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Homicídio em dois tempos: qual é a solução jurídica?

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS
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JURÍDICO
Homicídio em dois tempos
Qual é a solução?

Por Luiz Flávio Gomes

JURÍDICO

{loadposition adsensenoticia}O agente dispara contra a vítima, que desmaia; ele pensa que a vítima já morreu e joga seu corpo no rio, para encobrir o crime anterior; descobre-se depois que ela morreu não pelo disparo, sim, em virtude de afogamento. O que temos nesse caso? Um só crime (homicídio doloso) ou dois crimes (tentativa de homicídio + homicídio culposo)?

Estamos diante do que se chama de “homicídio em dois tempos”. A doutrina penal também fala aqui em dolo geral (dolus generalis) ou erro sucessivo: há uma só conduta (complexa), porém, desenvolvida em dois atos.

A solução (da corrente majoritária), para o chamado “homicídio em dois tempos”, é reconhecer um só crime (um só homicídio doloso). Isso vem de 1825, com von Weber. O fundamento seria o chamado dolo geral (dolo que existiria durante todo o tempo, dolo que cobriria os dois atos, segundo Welzel). O sujeito queria matar e matou.

Crítica: ocorre que o dolo do agente é sempre contemporâneo ao fato. No momento do segundo ato não havia dolo de matar (sim, dolo de esconder o corpo). O argumento do dolo geral não corresponde (totalmente) à realidade. Se não havia dolo no segundo ato, a solução seria tentativa de homicídio (primeiro ato) + homicídio culposo (segundo ato). Se a causa da morte foi o segundo ato e se nesse segundo ato não houve dolo, o correto (para a corrente minoritária) seria a última combinação, que acaba de ser aventada.

O outro fundamento do crime único seria o seguinte: no segundo ato há um desvio causal acidental (não essencial), que não aproveita ao agente. A situação do erro sucessivo resolve-se, portanto, pela teoria do erro sobre nexo causal (ou desvio causal acidental). Há, nesse caso, como se vê, um erro sobre o nexo causal. Nexo causal imaginado (como causa do resultado): disparo. Nexo causal que efetivamente matou: afogamento. A morte, de qualquer modo, está na linha de desdobramento do risco criado. A solução seria o crime único (homicídio doloso).

Seguindo essa solução (do crime único), o agente deve responder pelo que efetivamente ocorreu (homicídio qualificado) ou pelo que ele queria (homicídio simples)? Não existe regra expressa no nosso Código. Logo, em todas as situações em que o Código nada diz, sempre prepondera o objetivo sobre o subjetivo. Solução: o agente responde pelo que fez (homicídio doloso qualificado).

Não responde por ocultação de cadáver porque não havia cadáver (a vítima estava viva, no momento em que foi jogada ao rio). O agente tinha consciência de que jogava a vítima ao rio (por isso que responde pelo homicídio qualificado).

Saliente-se, de qualquer maneira, que esse tema é muito controvertido, havendo boas razões para se adotar qualquer das posições possíveis: (a) um só homicídio doloso simples, (b) um só homicídio doloso qualificado ou (c) tentativa de homicídio simples mais um crime culposo. Para nós a segunda posição seria a mais defensável.

Sobre o autor

Luiz Flávio Gomes

Diretor geral dos cursos de Especialização TeleVirtuais da LFG. Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri (2001). Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP (1989). Professor de Direito Penal e Processo Penal em vários cursos de Pós-Graduação no Brasil e no exterior, dentre eles da Facultad de Derecho de la Universidad Austral, Buenos Aires, Argentina. Professor Honorário da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa Maria, Arequipa, Peru. Promotor de Justiça em São Paulo (1980-1983). Juiz de Direito em São Paulo (1983-1998). Advogado (1999-2001). Individual expert observer do X Congresso da ONU, em Viena (2000). Membro e Consultor da Delegação brasileira no 10º Período de Sessões da Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Penal da ONU, em Viena (2001).

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