SP: Defasagem na PC quase dobrou; 95% dos cargos da PM estão ocupados
Policiais deixaram seus postos na Central de Polícia Judiciária (CPJ), em Presidente Prudente, em protesto por novas contratações (Foto: Valmir Custódio/G1)
A Polícia Civil de São Paulo perdeu 3 mil policiais desde que Geraldo Alckmin (PSDB) assumiu o governo do estado em 2011. Levantamento realizado pelo G1 com dados do Diário Oficial e do Portal da Transparência mostra que, em contrapartida, o efetivo da Polícia Militar pouco se alterou no período: a taxa de ocupação dos cargos da instituição sempre se manteve na casa dos 95%.
Para especialistas, a diferença de investimento é clara, aponta a priorização de uma polícia de confronto e acirra uma competição já existente entre as duas instituições. O governo garante que “investe constantemente na modernização e ampliação de todas as polícias” e que “não há qualquer privilégio de uma em detrimento das outras”.
Em janeiro de 2011, quando tomou posse, Alckmin encontrou uma Polícia Civil com defasagem de 13% no número de funcionários. A instituição deveria contar com 35.337 policiais, mas apenas 30.714 estavam em atividade.
Em julho de 2013, o próprio governador promulgou a Lei Complementar nº 1206 que determinou que o contingente da Polícia Civil fosse ampliado e composto por um total de 36.506 profissionais – já excluindo o cargo de carcereiro que acabou extinto pelo tucano.
Equipes reduzidas atendem a população nas delegacias do estado de São Paulo (Foto: Luciano Claudino/Código19/Estadão Conteúdo)
A lei de 2013 adicionou 1.169 cargos aos quadros da Polícia Civil. O reforço aconteceria especificamente no braço técnico-científico da instituição, que é o encarregado pelos trabalhos de perícia criminal. As novas vagas foram anunciadas, mas, até agora, não foram ocupadas integralmente. E, segundo o governo, não há nem previsão certa para que sejam.
Após quase seis anos de gestão Alckmin, o déficit de servidores na Polícia Civil na verdade quase dobrou, subindo para 24%. Ou seja, já são 8,7 mil policiais a menos do que o previsto em lei. Em outubro de 2016, o efetivo da instituição era de apenas 27.714 profissionais, distribuídos em 13 cargos: delegado, investigador, escrivão, perito, fotógrafo técnico-pericial, desenhista técnico-pericial, papiloscopista, auxiliar de papiloscopista, médico legista, auxiliar de necropsia, atendente de necrotério, agente de telecomunicações e agente policial.
Dos 13 cargos, nove tiveram queda na quantidade de funcionários de 2011 para cá. As únicas funções que registraram aumento no número de profissionais no período foram a de perito e auxiliar de necropsia. O crescimento, nestes casos, foi de 1%
Justificativas
A Secretaria da Segurança Pública afirma que o quadro na Civil foi agravado por conta da Lei Complementar 144/2014, que estabeleceu em 65 anos o limite de idade com a qual os policiais podem atuar. Com ela, 862 policiais foram aposentados compulsoriamente entre 2014 e 2015. A lei foi revogada depois, mas os cargos não foram restituídos automaticamente.
A pasta também aponta a “pior crise econômica da história do país” como um empecilho para a reposição do efetivo da Polícia Civil. Segundo a secretaria, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) limita os gastos do governo com o funcionalismo público a no máximo 46,55% do que ele arrecada. Como as receitas caíram, os gastos, então, não poderiam aumentar.
O governo se diz “obrigado” a seguir a lei. “São Paulo tem reconhecido histórico de cautela fiscal, continuará respeitando os limites da LRF e, em respeito ao contribuinte, efetuará as contratações conforme a disponibilidade orçamentária”, afirmou a administração estadual.
A própria LRF, no entanto, ressalta que a proibição de contratações não se estende à reposição decorrente de aposentadoria ou morte de servidores das áreas de saúde, educação e segurança.
Casos críticos
A situação mais crítica dentro da Polícia Civil é a de médico legista. Quase uma centena deles deixou a instituição nos últimos dois mandatos do tucano que, curiosamente, também é formado em medicina. Servidores ouvidos pelo G1 afirmam que, em cidades do interior, não são raros os casos em que o auxiliar de necropsia faz as vezes de legista.
As aposentadorias e exonerações representam uma diminuição de 18% na quantidade de médicos quando comparados os registros de 31 de dezembro de 2010 e setembro deste ano. Com a queda, a defasagem na carreira, que já era considerável antes de Alckmin, atingiu índices alarmantes: quase metade das vagas estão desocupadas.
Já em números absolutos, os cargos de investigador e escrivão apresentam a maior redução de pessoal no período. Milhares de policiais deixaram seus postos e a reposição do governo não acompanhou o ritmo das saídas. Segundo a última atualização do Portal da Transparência, as duas carreiras têm, juntas, 2195 policiais a menos do que há seis anos.
Policiais civis chegaram a paralisar as atividades durante uma hora na quarta-feira (19) em protesto por novas contratações e melhores condições de trabalho. A manifestação, batizada de “Operação Nocaute”, foi realizada em diversas cidades do estado, como Avaré, Bauru, Santos, Presidente Prudente e na capital paulista.
Alckmin e secretário de Segurança Pública, Mágino Alves, em entrega de viaturas para PM neste ano (Foto: Divulgação/SSP)
PM fora da crise
Se a Polícia Civil sofre com a falta de profissionais, como alegam os sindicatos da categoria, a coirmã no combate ao crime, a Polícia Militar, deste mal não padece. Desde que assumiu o governo, Alckmin mantém um índice de ocupação dos cargos da PM na casa de 95%. 89.057 policiais militares estavam na ativa em outubro de 2016.
Em 2013, o governo abriu concursos para a contratação de policiais para as duas instituições. Enquanto no certame da PM todos os aprovados foram empossados e até remanescentes acabaram convocados, as primeiras contratações na PC só foram acontecer agora, três anos depois da publicação do edital, e de forma parcial: a previsão, por exemplo, era contratar 1.384 novos investigadores, mas só 346 deles tomaram posse.
Este ano, em 30 de agosto, Alckmin voltou a autorizar, com anuência das secretarias da Fazenda e de Planejamento e Gestão, a abertura de outro concurso para a PM. Desta vez para contratar 5,4 mil soldados para exercício em 2017, como consta na edição do Diário Oficial da data. A publicação ressalta: “devendo ser observadas, por ocasião do provimento dos cargos, as disponibilidades orçamentário-financeiras”.
Competição
Para o criminalista Daniel Bialski, a diferença de contratações entre as polícias Civil e Militar acirra uma espécie de competição que já existe entre elas. “Isto vai do campo de atribuição funcional até a salarial. Uma não aceita ser preterida em privilégio da outra. E ambas têm razões. O nivelamento deveria ser em prol da valorização das carreiras, o que não tem sido observado pelo governo”, afirma.
Já para o especialista Rafael Alcadipani, do Fórum de Segurança Pública, a diferença de investimento nas duas instituições é evidente. “Governar é fazer opções. Ainda mais em uma época de crise econômica. E a opção que o governo tem feito é clara e transparente: fortalecer a PM e enfraquecer a Civil.”
De acordo com o especialista, o favorecimento de uma polícia de confronto acaba se configurando em uma estratégia de “enxugar gelo”. “Como não há investigação criminal, as pessoas são presas e soltas. Não há capacidade pra gerar provas e punir as pessoas efetivamente”, acrescentou.
Por nota, a administração estadual afirmou que, em 2016, já foram empossados 763 profissionais para a Polícia Civil (49 delegados, 339 investigadores e 375 escrivães) e reforçou que não há qualquer tipo de privilegiamento nos investimentos realizados nas duas polícias.
Alcadipani defende que o problema também não é a quantidade de efetivo, mas sim o atual modelo de segurança pública. “Se você juntar Guarda Civil Metropolitana, Polícia Civil e PM, são muitas polícias e muitos policiais, mas está mal distribuído”, finalizou. Para ele, o ideal seria unir todas as forças em uma única instituição, de caráter civil.
G1
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