prioriza a reestruturação de funções das forças de segurança. “O objetivo é realocar os policiais para o exercício de funções precípuas de natureza policial, reservando as atividades administrativas e de natureza não policial a outros profissionais, policiais temporários, aposentados ou da reserva ou, ainda, por meio da contratação de serviços terceirizados”, diz o governo paulista.
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