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Prazo de conclusão do inquérito existe para a proteção do suspeito

por Editoria Delegados

Por Henrique Hoffmann e Adriano Sousa Costa

Por Henrique Hoffmann e Adriano Sousa Costa

É certo que a polícia judiciária exerce uma das missões mais nobres do Estado de Direito, qual seja, a apuração de infrações penais, materializando o essencial serviço de segurança pública.

O delegado de polícia, incumbido de presidir a investigação criminal (artigo 144 da CF e artigo 2º, parágrafo 1º da Lei 12.830/13), deve, além de fazer o primeiro controle de legalidade dos atos policiais, conduzir a atividade persecutória com inafastável imparcialidade e escorreita análise técnico-jurídica[1].

A autoridade policial tem à disposição diversos procedimentos policiais para realizar esse mister, a saber[2]: a) inquérito policial (apuração de infrações penais de médio e grande potencial ofensivo)[3]; b) verificação da procedência das informações (averiguação da verossimilhança da notitia criminis e a viabilidade da investigação)[4]; c) termo circunstanciado de ocorrência (apuração de infrações penais de menor potencial ofensivo)[5]; d) boletim de ocorrência circunstanciada (apuração de atos infracionais).

Certamente o inquérito policial é o mais vetusto e conhecido deles, aquele que possui regramento mais pormenorizado e cujo nome é utilizado como sinônimo da própria investigação criminal.

Pois bem. Para que não se torne um procedimento eterno e a fim de possibilitar a fiscalização do Poder Judiciário quanto a eventuais restrições de direitos do investigado, a legislação previu prazos para a conclusão do inquérito policial[6]. A regra geral é estampada no CPP, sendo que existem prazos específicos na legislação esparsa (Lei 5.010/66, CPPM, Lei 11.343/06 e Lei 1.521/51). Os prazos se diferenciam conforme o investigado esteja solto ou preso.

Quanto ao prazo do inquérito envolvendo suspeito preso, não há polêmica quanto ao lapso temporal no caso de prisão preventiva, mas a doutrina diverge quando se trata de prisão temporária. Tal multiplicidade de posicionamentos jurídicos deriva do fato de o legislador não ter feito constar expressamente no caput do artigo 10 do CPP que o prazo também se aplica no caso de prisão temporária. Várias teorias surgiram para tentar resolver essa pendência.

A primeira corrente diz que não há que se conferir prazo diferenciado para o término das investigações no caso de prisão temporária, ou seja, sempre cabível o término do inquérito policial em 10 dias, independentemente da modalidade de prisão. O problema dessa posição é que, no caso de prisão temporária por 30 dias em crimes hediondos ou equiparados, o indivíduo ficaria encarcerado desnecessariamente por, no mínimo, 20 dias, já que o inquérito deverá ser remetido ao expirar do decêndio.

A segunda corrente, majoritária e que reputamos mais acertada, assevera que o prazo mínimo para conclusão das investigações é de 10 dias, sendo que, em perdurando a prisão temporária por mais tempo, o prazo para término das investigações lhe acompanhará. Por conseguinte, no caso de o prazo de prisão temporária ser de 30 ou de 60 dias (no caso de prorrogação), o prazo para remessa do IP será, respectivamente, 30 e 60 dias. Ademais, se o prazo da prisão temporária for de cinco dias, o prazo para o término das investigações será de 10 dias, já que este é o prazo base para o fechamento das investigações.

Para a terceira corrente, o prazo para conclusão das investigações será sempre o da prisão temporária somado de 10 dias. Dessa forma, sendo o caso de prisão temporária por 30 dias, terá a autoridade policial, quando da expiração do prazo de prisão temporária, 40 dias para conclusão das investigações. Na mesma linha, sendo a duração da prisão temporária de cinco dias, o prazo para o encaminhamento do IP será de 15 dias.

De outro lado, quanto ao prazo do inquérito para o investigado solto, a doutrina carece do devido aprofundamento. A maioria dos estudiosos dá a entender que o prazo de 30 dias se aplica a todo e qualquer inquérito em que não há suspeito preso. O que leva à prática da aplicabilidade indiscriminada do artigo 10 do CPP, com idas e vindas intermináveis dos autos entre a delegacia e o fórum, sem utilidade alguma, consubstanciando burocracia estéril.

O que é preciso perceber é que a limitação do lapso temporal da investigação não existe por acaso ou arbítrio. Sua finalidade é fiscalizar a mitigação a direitos fundamentais do suspeito, e não atrapalhar desarrazoadamente a atuação da polícia judiciária. Ou seja, a incidência do prazo pressupõe a existência de um investigado.

Nada mais natural, se considerarmos que, no bojo do inquérito policial, o delegado de polícia toma, por autoridade própria ou mediante autorização judicial, diversas decisões que mitigam direitos fundamentais do suspeito. Como, por exemplo, a prisão em flagrante (atingindo a liberdade), a apreensão de bens (alcançando o patrimônio) e o acesso a dados sigilosos (relativizando a intimidade).

Em muitas situações a polícia judiciária tem apenas o relato da existência do crime, sem uma única fagulha de indício sobre a autoria. Em vários casos, nem sequer é possível traçar uma linha investigativa viável. Inexistindo investigado, não há qualquer decisão relativizadora de direito fundamental, e portanto não se aplica o prazo de conclusão de inquérito policial.

Ora, a necessidade de remessa do inquérito ao Poder Judiciário sempre esteve teleologicamente voltada ao controle de legalidade dos atos investigatórios em desfavor de um suspeito. Mesmo no caso da dilação de prazo, a função sempre foi evitar o martírio eterno de suspeitos de infrações penais na busca pela comprovação de sua inocência.

Por isso mesmo a jurisprudência admite o trancamento do inquérito policial por incidência do princípio da razoável duração da investigação[7] e pela existência de causa excludente de punibilidade[8].

Além do mais, a legislação atribui prazo para o inquérito em face de indiciado. Sabe-se que indiciado é somente o investigado contra o qual recaem elementos suficientes de autoria, conforme decisão de indiciamento do delegado, tomada em regra ao final da apuração (artigo 2º, parágrafo 6º da Lei 12.830/13). Nesse sentido, o CPP utiliza frequentemente o termo de maneira equivocada, querendo se referir na verdade a qualquer suspeito, afinal, o investigado não precisa necessariamente ter sido indiciado pela autoridade policial para requerer diligência, ser identificado ou interrogado.

Com efeito, o prazo de conclusão recai sobre inquérito que possua suspeito. E ainda que se considere a literalidade do dispositivo, exigiria-se algum indiciado. É dizer, seja pela interpretação sistemática, seja pela gramatical, a conclusão inarredável é que o prazo só incide quando houver algum imputado sendo investigado, tenha ou não sido indiciado.

E não se diga que a remessa do inquérito em tais prazos mesmo sem haver suspeito se justificaria por uma suposta atividade correcional do Judiciário ou Ministério Público acerca da utilização dos meios apuratórios (que, repita-se, não recaem sobre investigado algum). A fiscalização da atividade-meio da polícia judiciária é um atributo correcional interno das próprias corregedorias de polícia, e não do Poder Judiciário ou do Ministério Público (valendo lembrar que o controle externo da atividade policial se volta apenas à atividade-fim investigativa)[9]. O controle externa corporis não deve se espraiar pela esfera de atividade-meio, em relação à qual a própria administração pública detém o poder de controlar seus atos, através da chamada autotutela administrativa. Entendimento diverso equivaleria a chancelar o controle da atividade administrativa da polícia judiciária, pelo Judiciário ou MP, por vias transversas não outorgadas pela legislação.

Destarte, a remessa de inquéritos policiais ao Poder Judiciário visando à dilação de prazo, em não havendo suspeito, mostra-se inadequada e injustificada, ferindo o princípio da eficiência, que norteia a administração pública (artigo 37 da CF). Para otimizar o uso dos escassos recursos públicos, a Polícia Judiciária não pode permitir que esses inquéritos policiais natimortos absorvam a mesma quantidade de tempo e recursos das demais apurações.

Ademais, as contínuas remessas do inquérito policial ao Poder Judiciário acabam arrefecendo o vigor investigatório, vez que, ao se afastar da investigação policial (no período em que o IP se encontra tramitando no Poder Judiciário e no Ministério Público), torna-se mais factível a perda da chance probatória. As investigações costumam ser mais efetivas quando coletam elementos mais próximos do momento da ocorrência do crime.

Em conclusão, a existência de prazos para a conclusão da investigação policial é extremamente salutar ao permitir a fiscalização judicial das decisões policiais tomadas contra o investigado. Contudo, a remessa irracional e desenfreada de inquéritos policiais que sequer possuem um suspeito, nos exíguos prazos elencados na lei, nada traz de garantia a qualquer cidadão (já que inexiste imputado) e prejudica a sociedade ao atrasar as apurações em que realmente existe linha investigativa viável.

[1] FONTES, Eduardo; HOFFMANN, Henrique (Org.). Temas Avançados de Polícia Judiciária. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2018.

[2] A VPI e o TCO são inequivocamente procedimentos investigatórios policiais, não só por uma conclusão doutrinária (já que analisam materialidade e autoria de infrações penais), como também por conclusão da legislação: Parecer 409/2013 acerca do Projeto de Lei 132/12 (que após aprovação foi convertido na Lei 12.830/13), rel. senador Humberto Costa, DP 29/5/2013.

[3] HOFFMANN, Henrique. Inquérito policial tem sido conceituado de forma equivocada. Revista Consultor Jurídico, fev. 2017. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-fev-21/academia-policia-inquerito-policial-sido-conceituado-forma-equivocada>. Acesso em: 21.fev.2017.

[4] HOFFMANN, Henrique. Verificação da procedência das informações é filtro ao quadrado. Revista Consultor Jurídico, fev. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-fev-06/academia-policia-verificacao-procedencia-informacoes-filtro-quadrado>. Acesso em: 6.fev.2018.

[5] HOFFMANN, Henrique. Termo circunstanciado deve ser lavrado pelo delegado, e não pela PM ou PRF. Revista Consultor Jurídico, set. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-set-29/academia-policia-termo-circunstanciado-lavrado-delegado>. Acesso em: 29.set.2015.

[6] Excepcionalmente, a lei prevê prazo para a instauração do inquérito, a partir do registro da ocorrência (artigo 13-B do CPP).

[7] STJ, RHC 61.451, rel. min. Sebastião Reis Júnior, DJ 14/2/2017.

[8] STF, RHC 120.389, rel. min. Dias Toffoli, DJ 11/3/2014.

[9] STJ, REsp 1.365.910, rel. min. Humberto Martins, DJ 5/4/2016.

 

Sobre os autores

Henrique Hoffmann é delegado de Polícia Civil do Paraná. Professor do Cers (onde também coordena a pós-graduação), da Escola da Magistratura do Paraná, da Escola da Magistratura de Mato Grosso, da Escola Superior de Polícia Civil do Paraná e do Senasp. Mestre em Direito pela Uenp. Colunista da Rádio Justiça do STF e autor e coordenador do Juspodivm. www.henriquehoffmann.com

Adriano Sousa Costa é delegado de Polícia Civil de Goiás, doutorando em Ciência Política pela UnB, mestre em Ciências Políticas pela UFG e professor da Escola Superior da Polícia Civil de Goiás, do Senasp e do Cers. Membro da Academia Goiana de Direito.

 

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