Título original: “O Inquérito Penal de Garantias diante do Sigilo do Inquérito Policial e ao Direito à Informação do Investigado – Aspectos Constitucionais e Infraconstitucionais.”
Ruchester Marreiros Barbosa
Delegado de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro
Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes
Doutorando em Direito Penal pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Buenos Aires, Argentina
Professor de Processo Penal da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
Professor Convidado da Pós-gradução da Universidade Federal Fluminense
Professor de Processo Penal e Direito Penal da Universidade Estácio de Sá
Professor de diversos cursos preparatórios para concursos públicos
Introdução
O referente artigo tem como tema fato corriqueiro no dia a dia do exercício das atribuições do Delegado de Polícia, do Magistrado ou Membro do Ministério Público, qual seja o acesso aos autos do inquérito policial, penal judicial ou civil e o seu sigilo. Dentre as diversas atribuições das Autoridades no âmbito da presidência da investigação preliminar está o mister de manter seu sigilo, conforme art. 20 do Código de Processo Penal (CPP), a despeito dos atos de investigação documentados e já foram praticados, bem como os que estão documentados, mas em andamento e os que ainda irão ser praticados.
O tema sobre acesso autos do inquérito e a extensão do sigilo interno dos atos de investigação nunca foi tema pacífico e, justamente por isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi instado a se manifestar sobre o tema por diversas vezes, resultando na edição da súmula vinculante (SV) 14 de 2009.
Ainda assim, após a edição da súmula ainda verificamos negativa do acesso por questões outras controvertidas, surgindo dúvida a aplicabilidade do aludido verbete da Suprema Corte ensejando assim, diversos habeas corpus (HC) ao STF como por exemplo o HC 94173/BA,julgamento em 27/10/2009 e HC 87610/SC, julgamento em 27/10/2009.
Abrimos um parêntese nesta ceara para advertirmos que o remédio constitucional idôneo para atacar decisão de negativa de acesso aos autos do inquérito é o mandado de segurança (MS), v.g., MS – 30.906 de 05 de outubro de 2011 – Informativo 644 do STF.
Sendo ainda mais rigoroso coma técnica processual, após a edição da SV nº14, o remédio mais adequado é a reclamação (Rcl) conforme preceitua o art. 102, I, “l” c/c art. 103-A, §3º[1], ambos da Constituição da República[2] ao Pretório Excelso por alegação de violação a referida súmula vinculante, a título de exemplo a Rcl 12810 MC/BA, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 28/10/2011 e Rcl 7821/RJ, como reclamado o Promotor de Justiça da 63ª Zona Eleitoral da Comarca de Silva Jardim, no Inquérito Policial nº 828/2007, Rel.: Min. Cármen Lúcia, julgado em 22/02/2012.
Podemos observar pelas datas dos julgados que o tema volta a ser levado ao STF mesmo diante de uma súmula vinculante, o que demonstra que o assunto apesar de estar cada vez mais sedimentado no âmbito do STF ainda surge dúvidas práticas em razão do dinamismo inerente à natureza das investigações, e como consequência disso surge a todo o momento circunstâncias diversas do ordinário, que colocam sempre em conflito o direito de acesso aos autos pelo advogado para exercer o munus garantido pela constituição em seu art. 5º, LXIII,[3] da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) e o sigilo do inquérito, sob pena de frustrar uma das armas que o Estado possui para garantia da aplicação da lei penal, sendo papel do Delegado de Polícia traçar o equilíbrio entre esses princípios, quais sejam os das garantias constitucionais do investigado e do poder punitivo do Estado, fazendo incidir o princípio da paridade de armas de modo que ambos os princípio coexistam de forma harmônica, o que nem sempre é uma tarefa fácil.
Natureza Jurídica do Ato de Indeferimento de Acesso aos Autos
Os atos ou fatos ocorridos no curso de uma investigação estão elencados de forma exemplificativa nos art. 6º ao 10º do CPP. Segundo Elmir Duclerc[4] (DUCLERC, Elmir, 2011, p. 98 a 108) o inquérito policial é impulsionado através dos denominados atos de iniciação, atos de desenvolvimento e atos de conclusão. Ao comentar sobre os de desenvolvimento diz que o “[…] artigo 6º do CPP, mas também no artigo 7º, e em alguns textos de legislação extravagante […] são a alma do inquérito policial e podem ser chamados propriamente de atos de investigação.”
Essa classificação dos atos de investigação não seguiu nenhuma sistemática como ocorreu na classificação dos atos processuais. Na verdade foi realizada pelos fins, mas acompanham a natureza administrativa do inquérito policial, que por ser discricionário não segue um rito sacro como ocorre nos procedimentos inerentes à instrução processual.
Os atos praticados no processo além de ter natureza administrativa têm natureza jurisdicional, por sua natureza eminentemente jurisdicional, e estão relacionados diretamente a um sistema recursal. Por isso, tiveram a necessidade de ter seus atos classificados pelo legislador em despacho, decisão interlocutória (simples ou mista; terminativa e não terminativa) e sentença, conforme a combinação dos art. 593, I e II e art. 800, I, II e III, todos do CPP.
Ad argumentandum os atos processuais podem ou não ter cunho decisório, considerando este o ato que tem por objeto a resolução de questão controvertida e, portanto, o despacho por estar relacionado ao mero impulso processual, não interferem na esfera subjetiva das partes para o exercício da pretensão pelo autor ou no exercício da defesa pelo réu.[5]
Neste diapasão, o legislador, previu no rol do art. 581 do CPP um rol taxativo de decisões jurisdicionais que desafiam o recurso em sentido estrito, e hodiernamente, as outras decisões em sentido oposto das que estão no mesmo rol do mesmo artigo a doutrina e a jurisprudência admitem, por ter também conteúdo decisório ser impugnados pelas ações autônomas, sendo os mais comuns o habeas corpus, mandado de segurança e reclamação.
A título de exemplo, a rejeição da denúncia ou queixa está prevista no art. 581, I do CPP, que portanto, desafia o recurso em sentido estrito, porém a decisão de seu oposto, qual seja a de recebimento da denúncia ou queixa não há previsão de nenhum outro recurso, e não se trata de um mero despacho, mas sim de provimento com conteúdo decisório, na qual vem sendo admitido o remédio heróico e constitucional do habeas corpus. Neste sentido, Eugênio Pacelli[6]:
Quando a decisão é de recebimento da denúncia, não há a previsão de recurso. Nada obstante, será cabível a impetração de habeas corpus, diante da ameaça potencial à liberdade individual do acusado, com a só instauração da ação penal.
No inquérito policial os atos de investigação, seguindo o mesmo raciocínio lógico de um processo penal escalonado, se a regra no processo penal é de aplicação da irrecorribilidade das decisões interlocutórias simples, ainda que sejam provimentos jurisdicionais de conteúdo decisório, o inquérito policial que é uma fase pré-processual também possuem atos investigativos de mero impulso e atos investigativos decisórios.
Insta salientar, portanto, que a irrecorribilidade dos provimentos jurisdicionais não retira sua natureza decisória, pari passu, não será o princípio da irrecorribilidade reflexamente aplicável ao inquérito, que definirá se um ato é ou não decisório. Neste sentido, os Tribunais já vêm reconhecendo a carga decisória de determinados atos de investigação, que são denominados na prática forense de forma simplória como “despachos”, no entanto, alguns atos não são meros despachos e sim decisões interlocutórias simples.
Em oportuno, vale destacar jurisprudência[7] neste sentido, com grifo nosso ipsis literis:
Inexistência dos elementos caracterizadores do delito. Inquérito policial. Ausência de justa causa. Suspensão da instauração. Prevaricação é a intencional, dolosa, infidelidade ao dever de ofício. Como, em primeiro lugar, entender que o delegado de polícia tenha agido para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, movido por interesse subalterno, se, comportando-se inteiramente às escâncaras, sem nada ocultar, indeferiu de maneira plenamente motivada o requerimento formulado pela vítima? A atuação da autoridade policial envolve considerável e relevante parcela de poder discricionário, daí a contingência de se investir o delegado de polícia de inegável feixe de atribuições decisórias em esfera administrativa. Se ao exercitar essa parcela de poder decisório, o delegado de polícia assim o faz de maneira fundamentada, neste passo atendendo ao comando constitucional, não pode ser responsabilizado criminalmente pelo teor e pelas razões de seu convencimento, que não hesitou em expor, estejam estas e aquele em substância corretos ou não. Nesse sentido: “Para se caracterizar o crime de prevaricação, na hipótese em que o funcionário deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, para satisfazer sentimento pessoal, é necessário que a prova dos autos revele que o ato comisso decorreu de afeição, ódio, contemplação, ou para promover interesse pessoal seu, como expressamente alude o Código Penal, ainda fonte de entendimento da lei repressiva, em vigor. Se, ao contrário, a omissão decorreu de erro do funcionário, ou por dúvida quanto à interpretação da lei, ou de ordem de serviço, não se pode falar em prevaricação, para cuja prática se exige dolo específico (TFR, DJU 14.10.1982, p. 10363, Rel. Min. José Cândido)”. Concessão da ordem para cassar a determinação do Juízo impetrado que ordenou a instauração de IP contra o paciente e contra a delegada de polícia que estava de plantão quando da lavratura do BO. (TACRIMSP – HC 414.172/6 – 9ª C.Fér. – Rel. Juiz Aroldo Viotti – DOESP 01.08.2002)
Ora, não se impugna via recurso ou ação autônoma atos administrativos ou jurisdicionais de mero impulso processual, ou seja, os despachos ordinatórios ou de mero expediente, que dão impulso a marcha processual não são decisões por não resolver questão ou ponto controvertido, por não obstar pretensão. Os despachos no máximo, podem gerar tumultuo o que é corrigível por via da correição parcial ou reclamação, nomenclatura que varia de acordo com o código de organização judiciária de cada Estado ou o Regimento Interno peculiar a cada Tribunal Estadual ou Tribunal Regional e após a EC 45/04 o art. 105, parágrafo único. II da CRFB, que não tem natureza recursal e sim administrativa-disciplinar[8], no que pese este posicionamento não ser pacífico na doutrina.[9]
Insta salientar, que o código de processo penal por diversas passagens emprega de forma equivocada os termos “despacho” e “decisão”, no entanto é pacífico na doutrina este equívoco como ocorre a título de exemplo, no art. 67 do CPP[10], quando trata da decisão do arquivamento do inquérito policial, o legislador denomina de despacho; art. 273 do CPP[11], na qual o legislador dá sinais, inclusive de desconhecer por completo a classificação dos provimentos jurisdicionais, posto que num mesmo dispositivo ele trate o mesmo ato de despacho e ao final de decisão, sendo pacífico o entendimento de se tratar de uma decisão interlocutória simples, No mesmo sentido, os artigos 374, 375, 516, 578, §2º, 581, 584, §3º, 589, caput e seu parágrafo único, 640, 779 etc.
Não bastasse a confusão entre despacho e decisão interlocutória, confunde também decisão interlocutória com sentença, como ocorria na redação anterior a 2008 dos art. 408, 413, 414, 415 e 416, todos do CPP, que denominada de sentença de impronúncia o provimento jurisdicional de inadmissão da acusação na primeira fase do rito do Tribunal do Júri, na qual foi corrigido na redação atual deste procedimento dos crimes dolosos contra a vida pela lei 11.689/08, alterando a redação para sua correta natureza de decisão interlocutória, mista para Paulo Rangel[12] e simples para Ada Pelegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes[13]
Verifica-se, neste aspecto que andou bem o legislador hodierno. Quando teve a oportunidade de aprimorar a técnica, corrigiu alguns desses erros quando foram aprovadas as leis novas, alteradoras do texto, do codex processual penal.
Por fim, com a lei 12.403/11, que alterou o regime das medidas cautelares foi realizado a devida correção no art. 315 do CPP, que em sua redação antiga de 1967[14] denominava de despacho o ato que decretava a prisão preventiva, corrigido na atual redação de 2011[15] pelo termo adequado a sua natureza jurídica de decisão interlocutória simples[16].
No âmbito do inquérito policial ocorreu a mesma situação no art. 5º, §2º[17] do CPP quando a autoridade policial indefere o requerimento de instauração de inquérito policial, cabendo recurso ao chefe de polícia, haja vista que este ato administrativo tem verdadeira natureza de decisão interlocutória mista terminativa face ao evidente óbice que o ato dará a instauração do inquérito policial.
Ainda que olvidemos dizer que os mesmos elementos poderiam dar ensejo a ação penal pela dispensabilidade do inquérito, face aos art. 27, 39, §5º e 46, §1º, todos do CPP, e autonomia jurídica entre Delegado, Promotor e querelante, pelos mesmos motivos que a instauração foi indeferida da investigação, a denúncia ou queixa poderia ser rejeitada, e ninguém na doutrina defende que a decisão de rejeição da denúncia é um simples despacho, mas por todos, trata-se de uma decisão interlocutória.
Neste sentido não nos deixa mentir o Tribunal Regional da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), com grifo nosso, in verbis:
AGRAVO INTERNO – DECISÃO MONOCRÁTICA – PROCESSUAL PENAL – REJEIÇÃO DE REQUERIMENTO DO MPF QUANTO À INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PENAL JUDICIAL SOBRE CONDUTA EM TESE PENALMENTE TIPIFICADA SUPOSTAMENTE PRATICADA POR MAGISTRADO – ARQUIVAMENTO DO FEITO – FASE DE VERIFICAÇÃO DA PROCEDÊNCIA DAS INFORMAÇÕES APRESENTADAS PELA SUPOSTA VÍTIMA – ART. 5º, § 3º, DO CPP – POSSIBILIDADE JURÍDICA DE TAL REJEIÇÃO – ART. 5º, § 2º, DO CPP – NÃO APLICABILIDADE DOS ARTS. 17, E 10, § 1º, DO CPP – I- Como não foi instaurado inquérito penal judicial ou, ainda antes, policial, infere-se que o presente feito se encontra na fase limítrofe de verificação da procedência das informações apresentadas pela suposta Vítima, sucintamente descrita no art. 5º, § 3º, do CPP. II- Nesse contexto, é juridicamente possível, à autoridade judicial diretora da investigação penal preliminar, o indeferimento do requerimento de instauração de inquérito penal judicial, conforme o art. 5º, § 2º, do CPP, o que, por outro lado, certamente autoriza, com base nesse mesmo texto legal, a eventual interposição do recurso adequado, tal como o presente, endereçado à instância competente. III- Com efeito, se já tivesse sido instaurado inquérito penal – Tanto judicial quanto policial – , certamente teriam sido ativadas, por analogia, a vedação extraída do art. 17 do CPP, bem como, pari passu, a sistemática descrita no art. 10, § 1º (e não no art. 28), desse Codex, naturalmente ajustado, em favor do Parquet Federal, ao sistema processual penal acusatório estruturado na CRFB/1988. IV- Não obstante, frise-se, por outro lado, que, ainda no curso da presente investigação penal preliminar judicial, a participação do Ministério Público Federal não restou prejudicada, pois seus autos lhe foram encaminhados para apreciação e, em adição, foi determinada a realização de parte das diligências por ele requeridas. PENAL – APROPRIAÇÃO INDÉBITA – CONTRATO PRELIMINAR A CONTRATO DE COMPRA E VENDA – RETENÇÃO DE “DEPÓSITO DE RESERVA” OU ARRAS PENITENCIAIS – PRINCÍPIOS JURÍDICOS DA INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS E DAS ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE, DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA FRAGMENTARIEDADE – PONDERAÇÃO POR ORIENTAÇÃO DO PRINCÍPIO JURÍDICO DA RAZOABILIDADE – AUSÊNCIA DE SUBSTANCIAIS INDÍCIOS – V- No exercício de ponderação dos princípios da independência das esferas e das espécies de responsabilidade, da intervenção mínima (ou subsidiariedade) e da fragmentariedade, por orientação do princípio jurídica da razoabilidade, não se puderam constatar substanciais indícios da prática de conduta tipificada como apropriação indébita, em cenário consubstanciado em contrato preliminar (ou promessa) a contrato de compra e venda, no qual houve a retenção de “depósito de reserva” ou arras penitenciais. (TRF 2ª R. – PET 2010.02.01.016374-9 – (1919) – TP – Rel. Sergio Schwaitzer – DJe 08.09.2011 – p. 134)
O caso sub exame, trata de investigação em desfavor de magistrado que possui foro por prerrogativa de função, que por força da lei orgânica da magistratura nacional, art. 33, parágrafo único[18] da LC 35/79 (LOMAN) deve ser investigado pelo Tribunal a que está sujeito, cuja instauração do inquérito policial denomina-se inquérito penal judicial, não obstante possuir a mesma natureza jurídica do inquérito policial. Naquela ocasião o Ministério Público Federal pelo Procurador Regional da República, órgão de execução com atribuição para atuar junto ao Tribunal Regional Federal, requereu a instauração de inquérito na qual foi indeferido pelo relator, na qual ensejou o agravo interno, em sede de Tribunal, o que evidencia a natureza do provimento de indeferimento da referida instauração ser uma decisão interlocutória.
Outrossim, procedendo a vítima ou qualquer do povo ao Ministério Público narrando fato que o mesmo entenda ser criminoso e requisite a instauração de inquérito policial, segundo Tourinho[19]:
Sem embargo, tratando-se de uma bisonha e absurda requisição, sem um mínimo de informe que possibilitem ao menos um início de investigação, evidentemente não poderá a Autoridade Policial dar-lhe cumprimento. Pode até não indeferir. Entretanto, cumprir-lhe-á fazer ver à autoridade requisitante a impossibilidade de atendê-la, equivalendo tal conduta a um delicado indeferimento.
Evidente que o referido doutrinador, data vênia, por se tratar de membro do Ministério Público, quis tratar o tema de indeferimento da requisição do MP de forma elegante a despeito verifica-se, nesta feita, que a Autoridade Policial ao receber uma requisição para instauração de inquérito policial não deve enxergá-la de forma míope e com antolhos[20], devendo avaliar se há um mínimo de informações a ensejar uma investigação penal, como no caso julgado acima aludido.
Não é diferente disto, que o legislador em recente criação inovou em tema inquérito na nova lei do CADE, aprovando a lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, publicada no DOU em 01.12.2011 que “Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências, na qual entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial, ou seja, entra em vigor em 28 de maio de 2012, contagem à luz do art. 8º, §1º da LC 95/98.
Este novel diploma trás tema melhor regulamentado, na qual a anterior lei 8.884/94, denominada de averiguações preliminares, sobre novo enfoque e denominando a investigação sobre infrações de ordem econômica de inquérito administrativo, que segundo seu art. 66, trata-se de procedimento investigatório de natureza inquisitorial, cuja atribuição é da Superintendência-Geral para apuração de infrações à ordem econômica.
A lei tratou de regulamentar um capítulo específico sobre as infrações à ordem econômica não tratando sobre a questão criminal, que apesar de terem sido alterados alguns tipos penais, o fez na lei 8.137/90, em seu art. 4º, não retirando da esfera da polícia judiciária, e nem poderia sem que o fizesse por emenda constitucional, as atribuições sobre as infrações penais.
No entanto, ao querer tratar sobre investigação no âmbito administrativo quis dá idêntica natureza ao inquérito policial e, regulamentando o procedimento investigativo no âmbito das infrações administrativas à ordem econômica, dispôs no art. 66, §4º:
§ 4º Do despacho que ordenar o arquivamento de procedimento preparatório, indeferir o requerimento de abertura de inquérito administrativo, ou seu arquivamento, caberá recurso de qualquer interessado ao Superintendente-Geral, na forma determinada em regulamento, que decidirá em última instância.
Verifica-se, nesta feita que o ordenamento jurídico reconhece que até mesmo em procedimentos de natureza inquisitorial há determinados atos que tem natureza evidentemente decisória.
Do Instrumento do Mandato
Para ter acesso aos autos é necessário o instrumento de mandato para habilitar o defensor do investigado afim de consultar ou fotocopiar conteúdo, diante do e art. 133[21] da CRFB/88 e art. 7, XIV[22] da lei 8.906/94? Teria então, esta lei, de mesma hierarquia revogado o art. 20 do CPP?
O advogado do investigado para ter acesso aos autos deve apresentar que uma procuração para habilitá-lo a ter acesso à informação do conteúdo dos autos sob pena de indeferimento do requerimento, que a nosso ver deve ser fundamentada.
Abrimos um parêntese para alertarmos que hodiernamente não temos visto anulação de indiciamento ou de qualquer indeferimento ou decisão de prisão em flagrante sendo anulada por falta de fundamentação, posto que as impugnações a esses temas ainda se respaldam sob o fundamento de ausência de forma ou de atribuição ou competência como se manifestam os tribunais, contudo falta pouco para que nessa realidade, quando as regras sobre a investigação ficarem mais claras, sobretudo a respeito dos atos investigatórios decisórios, como vimos que a própria legislação hodierna vem prevendo a fundamentação das decisões dos atos administrativos em procedimento inquisitorial conforme o art. 66, §4º da Lei 12.529/11, que entra em vigor em 28/05/2012
Já estamos nos deparando para a realidade de perda da eficácia coercitiva da prisão em flagrante, por ausência de representação pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva pela autoridade policial conforme art. 282, §2º e art. 310, II, ambos do CPP. Em outras palavras, quando a autoridade policial não representa pela conversão, alguns magistrados e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro vêm entendendo que por ausência de representação pela prisão preventiva, e consequentemente da decisão de conversão da prisão em flagrante em preventiva enseja ilegalidade da prisão e como consequência tem concedido ordem em habeas corpus para decretar o relaxamento da prisão, como podemos observar no julgado abaixo:
HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADA PELO CRIME DE HOMICÍDIO NA FORMA TENTADA. PEDIDO DE RELAXAMENTO DE PRISÃODIANTE DA AUSÊNCIA DE DECISÃO CONVERTENDO A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA QUE MERECE SER ACOLHIDO. EVIDENTE ILEGALIDADE DA PRISÃO, EIS QUE INOBSERVADOS OS DITAMES DO ARTIGO 310 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, COM A NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 12.403/2011. INFORMAÇÕES DA AUTORIDADE COATORA DANDO CONTA QUE OS AUTOS ESTÃO COM VISTA AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA SE MANIFESTAR SOBRE A LIBERDADE DA PACIENTE. APLICAÇÃO, DE OFÍCIO, DA MEDIDA CAUTELAR PREVISTA NO ARTIGO 319, INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, DEVENDO A PACIENTE COMPARECER AO JUÍZO MENSALMENTE PARA INFORMAR E JUSTIFICAR ATIVIDADES. ORDEM CONCEDIDA. PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL – 0005283-82.2012.8.19.0000 – HABEAS CORPUS – DES. LUIZ ZVEITER – Julgamento: 28/02/2012
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. HOMICÍDIO SIMPLES. PRISÃO EMFLAGRANTE DATADA DE 03 DE JULHO DE 2011. AUSÊNCIA DE CONVERSÃO EM PRISÃO PREVENTIVA. LEI 12.403/11. VIGÊNCIA A PARTIR DO DIA 04 DE JULHO DE 2011. RETROATIVIDADE DA NORMA PROCESSUAL FAVORÁVEL AO IMPUTADO. ARTIGO 2º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INOBSERVÂNCIA QUE GERA NULIDADE DA PRISÃO CAUTELAR. PRISÃO EMFLAGRANTE QUE SE EXAURE EM SI MESMA, NÃO HAVENDO POSSIBILIDADE DE SEUS EFEITOS SE PERPETUAREM SEM QUE SEJA SUBSTITUÍDA PELA PRISÃO PREVENTIVA, DECRETADA A REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, EM DECISÃO FUNDAMENTADA. ILEGALIDADE QUE IMPÕE O RELAXAMENTO DA PRISÃO. O novo desenho institucional das cautelares pessoais tem nítida inspiração constitucional e o tratamento da lei no tempo em semelhante hipótese também está regulado pela Constituição da República. Com efeito, o §1º do artigo 5º da Constituição da República estabelece que ‘as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata’. Esta é, portanto, a disciplina legal da aplicação da lei no tempo sempre que a matéria regulada cuidar de direitos fundamentais, como é o caso. Assim, independentemente da questão de fundo sobre se a regra disciplina tema penal ou processual penal, basta que a lei nova regule o modo de implementação de direitos e garantias fundamentais para que a sua aplicação seja válida, imediatamente, para todos os atos e todos os processos, pendentes ou futuros. A regra da tradição do direito brasileiro consistente no tempus regitactum não é aplicável à incidência temporal das normas definidoras de direitos fundamentais, o que a larga experiência constitucional brasileira, acumulada desde 1988 já consagrou. Nestes termos, a lei reguladora do direito ao exame completo da legalidade da prisão pelo juiz e a intervenção prévia e obrigatória do Ministério Público para a decretação da prisão preventiva, nos moldes do processo acusatório, aplica-se retroativamente. Em outras palavras, a lei nova não se depara com obstáculo temporal e para ela vale a regra geral do inciso XL do artigo 5º da Constituição da República: ‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.’ Desse modo, independentemente da data da prisão em flagrante, a entrada em vigor da lei nova obriga o juiz a examinar a legalidade da prisão e demanda do Ministério Público que requeira a decretação da prisão preventiva, apontando na investigação criminal os elementos que sustentam a existência de eventual risco processual decorrente da liberdade do imputado. A nulidade da prisão do paciente resulta, pois, da inércia do Ministério Público, que não requereu a decretação da prisão preventiva do paciente logo após a prisão, no primeiro dia de vigência da lei nova, e da omissão judicial, caracterizada pela compreensível mas indevida recusa de aplicar a nova lei à prisão em flagrante anterior a ela. Da nulidade da prisão decorre o dever constitucional de a relaxar. QUINTA CAMARA CRIMINAL- – HABEAS CORPUS:0043451-90.2011.8.19.0000 – DES. GERALDO PRADO – Julgamento: 15/09/2011 – ORDEM CONCEDIDA.
Aduz ainda o Desembargador e jurista Geraldo Prado[23]:
Vale salientar que a configuração constitucional que orienta o novoregramento, pela Lei nº 12.403/11, exige que a conversão da prisão em flagranteem prisão preventiva dependa da iniciativa do Ministério Público ou doquerelante (linhas atrás foi mencionada a objeção à atuação do assistente).
Por essa razão, nos processos em curso o juiz deverá relaxar a prisão doacusado imediatamente, na hipótese de o Ministério Público ou o querelante não requerer a conversão, indicando os fundamentos jurídicos de sua pretensão cautelar. Isso pode ocorrer em audiência ou no momento em que o juiz vier a examinar o processo.
Ora, se diante do escopo do garantismo penal, segundo o mestre (PRAGO, Geraldo, 2011), a representação da autoridade policial deve ser devidamente fundamentada, a contrario sensu, não a fazendo, fica vedado ao juiz deixar de converter a prisão em flagrante em preventiva, sob pena de estar indiretamente decretando-a de ofício, haja vista o magistrado teria que realizar o exame nos autos para encontrar a fundamentação da prisão, o que por via reflexa estaria realizando o mesmo exame de valor para a decretação da medida se o estivesse fazendo ex oficio, o que é vedado no sistema acusatório, fechando-se assim o parêntese, que ao nosso sentir, demonstra que hodiernamente a autoridade policial deve fundamentar os atos que coloquem o sujeito da investigação em posição jurídica de desvantagem.
O sigilo do inquérito policial busca salvaguardar a intimidade do investigado, resguardando-se, assim, seu estado de inocência, art. 5º, LVII da CRFB. O sigilo não se estende ao representante do Ministério Público, nem à autoridade judiciária.
Não há necessidade de decretação do sigilo do inquérito policial, por uma razão muito simples, a própria lei assim o dispõe no art. 20 do CPP. A regra da publicidade, que também comporta ressalvas, é uma garantia do Estado Democrático de Direito e, consequentemente do Devido Processo Legal, que está relacionada como regra geral e ao processo, conforme o art. 93, IX[24] da CRFB.
Em outras palavras a própria constituição prevê como caso de exceção a publicidade as hipóteses em que o caso venha a atingir outro direito constitucional da reserva da intimidade, que a toda evidência, o inquérito, apesar de não ser processo, está inserido na lista de situações em que a imagem do investigado, em regra, deva ser preservada.
Segundo Paulo Rangel o artigo 7.º, incisos XIV, da Lei nº. 8.906/94 não alcança o inquérito policial, pois “o caráter da inquisitoriedade veda qualquer intromissão do advogado no curso do inquérito.”[25]
Toda a celeuma sobre o acesso está justamente em conciliar o art. 93, IX, segunda parte da CRFb c/c art. 20 do CPP e o art. 133 da CRFB c/c art 7.º, XIV do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB)
Para conciliar estas normas o STF, em 02/02/2009 editou a Súmula Vinculante nº 14, na qual garante o acesso ao investigado às peças já documentadas para o exercício do direito de defesa.
Assim, diante de mais uma fonte direta formal na qual devamos obediência, mister a análise do verbete da súmula vinculante que trata sobre o acesso à defesa aos procedimentos que estão sobre sigilo , in verbis:
É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.[26]
O resultado da análise das normas de que tratam o sigilo, intimidade e acesso a informação está exposto no informativo 548 do STF e vem sendo utilizado como paradigma para resolver questões desta natureza quando instada a suprema corte a se pronunciar sobre o tema, conforme Rcl[27] 12810 MC/BA – MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 28/10/2011. DJe-211 DIVULG 04/11/2011 PUBLIC 07/11/2011, na qual fazemos destacar:
(….) o Estatuto da Advocacia – ao dispor sobre o acesso do Advogado aos procedimentos estatais, inclusive àqueles que tramitem em regime de sigilo (hipótese em que se lhe exigirá a exibição do pertinente instrumento de mandato) – assegura-lhe, como típica prerrogativa de ordem profissional, o direito de examinar os autos, sempre em benefício de seu constituinte, e em ordem a viabilizar, quanto a este, o exercício do direito de conhecer os dados probatórios já formalmente produzidos no âmbito da investigação penal, para que se possibilite a prática de direitos básicos de que também é titular aquele contra quem foi instaurada, pelo Poder Público, determinada persecução criminal. (…) O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de investigação penal, mesmo que sujeita a regime de sigilo (necessariamente excepcional)(….).
Verifica-se, assim, que o STF, nos mesmos moldes que o STJ[28], vem preconizando entendimento que o advogado tem acesso aos elementos investigativos, desde que munido do instrumento de mandato e em nome do imputado (investigado indiciado ou não), como forma de conciliar o sigilo da investigação com o direito consagrado na constituição pelo art. 5º, LXII e LXIV da CRFB.
Não é outro o entendimento da doutrina a respeito do tema. Segundo Norberto Avena[29],
Atente-se, contudo, que o acesso amplo assegurado pela referida súmula à defesa não é sinônimo de acesso irrestrito, devendo ser facultado ao advogado desde que não comprometa o andamento regular das investigações. Isto quer dizer que o direito que assiste ao advogado regularmente constituído pelo indiciado é o de acesso às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao inquérito, excluindo-se desta prerrogativa as informações e providências investigatórias em execução e, por isso mesmo, ainda não documentadas no caderno policial, muito especialmente aquelas que, por sua própria natureza não possam ser divulgadas à defesa sob pena de comprometimento da respectiva eficácia.
Analisando de forma pormenorizada a súmula vinculante em comento, Aury Lopes Jr.[30], preconiza que ao tratar como direito do defensor o sigilo externo deve ser mantido, inclusive para os meios de comunicação.
Ao se referir “no interesse do representado” significa que o sigilo alcança, inclusive os demais investigados que não estejam representados pelo mesmo defensor, tratando-se de interesse jurídico e vinculado à plenitude de defesa.
A súmula também garante o acesso amplo, mas não alcança os atos investigatórios em andamento com interceptações telefônicas, mandados de prisão ou busca e apreensão deferidos pelo juiz, mas ainda não cumpridos.
Por fim, ao tratar da “competência de polícia judiciária” diz respeito a qualquer tipo de procedimento investigatório, como procedimentos da atribuição do Ministério Público, Central Parlamentar de Inquérito ou outro órgão que presida investigação preliminar.
Conclusão e Sugestões
O Delegado de Polícia deve, acima de tudo, no feixe de suas atribuições observar os princípios gerais do Direito, a começar pelos constitucionais penais e processuais penais, adotando-se um marco teórico para as suas decisões, compatíveis com o Estado Democrático de Direito, como a teoria do garantismo penal[31], pelo que nem mesmo a requisição do Ministério Público poderia fazer ultrapassar a ceara anterior da análise dos princípios gerais, por apego ao formalismo, cujos axiomas estão baseados em princípios anteriores aos da norma penal propriamente dita.
A Autoridade Policial exerce o controle jurídico dos elementos do inquérito e no âmbito do Direito Penal e Processual Penal, face ao seu lastro de poder decisório ab initio, evidente que, dentro da sua autonomia funcional jurídica, realiza análise em juízo sumário ou de probabilidade das questões penais e processuais penais. Em se tratando de questão que deva ser analisado em juízo de certeza cabe ao Magistrado fazê-lo.
É com base neste sistema garantista e pertinentes às atribuições da autoridade policial, nas quais lhe exige conhecimento jurídico para reconhecer esses axiomas, que na lição de Luigi Ferrajoli[32], nos posicionamos para análise de forma escalonada, do deferimento da instauração do inquérito até seu relatório final, dentre os 10 listados por ele, nos posicionamos pelos seis primeiros, in verbis:
Denomino de garantista, cognitivo ou de legalidade estrita o sistema penal o SG, que inclui todos os termos de nossa série, trata-se de um modelo-limite, apenas tendencialmente e jamais perfeitamente satisfatível. Sua axiomatização resulta da adoção de dez axiomas ou princípios axiológicos fundamentais, não deriváveis entre si, que expressarei, seguindo uma tradição escolástica, com outras tantas máximas latina: A1 Nulla poena sine crimine; A2 Nullum crimen sine lege; A3 Nullalex (poenalis) sine necessitate; A4 Nulla Necessitas dine injuria; A5 Nulla injuria sine actione; A6 Nulla actio sine culpa; A7 Nulla culpa sine judicio; A8 Nullum judicium sine accusatione; A9 Nulla accusatio sine probatione; A10 Nulla probatio sine defensione.
O advogado para ter acesso aos autos do inquérito policial deve estar devidamente munido de procuração subscrita pelo investigado, cujo acesso deve ser restrito aos atos documentados pertinentes ao representado. Havendo outros investigados, as informações relativas aos demais não poderão ser fornecidas ao advogado que não tenha a procuração dos demais.
Quando o advogado vier acompanhando testemunha, o que acontece muito na prática, não poderá ter acesso aos autos, ainda que apresente procuração. Caso queira fazer juntada da mesma, o Delegado deve indeferir tal requerimento, nos moldes do art. 14 do CPP.
Em se tratando de vítima, deve-se analisar o caso concreto. Em princípio, ainda que constituam advogados por instrumento de mandato, não podem ter acesso, diante, da regra geral do art. 269 do CPP que veda, a contrario sensu, o assistente de acusação na fase da investigação. Porém, ao aprovar a Lei 11.680/08 alterando as disposições sobre a vítima ou ofendido no art. 201 e seus parágrafos do CPP e a Lei 11.719/08, incluindo no art. 387, IV do CPP a possibilidade da vítima exercer pretensão de natureza civil no processo penal, deixa evidenciado que a vítima ter maio relevância no âmbito da atividade jurisdicional, concedendo-lhe maior atividade no âmbito penal, tendo que no mínimo a ser informada dos resultados do processo em relação ao seu ofensor, não por sua faculdade, mas como dever do Estado-Juiz.
A toda evidência, o legislador quis avançar além do escopo jurídico do processo ou da jurisdição no âmbito penal, querendo realizar no mundo prático também o escopo pedagógico da jurisdição, distribuindo à comunidade social a resposta da aplicação da lei penal, alcançando também o escopo social da jurisdição, sendo este, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, Ada Pelegrini Grinover e Antônio Carlos de Araújo Cintra[33]:
A afirmação de que através da jurisdição o Estado procura a realização do direito material (escopo jurídico do processo), sendo muito pobre em si mesma, há de coordenar-se com a idéia superior de eu os objetivos buscados são, antes de mais nada, objetivos sociais: trata-se de garantir que o direito material seja cumprido, o ordenamento jurídico preservado em sua autoridade e a paz e a ordem na sociedade favorecidas pela imposição da vontade do Estado. O mais elevado interesse que satisfaz através do exercício da jurisdição é, pois, o interesse da própria sociedade (ou seja, do Estado enquanto comunidade).
O sistema do “programa delegacia legal” não está preparada para esta forma de desenvolvimento das atribuições do Delegado de Polícia, especialmente a de proferir decisões e a de administrar o sigilo do inquérito policial.
No sistema atual, o noticiante, vítima ou ofendido, ao registrar fato que evidentemente não constitui crime, por exemplo, o delegado de polícia deveria indeferir o requerimento, posto que trata-se de uma noticia crime postulatória ou qualificada, e na nossa atual realidade o “sistema” somente nos permite “suspender” o procedimento, o que ao nosso ver está equivocado e se está diminuindo o poder das autoridades policiais. Trata-se, pois, esta suspensão de uma decisão de indeferimento, no qual deve estar fundamentada.
Em se tratando de inquéritos mais complexos com diversos fatos, inúmeras testemunhas e inúmeros suspeitos, fica muito difícil controlar o acesso ao inquérito a um dos investigados que estiver constituído defensor em relação aos demais que não possuem advogado, ou são distintos.
Como separar os atos de investigação que dizem respeito a um dos investigados que não possui advogado ou o advogado é diferente um do outro e ao mesmo tempo resguardar o sigilo da investigação entre um e outro se o procedimento é um só? Como ouvir uma testemunha que tenha depoimento que comprometa um dos investigados de forma distinta e o fato tenha que ser resguardado um do outro?
Por exemplo, imaginemos uma empregada comum a um casal de investigados pelo crime desvio de proventos ou pensão do idoso, dando-lhe destinação diversa, conforme o art. 102 da Lei 120.741/03 que ouve os telefonemas com um terceiro comparsa na qual é amante do marido. Este depoimento, após documentada nos autos poderá ser acessado pelo advogado regularmente constituído da mulher. Como resguardar a reserva da intimidade do marido investigado sem comprometer a investigação, e ao mesmo tempo garantir o acesso a outro investigado, deste depoimento? Ainda que se entenda que não deve dar acesso ao advogado da mulher, como separar esta peça dos autos de forma legal?
São perguntas, de cujas respostas o sistema delegacia legal não está preparado e isso cria um verdadeiro embaraço e compromete a função da autoridade policial na presidência do inquérito policial.
A solução que vislumbramos é criar autos apartados e aplicar por analogia conforme permite o art. 3º do CPP, o art. 230-C, §2º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) e art. 8º da lei 9.296/96 e por fim, os art. 210 e 219, ambos do Código de Processo Penal Militar (CPPM), que está no Título XIII que trata das medidas preventivas e assecuratórias.
A similitude do tema é que em todos esses artigos mencionados ao tratar de medidas cautelares que tenham destinação e trâmite diferenciado ao dos autos principais, por razões óbvias devem tramitar em autos distintos, sempre com o escopo final de não causar prejuízo ao procedimento principal.
Vale destacar o art. 230-C, § 2º do RISTF, com grifo nosso:
Os requerimentos de prisão, busca e apreensão, quebra de sigilo telefônico, bancário, fiscal, e telemático, interceptação telefônica, além de outras medidas invasivas, serão processados e apreciados, em autos apartados e sob sigilo, pelo Relator. (Artigo acrescentado pela Emenda Regimental STF nº 44, de 02.06.2011, DJe STF 06.06.2011)
Apesar do artigo em comento resolver a questão legal das diligências sigilosas, não resolve como resguardar o sigilo entre investigados, no entanto nos socorremos do Art. 30, §§ 2º e 4º e art. 36, §4º, que estão no capítulo VI que tratam do “DO SIGILO E DA CONFIDENCIALIDADE DE INFORMAÇÕES E DOCUMENTOS”, da Portaria MJ nº 456, de 15 de março de 2010 que regulamenta as diversas espécies de processos administrativos previstos na lei do CADE, quando os requerentes precisam resguardar sigilo a terceiros ou entre diversos requerentes no mesmo procedimento com o fim de dar cumprimento a lei 8.884/94, mas que neste aspecto foi substituído pela lei 12.529/11 que falamos acima, que vale a pena elucidar, com grifo nosso:
Art. 33, § 2º Deferido o requerimento de confidencialidade, os documentos, objetos e informações serão juntados em autos apartados confidenciais.; § 4º A juntada de documentos, objetos e informações em autos apartados confidenciais independe de despacho quando, por sua natureza, justificarem a adoção desse tratamento até que seja dada ao interessado oportunidade de se manifestar a respeito da confidencialidade.
Art. 36, § 4º Os requerentes poderão solicitar a autuação de informações e documentos em autos apartados, visando a preservar confidencialidade em relação ao outro requerente.
Insta salientar, que não sugerimos a aplicação da Resolução CNMP nº 13/2006, que regulamenta o art. 8º da Lei Complementar nº 75/93 e o art. 26 da Lei nº 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, por não haver nenhum artigo que trate da hipótese que está sendo aventada no presente artigo.
Ademais, no que tange às Portarias ou Resoluções, por se tratar de ato administrativo discricionário da autoridade administrativa pelo qual a autoridade competente determina providência de caráter administrativo a seus subordinados, de cujos efeitos se produzem somente internamente aos órgãos da administração na qual ela está vinculada, não se pode falar em aplicação por analogia, por não se tratar de lei, mas no máximo ato normativo.
Porém fica registrado a título de sugestão aos órgãos da polícia judiciária do Estado do Rio de Janeiro como forma de regulamentar o procedimento interno no sistema “delegacia legal”, normatizando os procedimentos no sistema de investigação penal.
Sabemos que o inquérito policial no sistema delegacia legal possui um número relacionado ao registro de ocorrência, que fica o mesmo em se tratando de um registro da fato atípico, medida assecuratória de direito futuro, termo circunstanciado da lei 9.099/95, ou verificação da procedência da informação (VPI), ou seja instaurado o respectivo inquérito, em quaisquer dessas circunstâncias.
Para adaptá-lo ao sigilo nas circunstâncias acima aventadas pode ser mantido o número originário acrescido de uma numérica ou alfa após um dígito, por exemplo, 018-00000-01/2012 para atos apartados, como o termo de depoimento da empregada do exemplo acima e por letra, exemplo 018-00000-A/2012, quando se tratar de medida cautelar deferida, mas não cumprida, como busca e apreensão e mandado de prisão ou até mesmo as investigações em andamento como a interceptação telefônica.
Enquanto não há a mudança, é possível utilizar-se o que temos no sistema, o conciliando com as medidas cautelares no curso do inquérito, que também possuem natureza jurídica de incidente ao inquérito policial, ou seja, incidente procedimental, como ocorre no art. 8º da lei 9.296/96 e art. 210 e 219 do, ambos, CPPM, que tratam-se de cautelares incidentais ao processo, mas são medidas cautelares que também podem ser incidentais no inquérito.
Em outro giro as medidas cautelares são assim denominadas porque visam garantir a eficácia de um provimento final do procedimento principal. No caso do inquérito, as medidas cautelares autuadas em apartado, visam a eficácia do procedimento principal da investigação.
Assim sendo, qualquer tipo de ato de investigação, que em razão do sigilo entre os investigados, devam ser preservados em separado, não nos resta alternativa mais segura do que a autuação do ato em apartado.
Mas como realizar isso com um mesmo número de procedimento?
No procedimento principal, a autoridade policial determina de forma expressa e fundamentadamente que determinado ato, por exemplo, o testemunho da empregada do exemplo acima, seja autuado em apartado, utilizando-se do procedimento da medida assecuratória de direito futuro, como uma medida a resguardar a eficácia da investigação, que visa uma ação penal futura, e posteriormente, neste mesmo registro de medida assecuratória, será despachado e autuado em apenso aos autos principais, resguardando, assim, eventual correição interna e ao mesmo tempo o controle externo exercido pelo Ministério Público.
Acaso se verifique que o ato de investigação já tenha sido praticado no procedimento principal, mas verifica-se, posteriormente, que deva ser autuado em separado, o Delegado de Polícia determina, por decisão fundamentada no procedimento principal, o registro de medida assecuratória, bem como o desentranhamento do ato e, após a retirada deste, juntar-se o ato no registro da medida assecuratória, apensando-a ao principal, também de forma fundamentada.
Acreditamos que o tema de acesso aos autos da investigação preliminar e o seu sigilo está próximo de ser sedimentado, pois a súmula vinculante foi um passo importantíssimo para isso, porém, apenas o primeiro passo para os grandes questionamentos desta verdadeira norma jurídica editada pelo STF, diante de inquéritos complexos e o dinamismo inerente as investigações.
[1] Art. 103-A, § 3º – Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
[2] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:I – processar e julgar, originariamente:l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
[3] o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
[4] DUCLERC, Elmir, Direito Processual Penal, 3ªed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011
[5] GRINOVER, Ada Pelegrini; FILHO, Antônio Magalhães Gomes; FERNANDES, Antônio Scarance, Recursos no Processo Penal, 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 55
[6] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, Curso de Processo Penal, 15ªed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 886
[7] RDP,19/152/v89/2003, in JURIS SÍNTESE – DVD, Nov-Dez/2011
[8] AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro, Processo Penal Esquematizado, 3ª ed. – Rio de Janei: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 1.156
[9] Idem, GRINOVER, Ada Pelegrini et al, Recursos no Processo Penal, p. 191
[10] Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: I – o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;
[11]Art. 273. Do despacho que admitir, ou não, o assistente, não caberá recurso, devendo, entretanto, constar dos autos o pedido e a decisão.
[12] RANGEL, Paulo, Direito Processual Penal, 19ªed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 616
[13] Apud, DUCLERC, Elmir, Direito Processual Penal, 3ªed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 622
[14]Art. 315. O despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 5.349, de 03.11.1967, DOU 07.11.1967)
[15]Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 12.403, de 04.05.2011)
[16] Por todos, idem, TOURINHO, Filho, 1999; PACELLI, Eugênio, 2011; DUCLERC, Elmir, 2011; RANGEL, Paulo, 2011;
[17] Art. 5º. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I – de ofício; II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. § 2º. Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de polícia.
[18] Art. 33, Parágrafo único. Quando, no curso de investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.
[19] FERNANDO DA COSTA, Tourinho Filho, Código de Processo Penal Comentado, 5ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p.34
[20]Peças, geralmente de couro, com que se cobre os olhos dos animais lateralmente, forçando-os a olhar para frente. Disponível no site: http://www.dicionarioinformal.com.br/antolhos/, consultado em 23/03/2012
[21] Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
[22]Art. 7º. São direitos do advogado:XIV – examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;
[23]PRADO, Geraldo in Medidas Cautelares no Processo Penal. Prisões e suas alternativas.Comentários à Lei 12.403, de 04.05.2011, coordenado por Og Fernandes. São Paulo: Revista dosTribunais, 2011, p. 132-134.
[24] Art. 93, IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada ao inciso pela EC/45)
[25] RANGEL, Paulo, Direito Processual Penal, 19ªed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 92
[26]http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante, acesso em 15/02/2012
[27] No mesmo sentido, informativo 548 do STF, Rcl 8.225, 01.06.2009,
[28] Quinta Turma, HC 58.377-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 3/6/2008, citando precedentes do STF: HC 82.354-PR, DJ 24/9/2004; HC 87.827/RJ, DJ 23/6/2006; do STJ: HC 88.104-RS, DJ 19/12/2007; HC 64.290-SC, DJ 6/8/2007, e MS 11.568-SP, DJ 21/5/2007.
[29] Idem, Processo Penal Esquematizado, p. 209 e 210.
[30] LOPES Jr, Aury, Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, V. 1, 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 312 e 313
[31] FERRAJOLI, Luigi, Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal, Tradutores Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002
[32] Idem, p. 74 e 75
[33] DINAMARCO, Cândido Rangel, CINTRA, Antônio Carlos de Araújo e GRINOVER, Ada Pelegrini, Teoria Geral do Processo, 23ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 147
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