Em 2009, nada menos que 1.037 inquéritos que estavam parados nas delegacias da Polícia passaram a ser reavaliados por uma força-tarefa
Os dados são do Conselho Nacional do Ministério Público. A Polícia Civil do Estado do Ceará conseguiu, em 2011, reduzir pela metade a quantidade de inquéritos policiais antigos que estavam engavetados ou parados sem a identificação de autores de crimes de homicídio. Desde 2010, pelo menos 1.037 inquéritos foram retirados das gavetas e prateleiras das delegacias da Capital e sua região metropolitana e voltaram a ser investigados. Destes, 544 foram revistos e, finalmente, os acusados dos crimes identificados e indiciados.
A redução em 50 por cento dos considerados ´casos insolúveis´ ocorreu, segundo as autoridades, graças à constituição de uma espécie de força-tarefa formada por delegados, escrivães e inspetores. Apesar de ser pequena, a equipe tocou as investigações de casos remotos. “Havia no meio deles, inquéritos datados de 1999 que estavam parados nas delegacias”, afirma o delegado Jairo Façanha Pequeno, diretor do Departamento de Polícia Especializada (DPE).
Grupo
Foi a partir de um levantamento completo dos casos e de denúncias feitas pelo próprio Ministério Público, através de sua Procuradoria Geral da Justiça e, ainda, pelo Controle Externo da Atividade Policial, que a Polícia, por ordem do então secretário da Segurança Pública, Roberto Monteiro, deu início, em dezembro de 2009, a uma retomada das investigações dos ´velhos´ crimes. Foi, então, criado uma força-tarefa batizada de Grupo Provisório de Investigação de Homicídios, que se instalou nas salas da antiga sede da Academia de Polícia Civil, no bairro de Fátima, com a ingrata e complicada tarefa de revisar inquéritos já amarelados pelo tempo.
Uma das principais dificuldades dos delegados e inspetores foi localizar testemunhas e informantes dos crimes. “Muitos não foram encontrados. Alguns porque mudaram de endereço depois dos crimes, temendo represálias dos assassinos. Mas teve também casos de que as próprias testemunhas foram também eliminadas depois como queima de arquivo, vingança ou outros motivos”, contou um dos inspetores à Reportagem, na semana passada.
Segundo o delegado Jairo Pequeno, os inquéritos estavam espalhados por várias delegacias. Algumas apresentavam maior número de procedimentos incompletos, outras menos. A falta de pessoal para a produção de provas, isto é, diligências e investigações, foi o principal fator apontado para que tantos casos ficassem sem solução.
“Mas também houve casos de que, simplesmente, ninguém se propôs a falar, a dar depoimento, com medo dos assassinos”, ressaltou o inspetor ouvido pelo Diário do Nordeste.
Impunidade
“A não resolução dos crimes gera, além da impunidade, a vingança por parte de amigos e parentes das vítimas. Isso é uma rotina aqui, com muitos casos sem resolução”, disse, na época da criação do grupo, o delegado Jacob Stevenson Mendes, titular do 32º DP (Bom Jardim).
Somente daquela distrital, responsável pela apuração dos assassinatos ocorridos no ´Território da Paz´ (formado pelos bairros Bom Jardim, Granja Portugal, Canindezinho, Granja Lisboa e Siqueira), saíram direto para as salas da Academia de Polícia, nada menos que 299 inquéritos relativos a crimes ocorridos nos últimos 12 anos.
Somente antigos
O delegado Jairo pequeno explica que coube ao Grupo Provisório de Investigação de Homicídios apurar os crimes que estavam sem autoria conhecida. Alguns inquéritos chegaram a ser encaminhados para a Justiça, mas acabaram retornando à Polícia para a realização de novas diligências solicitadas pelo Ministério Público.
Ainda conforme o diretor do DPE, o grupo, subordinado a ele e coordenado pelo delegado geral, Luiz Carlos Dantas, solucionou, até agora, casos relativos aos crimes praticados até o ano de 2010. No momento, dois delegados conduzem as investigações sobre assassinatos praticados de 2010 em diante e cujos procedimentos estavam nas delegacias distritais e metropolitanas da Grande Fortaleza.
A criação da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), já na gestão do novo secretário da Segurança Pública e Defesa Social, coronel Francisco José Bezerra, deu impulso às investigações sobre os assassinatos. O volume de inquéritos ali, porém, já é extenso.
O delegado Jairo Pequeno esclarece que, quando entrou em funcionamento, em setembro de 2010, a DHPP ficou responsável pela apuração dos assassinatos de autoria ignorada a partir daquela data.
´Inqueritômetro´ avaliou desempenho
Conforme o Ministério Público, através do seu Conselho Nacional, desde 2010, quando o órgão estabeleceu a meta de zerar em todo o País o número de inquéritos de homicídios antigos, o Ceará reduziu o seu estoque de 1.037 casos para 493.
Os dados são divulgados através do ´inqueritômetro´, que, na verdade, trata-se de um medidor virtual da produtividade na resolução de casos. Ele foi criado pelo próprio CNMP.
Outros Estados brasileiros também tiveram destaque nesta avaliação. Contraditoriamente, o Rio de Janeiro foi o Estado que mais concluiu inquéritos de autoria de crimes até então insolúveis. Foram 13.261. Mas, é também o Estado que mais possuía inquéritos inconclusos, nada menos que 13.916.
Antigos
“O que queremos é que estes inquéritos, se tiverem que ser arquivados, que seja da forma legal”, afirma Taís Ferraz, membro do Conselho Nacional do Ministério Público. “O Ceará tem um ótimo índice de denúncia de resgate destes casos antigos”, afirma a conselheira.
Segundo Ferraz, a média no Brasil é de 16 por cento em relação à denúncia feita à Justiça a partir da resolução do caso através dos inquéritos. No caso do Ceará, nos inquéritos relativos ao período entre 2010 e 2012, o Ministério Público teve condições favoráveis para oferecer a denúncia dos acusados em cerca de 24 por cento. Muitos criminosos estavam soltos, em completo estado de impunidade.
O CNMP tem como meta zerar, até abril próximo, o estoque de inquéritos de homicídios que estavam parados.
Desaparelhamento
A entidade, porém, reconhece que as autoridades policiais nos Estados enfrentam uma série de dificuldades para a resolução dos casos, desde a falta de pessoal e de aparelhamento dentro da esfera das instituição policial até o medo de testemunhas e de parentes das vítimas em denunciar os autores dos assassinatos, principalmente de crimes atribuídos a traficantes de drogas ou a grupos de extermínio.
“Com o acompanhamento do desempenho de cada Estado, nós conseguimos identificar os principais gargalos que causam a estocagem de inquéritos. O que ocorre, principalmente, é que os Estados têm um déficit muito grande de recursos e de estrutura. Às vezes, falta até um reagente químico (em perícia criminal) que possa levar à identificação de um criminoso”, assegura a conselheira do MP.
Taís Ferraz explica também que os estados brasileiros que apresentaram um melhor desempenho na resolução de inquéritos antigos, aprimoraram também a comunicação entre a Polícia investigativa e o Ministério Público.
Execuções
No âmbito dos inquéritos locais que foram encaminhados ao Grupo Provisório de Investigação de Homicídios, grande parte referia-se a crime praticados por ordem de traficantes de drogas, em bairros periféricos da Grande Fortaleza (RMF).
FIQUE POR DENTRO
MP faz o controle externo do papel das polícias
Cabe ao Ministério Público exercer a missão de controle externo da atividade policial, isto é, fiscalizar o desempenho da Polícia em sua função constitucional. A Polícia Civil, como ´braço auxiliar´ do Judiciário, é destinada a apurar crimes, através dos inquéritos policiais. As informações constantes neles – provas periciais, depoimentos, acareações etc – vão servir de base para a denúncia a ser oferecida pelo Ministério Público ao Judiciário quanto à autoria dos delitos e sua extensão (gravidade). Já o papel constitucional das polícias militares, como Polícia ostensiva – é o de prevenir, trabalhar para evitar que o crime aconteça, e atuar também no campo da repressão.
Casos com mais de dez anos parados
O 32º DP (Bom Jardim) foi uma das primeiras delegacias escolhidas para o envio de inquéritos não solucionados para a força-tarefa. Com alto de índice de homicídios acumulado por vários anos, investigações de mais de dez anos estavam paradas. Em dezembro de 2009, quase 300 casos foram transferidos para serem investigados pelo Grupo Provisório de Investigação de Homicídios.
Entre os inquéritos enviados à época pelo titular do 32º DP, delegado Jacob Stevenson Mendes, muitos continham apenas a pasta com a portaria. A justificativa era de que a delegacia tinha que ser esvaziada para que os policiais pudessem se ´concentrar´ nos casos que ainda iriam ocorrer, pois aqueles crimes com dois, cinco e até 12 anos, estavam no esquecimento.
Um desses crimes, não tão antigo, a morte do jovem educador social Danilo Pinheiro de Araújo, a época com 20 anos, é um exemplo.
Confundido
Danilo foi morto em outubro de 2009, ou seja, dois meses antes do envio dos inquéritos para o Grupo Provisório. Até hoje, os parentes do jovem esperam que a Polícia descubra quem praticou o crime. Alexsandro Pinheiro do Carmo, 33, luta pelo esclarecimento da morte do irmão. O garoto, que trabalhava em uma organização social, no Canindezinho, foi vítima de um suposto ´erro de execução´. Teria sido confundido com um bandido que atirou num policial durante um assalto. Foi executado com mais de dez tiros de pistola.
FERNANDO RIBEIRO
EDITOR DE POLÍCIA
(Colaborou, Emerson Rodrigues)
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