Delegados lutam no judiciário por monopólio da investigação
Estão em desvantagem na queda de braço com o MP
JURÍDICO
Os delegados de Polícia estão em desvantagem na queda de braço que travam judicialmente com o Ministério Público. Em debate está a legitimidade constitucional do poder de investigação criminal do Ministério Público. As associações de delegados sustentam que ao entrar nessa seara o fiscal da lei usurpa a exclusividade da Polícia, garantida pela Constituição Federal. Em que pese as reiteradas decisões tomadas recentemente a favor do Ministério Público o matéria aponta para provável súmula vinculante a ser editada pelo Supremo.
Sinalizações nesse sentido não faltam. Na semana passada, em três novos casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal, a tese da Polícia foi derrotada. O STF reconheceu a constitucionalidade do poder de investigação do Ministério Público. As decisões foram da Segunda Turma do STF da qual fazem parte os ministros Ellen Gracie, Celso de Mello, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau.
Na ocasião, a questão da atribuição do poder de investigação criminal foi apreciada em três Habeas Corpus (87.610, 90.099 e 94.173). Os casos foram relatados pelo ministro Celso de Mello, decano do STF e um ex-integrante do Ministério Público paulista. Segundo entendimento do ministro, a investigação criminal pelo Ministério Público é legitima e constitucional e possui caráter concorrente e subsidiário. O ministro destacou que a legitimidade do MP se justificaria, principalmente, nos casos que ele classificou como “hipóteses delicadas”, quando a atuação da polícia pode ser questionada, como nas questões envolvendo crimes praticados por policiais. Citou como exemplo, a prática de tortura por agentes da polícia.
A tese defendida por Celso de Mello foi encampada pelos ministros Eros Grau e Joaquim Barbosa, em decisão unânime. Uma semana antes, o ministro Celso de Mello, usou do mesmo argumento ao julgar, na turma, o HC 89.837, em que o policial civil Emanoel Loureiro Ferreira, do Distrito Federal, condenado pelo crime de tortura, pretendia a anulação do processo desde seu início, alegando que este (o processo) fora baseado, exclusivamente, em investigação conduzida pelo MP. O entendimento serviu de precedente para os julgamentos dos três casos mais recentes apreciados pela turma julgadora.
Nesse julgamento, a turma concluiu que o Ministério Público pode fazer, por sua iniciativa e sob sua direção, investigação criminal para formar convicção sobre determinado crime, desde que respeitadas as garantias constitucionais asseguradas a qualquer investigado.
Em seu voto, o ministro Celso de Mello rebateu alegação da defesa de que a vedação para o Ministério Público conduzir investigação criminal estaria contida no artigo 144, parágrafo 1º, inciso IV, da Constituição Federal, segundo o qual caberia à Polícia Federal exercer, “com exclusividade, as funções de Polícia Judiciária da União”.
Para ele, a mencionada “exclusividade” visa, apenas, distinguir a competência da Polícia Federal das funções das demais polícias. O ministro argumentou que o poder investigatório do MP está claramente definido no artigo 129 da CF que, ao definir as funções da instituição, estabelece, em seu inciso I, a de “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. No mesmo sentido, completou, estão os incisos V, V, VII, VIII e IX também do artigo 129.
Na sessão seguinte, que primeiro julgou o HC 87.610, de Santa Catarina, trilhou a mesma linha de argumentação. O caso envolvia questionamento de dois policiais militares a respeito da legitimidade constitucional do poder investigatório do Ministério Público. Eles são acusados de delitos de tráfico de drogas, peculato, concussão, prevaricação e falsidade ideológica.
Em outro HC, o 90.099, um delegado de polícia e um grupo de policiais civis, de Araçatuba (SP), foram denunciados e condenados pelo crime de tortura. O último Habeas Corpus 94.173, originário da Bahia, envolve suposta prática do crime de peculato tendo como acusados Antônio Thamer Brutos e Marco Antonio Silveira.
Os três pedidos de HC foram negados, por unanimidade, pela Segunda Turma. “Todos sabemos que o inquérito policial, enquanto instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado, ordinariamente, a subsidiar a atuação persecutória do próprio Ministério Público, que é – nas hipóteses de ilícitos penais perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública – o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária”, afirmou o ministro relator. Os votos foram publicados na edição desta sexta-feira (6/11) do Diário da Justiça Eletrônico.
Em resumo, a título de julgamento nos limites do HC, a conclusão do supremo é de que o inquérito policial sempre será comandado por um delegado de polícia. E que o Ministério Público poderá, na investigação policial, requisitar investigações, oitiva de testemunhas e outras providências em busca da apuração da verdade e da identificação do autor de determinado crime.
O Ministério Público tem, sim, competência para realizar, por sua iniciativa e sob sua presidência, investigação criminal para formar sua convicção sobre determinado crime, desde que respeitadas as garantias constitucionais asseguradas a qualquer investigado. A Polícia não tem o monopólio da investigação criminal, e o inquérito policial pode ser dispensado pelo MP no oferecimento de sua denúncia à Justiça.
Constitucionalidade
O Código de Processo Penal (CPP) diz que o Ministério Público tem o monopólio da ação penal pública, enquanto à Polícia Judiciária cabe a apuração das infrações penais e sua autoria. O trabalho deveria trilhar, ao mesmo tempo, o caminho da parceria e da independência tendo sempre como parâmetro a defesa do cidadão.
Mas o que está na lei não é o que se evidencia na vida real. No lugar de um trabalho harmonioso para a elucidação das práticas delituosas o que se presencia é a disputa acirrada entre os integrantes das chamadas polícias judiciárias — Civil e Federal — e dos Ministérios Públicos – estaduais e Federal. Essa briga de foice atravessou os corredores das delegacias, passou pelos fóruns, saltou para os tribunais e chegou à opinião pública.
A questão deverá ser resolvida agora pelo Supremo, a quem caberá dizer de quem é o poder de presidir e conduzir investigações e de controlar o trabalho feito pela polícia. Os policiais alegam que a primeira tarefa é exclusiva deles — e a segunda do Executivo, a quem as polícias estão vinculadas.
Do outro lado da corda, procuradores e promotores de Justiça sustentam que a Constituição dá a eles a prerrogativa de fiscalizar a Polícia, além de as leis orgânicas dos Ministérios Públicos preverem a realização de investigações por essas instituições. A queda de braço que está no Supremo pela via de pedidos de HCs tomou outr caráter com as proposituras de Ações Diretas de Inconstitucionalidades (ADIs), apresentadas por entidades representantes de delegados de Polícia.
Uma dessa ADIs, proposta pela Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), questiona resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Conselho da Justiça Federal e provimentos de quatro tribunais regionais federais. Entre as regras questionadas está a Resolução 13, do CNMP, tida até mesmo por promotores e procuradores de Justiça como uma afronta ao Estado Democrático de Direito.
Com base nessa resolução, promotores têm abusado de seu poder constitucional. Há casos de investigação criminal em São Paulo em que o procedimento já corre há quatro anos, sem que o investigado saiba que sua vida está sendo devassada.
“O Ministério Público, lamentavelmente, não sabe investigar, não respeita as regras da investigação ou abusa delas”, afirma um promotor de justiça com militância no Estado de São Paulo. Como exemplo ele cita a falta de notificação do investigado. “A investigação é feita clandestinamente, à revelia, violando as regras elementares da ampla defesa, fato inadmissível pela Constituição Federal”, completa o promotor.
De acordo com a ADI apresentada pela ADPF, a Constituição confere ao MP poder apenas para requisitar diligências e instaurar o inquérito policial. Segundo a Polícia, o Ministério Público insiste na criação do dogma que a polícia trabalha para levantar provas e entregar para os fiscais da lei. As resoluções enfrentadas pela ADI, de acordo com essa versão, reforçariam essa tese, deixando o MP no comando das investigações e a polícia como mera executora.
No início de outubro, a Procuradoria Geral da República encaminhou parecer ao STF no qual defende a manutenção do poder de investigação criminal do Ministério Público. A competência é questionada pela Adepol (Associação dos Delegados de Polícia do Brasil), que alega que promotores e procuradores usurpam a função da polícia quando comandam investigações e fazem diligências.
Segundo a Adepol, o Ministério Público invade competência exclusiva da União para legislar sobre processo penal e, dessa forma, violando o princípio da reserva legal, conforme previsto no artigo 22 da Constituição Federal. Segundo a entidade, a Constituição Federal concedeu ao MP o poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. Entretanto, não contemplou a possibilidade de fazer e presidir inquéritos policiais.
A ação pede a concessão de liminar para suspender os efeitos de dispositivos da Resolução 13 do CNMP, da Resolução 63 do Conselho da Justiça Federal e de provimentos dos TRFs (Tribunais Regionais Federais) das cinco regiões.
Parecer da PGR
No parecer, a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, baseia-se em cinco argumentos para defender o poder de investigação do MP: a ausência de atribuição exclusiva à polícia para investigar, pelo artigo 144 da Constituição; a literalidade do inciso VI do artigo 129 da Constituição Federal, que prevê que o MP pode requerer informações e documentos para instruir procedimentos administrativos; a unidade ontológica do fato ilícito; a teoria dos poderes implícitos; e o direito da vítima a uma investigação pronta, completa e imparcial.
Déborah Duprat lembra que, dos 11 integrantes do STF, seis já se manifestaram em diferentes julgamentos pela constitucionalidade das investigações criminais feitas pelo Ministério Público: Joaquim Barbosa, Carlos Britto, Eros Grau, Ellen Gracie, Cezar Peluso e Celso de Mello.
A vice-procuradora ressalta que o plenário do STF reconheceu que a instauração de inquérito policial não é imprescindível à propositura de ação penal pública, permitindo ao Ministério Público valer-se de outros elementos de prova para formar sua convicção. Ela conclui que, se o MP pode iniciar a ação penal sem o inquérito policial, é legítimo que ele colete provas por outros instrumentos que não sejam o inquérito conduzido pela polícia.
Deborah defende que a CF, no art. 144, não atribuiu exclusivamente à polícia a prerrogativa da apuração de crimes. Ela faz uma distinção entre a atividade de apuração de infrações penais e de polícia judiciária, esta sim exclusiva das Polícias Federal e Civil. “O texto constitucional, ao apartar ambas as funções, impõe que se considere a atividade de polícia judiciária como aquela desempenhada pelas polícias em apoio aos serviços desenvolvidos in forum”, explica.
Outro ponto que a vice-procuradora rebate é o de que o MP é uma instituição imune à fiscalização. “A investigação eventualmente conduzida pelo MP se submete a diversos controles, notadamente pelo Judiciário, a quem compete zelar pela legalidade dos atos de investigação e de seus resultados, e pelo CNMP, órgão de controle externo do Ministério Público”.
conjur
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