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Justiça Federal considera ilegal flagrante da PM

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS

JURÍDICO
Justiça Federal considera ilegal flagrante da PM

JURÍDICO

ADPF Nacional e em Santa Catarina acompanham com atenção episódios de usurpação das funções de polícia judiciária

{loadposition adsensenoticia}A ADPF parabeniza a decisão da Justiça Federal em Caçador (SC), que relaxou um flagrante feito pela Polícia Militar por considerá-lo ilegal. Desde maio de 2009, a Diretoria Regional da ADPF em Santa Cataria e a Diretoria Executiva acompanham com atenção os desdobramentos de notícia sobre flagrantes de crimes federais passarem a ser lavrados pela PMSC. Na ocasião, a ADPF avaliou a propositura de ação judicial contra tal medida.

“Atribuo o fato à união das nossas entidades de classe e a comunhão de esforços entre as polícias judiciárias federal e estadual em Santa Catarina pelo Estado Democrático de Direito”, comenta o Diretor Regional da ADPF/SC, Delegado de Polícia Federal Eduardo Mauat da Silva. “Reitero meu pessoal apreço pe la Polícia Militar, entidade necessária e respeitável, todavia isso não autoriza determinados comandantes a atropelarem a lei”, finaliza.

Veja a decisão:

COMUNICAÇÃO DE PRISÃO EM FLAGRANTE Nº 5000011-41.2010.404.7211/SC

DECISÃO

Trata-se de comunicação de prisão em flagrante de João Francisco dos Santos, pela prática, em tese, do delito previsto no art. 334, do Código
Penal.

O comunicado foi lavrado por ‘autoridade de polícia administrativa’, integrante dos quadros da Polícia Militar (evento 1).

Decido.

1. Da possibilidade de lavratura do auto de prisão por policial militar

A prisão em flagrante encontra previsão no texto constitucional (art. 5º, LXI) e, nos termos do Código de Processo Penal, é faculdade de qualquer do
povo e dever das autoridades policiais e seus agentes (art. 301). Nenhuma dúvida, por tanto, quanto ao fato de os agentes das autoridades policiais
terem o dever de efetuar a prisão em situações de flagrante delito.

Contudo, é indispensável examinar as disposições do ordenamento jurídico acerca da atuação reservada aos órgãos responsáveis pela segurança pública, elencados pelo art. 144, da Constituição da República, nos termos seguintes:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
IV – polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e es truturado em carreira, destina-se a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

 

§ 4º – às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judici ria e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º – às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei,
incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 7º – A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

A Constituição foi clara ao reservar às polícias civil e federal as atividades de polícia judiciária, responsáveis pela apuração das infrações penais e de sua autoria, consoante dispõe o artigo 4º, do Código de Processo Penal, e às polícias militares as funções de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (art. 144, §§ 1º, 4º e 5º). Além disso, delegou ao legislador o funcionamen to dos órgãos responsáveis a fim de garantir a eficiência das atividades (art. 144, § 7º).

A distinção entre polícia judiciária e repressiva não é leviana, e tem reflexos profundos na estrutura acusatória do processo destinado a apurar o ilícito
criminal e a garantir os direitos individuais do investigado, tratado como sujeito e não mais como objeto da ação estatal. Colha-se lição doutrinária (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado, 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008):

‘5. Previsão constitucional da polícia judiciária: (…) Portanto, cabe aos órgãos constituídos das polícias federal e civil conduzir as investigações necessárias, colhendo provas preconstituídas e formar o inquérito, que servirá de base de sustentação a uma futura ação penal. Note-se a preocupação legislativa para deixar bem clara a atuaç o da polícia civil (entenda-se, fora do contexto militar, porém estadual ou federal, conforme o caso) na condução das investigações pré-processuais: ‘Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente,
remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas’ (art. 50, caput, Lei 11.343/2006 – grifamos). A expressão autoridade de polícia judiciária, que obviamente não é a autoridade militar, é repetida em outros dispositivos da referida lei (Lei de Tóxicos).’

O Código de Processo Penal também foi cristalino ao dizer que ‘a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas
respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria’ (art . 4º).

O diploma processual vincula o termo autoridade policial ao exercício das funções investigativas inerentes ao inquérito policial, que podem
ser iniciadas com a prisão em flagrante (art. 8º). Nessa ordem de idéias, prossegue o autor referido:

‘7. Outras investigações criminais: podem ser presididas, conforme dispuser a lei, por outras autoridades. É o que se dá, por exemplo, quando um juiz é investigado.

Segundo dispõe o art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar 35/79, ‘quando, no curso da investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou Órgão Especial competente para o julgamento a fim de que prossiga na investigação’ (…)’ (grifamos).

E, mais adiante:

’52. Investigação policial iniciada pela prisão em flagrante: é a maneira cogente de a autoridade policial dar início ao inquérito policial e à investigação
criminal. Realizada a prisão, após flagrante delito, é apresentado o indivíduo detido para a lavratura do auto (…).’

Portanto, nos casos de prisões decorrentes de flagrante delito, a polícia militar deve, no exercício da atividade repressiva, apresentar o
preso à autoridade competente para o exercício das funções de polícia judiciária e, portanto, para a lavratura do auto de prisão em flagrante, nos termos do art. 304, do Código de Processo Penal.

E, em razão da interpretação sistêmica dos artigos 4º, 6º e 304, do Código de Processo Penal, à luz do artigo 144, da Constituição, entenda-se
por autoridade competente os ocupantes do cargo de delegado de polícia de carreira, referidos pelo § 4º, desse dispositivo.

Não se trata de formalidade dis pensável ao bel prazer do intérprete. A formação dos delegados de polícia, acadêmica e decorrente de treinamento
específico, é imprescindível para o adequado desempenho das atividades descritas pelos artigos 6º e 304 da lei processual penal (como, por exemplo,
a oitiva de testemunhas e do ofendido, o interrogatório do acusado, o reconhecimento de pessoas e coisas, a realização de acareações e determinação
de perícias) e para o resguardo das garantias constitucionais do flagrado.

As exceções ficam por conta do legislador, nos termos do art. 144, § 7º, da Constituição Federal, e nos casos em que haja demonstração da inércia ou da recusa por parte da autoridade policial. Cite-se, como exceções legislativas, a possibilidade de o auto ser lavrado por magistrado (art. 307, do Código de Processo Penal), por deputado ou senador (Súmula 397, do Supremo Tribunal Federal) e por agentes florestais (art. 33, b, da Lei 4.771/65).

Na segunda hipótese, a ponderação dos princípios constitucionais referentes à segurança pública e aos direitos individuais autoriza a lavratura do auto pela autoridade responsável pelo exercício da polícia repressiva. A recusa por parte do delegado de polícia, por motivos estranhos ao ordenamento
jurídico, não pode constituir risco à segurança da sociedade, sendo passível, inclusive, de apuração nas searas adequadas.

2. Do exame do caso concreto

Não há, no caso subjacente, elementos que indiquem a recusa ou a inércia por parte do delegado de polícia competente capazes de legitimar a manutenção da prisão do conduzido.

Ante o exposto, determino o relaxamento imediato da prisão em flagrante, nos termos do art. 5º, LXV, da Constituição, sem prejuízo de futura
apuração do delito em tese praticado pelo flagrado.

Expeça-se ordem de soltura pelo meio mais expedito.

Comunique-se às polícias Militar e Federal (em Lages), remetendo-se cópia da presente decisão.

Intime-se o Ministério Público Federal.

Caçador, 03 de fevereiro de 2010.

EDUARDO CORREIA DA SILVA
Juiz Federal Substituto

Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de
24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira –
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Nº de Série do
Certificado: 443570F6
Data e Hora: 03/02/2010 19:12:39
Fonte: www.jfsc.gov.br

Mário Leite

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Revista da Defesa Social

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