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Obrigar MP a informar sobre investigação garante controle pelo Poder Judiciário

por Editoria Delegados

A decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou que o Ministério Público deve apresentar à Justiça informações sobre todo tipo de investigação criminal

A decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou que o Ministério Público deve apresentar à Justiça informações sobre todo tipo de investigação criminal faz valer a necessidade de maior controle por parte do Poder Judiciário das apurações do órgão ministerial.

A corte tomou essa decisão na quarta-feira (23/4), durante o julgamento que validou a implantação do juiz das garantias. Ao analisar trechos da lei “anticrime” (Lei 13.964/2019), entre eles o que cria o instituto, o Supremo estabeleceu que “todos os atos praticados pelo MP como condutor de investigação penal se submetem ao controle judicial”.

Com isso, os representantes do Ministério Público devem encaminhar em até 90 dias, contados da publicação da ata do julgamento, todos os procedimentos de investigação criminal, sob pena de nulidade, “independentemente de o juiz das garantias já ter sido implementado na respectiva jurisdição”.

Priscila Pamela, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, explica que sempre coube ao juiz fiscalizar a legalidade dos atos praticados durante o inquérito. Ainda assim, por vezes o MP demorava para informar sobre as investigações, que acabavam se prolongando por muito tempo sem o conhecimento do Judiciário.

Segundo a advogada, no caso dos procedimentos de investigação criminal (PICs) o MP sequer informava os juízes competentes. “Não é nem que demorava para comunicar. O MP não comunicava. A autoridade judicial só era informada quando findo o procedimento com o oferecimento da denúncia.”

A decisão do Supremo, prossegue ela, reforça a importância do “controle jurisdicional, que enfim poderá ser exercido de forma imparcial” com a implantação do juiz das garantias.

Para o especialista em Direito Penal Econômico Thuan Gritz, sócio do escritório Sade & Gritz Advogados, a falta de comunicação dificultaria a atuação do juiz das garantias. Além disso, afirma ele, com a decisão o Supremo definiu “com clareza que a observância à Constituição e às leis deve ser objeto de preocupação desde o início dos atos de investigação”.

“Essa premissa básica é reforçada com a instituição do juiz das garantias, que deve auxiliar materialmente nesse controle e que, por óbvio, não conseguiria fazê-lo caso não fosse sequer informado dos atos de investigação realizados pelo Ministério Público, que, além de acusar, também tem reconhecida legitimidade investigativa”, disse o advogado.

Segundo ele, sem a comunicação das investigações criminais, o juiz de garantias não poderia exercer sua “função de controle, legitimando os atos de investigação ou declarando eventual ilegalidade”.

Paula Lima Hyppolito, advogada especialista em Direito Penal e sócia do Caputo, Bastos e Serra Advogados, acredita que a exigência é de “extrema relevância”, uma vez que o juiz é o responsável por “ver os fatos com a necessária imparcialidade”.

“Considerando ser esse ator do processo penal verdadeiro garantidor dos direitos individuais, nada mais coerente do que ter plena ciência e controle de todos os procedimentos investigatórios dessa natureza”, afirmou a advogada.

Ainda segundo ela, não é possível haver controle da legalidade das investigações se o juiz das garantias só tomar conhecimento das apurações quando o MP oferecer denúncia, pedir arquivamento ou enviar representações por medidas cautelares.

“De outra forma, não é possível fazer o controle de legalidade do caderno apuratório. A atividade de supervisão judicial só é possível se o magistrado tiver ciência da existência da investigação.”

O constitucionalista Lenio Streck também considerou boa a exigência de controle sobre as investigações. “Hoje não há controle sobre os mecanismos investigatórios do Ministério Público. E se há, não está funcionanando”, disse ele.

Streck, no entanto, criticou a corte por considerar que, por meio da chamada “interpretação conforme a Constituição”, o Supremo acabou legislando.

“O Supremo Tribunal reescreveu a lei conforme achou melhor. Ocorre que o instituto ou técnica da interpretação conforme a Constituição não permite que o tribunal substitua o legislador. Mesmo que seja para ‘o bem’, se assim quisermos dizer.”

O jurista já havia criticado o que chamou de “interpretação em desconformidade com a lei e com a Constituição”.

“Interpretação conforme não altera o texto, apenas a norma. Se alterar o texto, o Judiciário legisla. Porque o Judiciário cuida do passado e o Legislativo cuida do futuro. Quem escreve textos é o Legislativo”, afirmou ele no texto.

Justiça Eleitoral

Outro ponto estabelecido pelo Supremo no julgamento é que o juiz das garantias deve atuar em processos criminais de competência da Justiça Eleitoral, mas não se aplica nos processos de competência originária dos tribunais e do Tribunal do Júri, nos casos de violência doméstica e nas infrações penais de menor potencial ofensivo.

Segundo Renato Ribeiro, especialista em Direito Eleitoral, não faria sentido deixar o juiz das garantias fora de casos de competência da Justiça Eleitoral, uma vez que ela também analisa o cometimento de crimes.

“A Justiça Eleitoral tem competência de julgar casos envolvendo crimes eleitorais e crimes comuns conexos a crimes eleitorais. Então, se o juiz das garantias se aplica a ações de natureza penal, é necessária a atuação também na Justiça especializada.”

Paula Hyppolito também considerou positiva a decisão. Para ela, o juiz das garantias deve atuar “na maior gama de casos possível”, porque o instituto garante maior resguardo aos direitos de presos e investigados.

“Ainda que a Constituição estabeleça a Justiça Eleitoral como especializada e com regramentos próprios, os crimes sob sua tutela merecem o mesmo resguardo. No cenário atual, a Justiça Eleitoral ganhou ainda maior relevância e passou, após discussões importantes de sua competência, a atrair diversos crimes correlatos aos eleitorais e também a julgar operações de grande relevância político-social. Portanto, deve estar contemplada.”

Denúncia

Um ponto, no entanto, gerou críticas dos especialistas. Trata-se da definição de que a competência do juiz das garantias acaba com o oferecimento da denúncia, e não com a sua recepção, conforme havia sido estabelecido pela lei “anticrime”.

Da maneira como foi decidido pelo STF, o juiz das garantias cuidará da fase do inquérito, sendo responsável por julgar uma série de pedidos relativos a essa etapa, como quebra de sigilo bancário e telefônico e mandado de busca e apreensão. Porém, diferentemente do que previa a lei aprovada em 2019, ele não poderá receber a denúncia, o que ficará a cargo do juiz da causa.

“A grande modificação da figura do juiz das garantias é retirar do juiz da causa o contato com os elementos de informação prévios à denúncia. Isso é algo diverso do que o legislador escolheu. Um passo atrás, porque é uma alteração de competência que deixa de lado o motivo principal dessa alteração, que é separar o que pode ser valorado por cada juiz”, disse o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Renato Stanziola Vieira.

Para Rogério Fernando Taffarello, sócio da área penal do escritório Mattos Filho e professor da FGV-SP, o Supremo legislou ao alterar previsão da lei “anticrime”.

“Nosso legislador fez uma escolha muito clara de que a competência do juiz das garantias iria até a admissibilidade da denúncia. Eu não consigo enxergar uma questão constitucional que permitisse ao STF alterar essa regra. O Supremo legislou.”

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