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Limites às “Requisições” do Ministério Público ao Delegado de Polícia

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS
O cumprimento de requisições feitas pelo digno órgão do Ministério Público,conforme preceitos Constitucionais e legais existentes é, sabidamente,procedimento legal rotineiramente desencadeado pelas Policias Civis de todo o País.

 

Ab ovo, cumpre destacar que tais diligências devem ser devidamente fundamentadas, e serem promovidas sempre em razão de procedimento policial ou criminal em andamento, conforme se extrai da leitura do art. 129, VII, da CF, que assim dispõe: “são funções institucionais do Ministério Público – requisitar diligências investigatórias, e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”.

 

Carece, portanto, de amparo legal, a determinação pura e simples de realização de diligências genéricas, imprecisas, ou em desacordo com as atribuições da Autoridade Policial, como, por exemplo, a que requisita o retorno dos autos à delegacia a fim de que se proceda “maiores investigações”.

 

Deverá a Polícia Civil, portanto, e atendendo às disposições legais, cumprir as requisições feitas pelo louvável Ministério Público.  E por “requisições”, entenda-se, conforme ensinamentos de Nucci,  “não como ordens vinculativas de subordinação, mas sim como requerimentos lastreados em lei, tendo em vista que se cumpre, somente, o que a lei manda, e não a vontade do representante do órgão requisitante“.

 

Dissertando sobre o assunto, Luis Flávio Gomes e Fabio Scliar  sustentam que o Delegado de Polícia deveria possuir as mesmas prerrogativas de um Juiz de Direito e de um Promotor de Justiça, inclusive remuneratórias, em face do que dispõe a própria Constituição Federal, fundamentando sua tese no princípio da separação dos poderes.

Citam ainda, ad argumentandum tantum, os referidos autores  que, inclusive, a requisição ministerial ao Delegado de Polícia tem natureza de sugestão investigativa, cabendo ao delegado apreciar discricionariamente sobre tal fato, nos seguintes termos:


“Portanto a requisição ministerial de diligências no decorrer do inquérito policial não é vinculativa, tendo natureza de sugestão de diligência, com a mesma estatura do requerimento de diligências formulado pelo investigado, em função não apenas do princípio da separação de poderes, que confere a discricionariedade ao delegado de polícia, como também do princípio da isonomia material que deve nortear o eventual futuro processo
“.

Esta é, ainda, a posição adotada por Luigi Ferrajoli , ao ensinar que “En particular la policía judicial, encargada de la investigación de los delitos y de la ejecución de las decisiones judiciales, debería estar rigidamente separada de los demás cuerpos de polícia y dotada de las mismas garantias de independência frente al ejecutivo que el poder judicial”.

 

Também, no tocante ao retorno do Inquérito Policial à unidade policial para cumprimento de diligências requisitadas pelo Judiciário ou Ministério Público, não são raras as vezes que observamos tais procedimentos serem “baixados”, com cota ministerial requisitando que Autoridade Policial “qualifique, interrogue e/ou indicie o acusado”.

 

Primeiramente, pedimos vênia para dissertar sobre a seguinte expressão habitualmente utilizada por alguns operadores da Justiça quando das requisições de diligências: “Baixem os autos à delegacia de polícia para que a autoridade policial…etc..”.

 

Essa expressão, em nossa opinião erroneamente utilizada, carrega, em tese, a mensagem subliminar de que a Polícia Judiciária é órgão que está “abaixo” do Ministério Público; poder-se-ia normalmente utilizá-la – embora distante da técnica jurídico-processual penal, caso a Delegacia de Polícia funcionasse no primeiro andar de um prédio, e o Fórum ou a sede do Ministério Público fosse localizada nos andares superiores do mesmo edifício. Afora essas hipóteses, mostra-se indelicada a utilização de tal expressão, mesmo porque não existe nenhuma relação de subordinação funcional ou hierárquica entre os integrantes de tais instituições.

 

Melhor seria, então, a utilização da expressão “devolução do Inquérito à Delegacia”, ou então, “devolução à origem”, para o implemento das diligências solicitadas.

 

Como dissemos acima, não é incomum retornam-se os autos à origem, com a requisição do “parquet” no sentido de que o Delegado de Polícia “qualifique, interrogue e/ou indicie o suspeito”. Também, tais expressões mostram-se inadequadas, tendo em vista que o indiciamento é ato privativo da Autoridade Policial, conforme sua fundamentação jurídica e técnico-científica, dispondo, assim, de autonomia de suas conclusões. E por colorário lógico-jurídico o delegado somente irá “interrogar”  aquele investigado que tiver sido indiciado (durante o IP, no seu relatório final, ou implicitamente na lavratura do auto de prisão em flarante) pela autoridade, do contrário, apenas tomará suas declarações ou depoimento, dependendo do caso. Portanto, somente restará o cumprimento da solicitação do ‘parquet’ no tocante à qualificação do suspeito.

 

Indiciado, portanto, é a pessoa eleita pelo Estado-Investigação, representado nesse ato pelo delegado de polícia da circunscrição, dentro de sua convicção lógico-jurídica, como autor da infração penal, não havendo legalidade alguma na requisição promovida por membros do ministério público nesse sentido.

 

Afinal, a investigação apontará, em momento oportuno, o(s) indício(s), quando então esta Autoridade, seguindo sua convicção jurídica, providenciará o devido indiciamento, ou não, de quem de direito se encontrar na posição de suspeição ativa, seja determinando sua oitiva na forma de interrogatório, seja ratificando interrogatório do conduzido em procedimento flagrancial, seja decidindo não indiciá-lo, tendo em vista a ausência de tipicidade pena da conduta, procedendo-se, por fim, nos demais atos que dele advém.

 

Assim, somos adeptos à corrente que entende existir limites legais à requisição ministerial, e que tal deve ser entendida como “requerimento lastreado em lei”, e não como ordem de determinação a qualquer custo, mesmo porque deverá ser analisada pelo delegado a conveniência do ato para a instrução inquisitorial, bem como a legalidade/tipicidade penal da conduta em face de quem se requisita tal diligência investigativa.

 

Sobre o autor

Fabricio De Santis Conceição
Delegado de Polícia do Estado do Rio Grande do Sul. Colunista e correspondente da região Sul/Suldeste do Portal Nacional dos delegados (www.delegados.com.br). Professor Universitário. Foi Delegado de Polícia no Estado da Paraíba (turma de 2003), onde exerceu a função de Vice-presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado – ADEPOL/PB, mandato 2008/2010. Exerceu o cargo de Gerente de Inteligência da Secretaria de Estado da Segurança e Defesa Social do Estado da Paraíba (2007-2008). Foi professor da Academia de Polícia Civil do Estado da Paraíba, e professor Universitário da Associação de Ensino Renovado – ASPER (2007 a 2010) e de cursinhos preparatórios pra concurso em João Pessoa/PB. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processo Penal e Direito Constitucional. É Pós-graduado em Direito Penal pela Universidade Metropolitanas Unidas – UNIFMU/SP, e especialsta em Tribunal do Juri, pela Escola Superior de Advocacia de São Paulo – ESA/SP (2002). Atuou como Defensor dativo, junto a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, e como advogado, exerceu a função de membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Secção Central (Sé) da OAB/SP , e da Comissão de Tribunal do Juri da Secção Penha de França/SP (2001-2004). Ex-agente penitenciário da Penintenciária de Segurança Máxima de Pacaembú/SP, e do Centro de Detenção Provisório I, de Osasco/SP (1997-2001).

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