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Conflito de atribuições negativo nos delitos conexos

por Editoria Delegados

Por André Luís Luengo

 

O presente trabalho foi realizado visando analisar qual a circunscrição policial com atribuição para desenvolver a investigação dos delitos de cárcere privado, roubo de cargas, organização criminosa e receptação, quando as condutas delitivas extravasam Municípios.

 

Nos últimos tempos intensificaram-se os registros confeccionados noutras regiões, onde vítimas comparecem e informam o delito de roubo de carga ocorrido em Município diverso ao da notitia criminis.

 

O boletim de ocorrência é registrado e a seguir, o expediente recepcionado pela Unidade Policial tida como local do cometimento da infração, muitas vezes desacompanhado inclusive das primitivas diligências necessárias à tomada da decisão.

 

Deste modo, se verifica pela notitia criminis que após abordar a vítima de forma intimidativa em um determinado Município, os autores rumam com ela (na posse intacta do caminhão e da carga) e depois de quilômetros chegam até outros centros. Durante todo o trajeto e ainda também no local do destino, a vítima continua privada da sua liberdade.

 

A restrição da liberdade da vítima ultrapassa em muito o contexto da violência para o fim de apossamento do veículo e outros bens transportados pelo ofendido, razão pela qual resta configurado de forma inequívoca o delito de cárcere privado. A sua libertação somente ocorre depois que toda a carga é subtraída e transladada para o esconderijo da organização criminosa, em local muito provavelmente situado próximo ao destino.

 

Deste modo a ação iniciada em uma região, com o arrebatamento do caminhoneiro, acaba sendo bem sucedida noutra cidade deste ou doutro Estado, onde a carga transportada acaba sendo efetivamente subtraída e abrigada pelo restante da organização criminosa, com a sua estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas.

 

Apresento o escólio de EDUARDO ARAÚJO DA SILVA (cf. Roubo mediante seqüestro: Concurso de infrações ou roubo qualificado, in Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais nº 51, edição de fevereiro de 1997, pág. 11), a saber:

 

“Em decorrência do desenvolvimento da vida moderna, o denominado “roubo mediante seqüestro” tem se verificado com freqüência nas subtrações de automóveis, quando a vitima é levada subjugada pelo autor do crime no interior do veiculo subtraído, e nos roubos de cargas de veículos de empresas transportadoras, em que geralmente o motorista e seus ajudantes são constrangidos a permanecer em outro veículo ou local, até a carga ser descarregada. Nesses casos, além da intenção do autor do crime, afigura-se conveniente considerar também o lapso temporal em que a vítima permaneceu sob o domínio do autor. Assim, se é levada por alguns minutos, percorrendo o veículo automotor poucas quadras, com a finalidade de que não venha a imediatamente comunicar a subtração à polícia, foi restringida momentaneamente de sua liberdade de locomoção, enquadrando-se a conduta na descrição do roubo qualificado. Diversa é a hipótese, todavia, se permaneceu por razoável período de tempo no interior do auto, ultrapassando divisas municipais, de modo a permitir a segura receptação do bem, ou dos empregados das empresas transportadoras, que em regra permanecem subjugados por horas em outro veículo ou local estranho, até que a carga subtraída tenha destino seguro. Nessas hipóteses, há privação de liberdade e conseqüentemente dois crimes autônomos”. – Grifei.

 

Neste passo, não há que se falar em crime único, mas delitos autônomos de cárcere privado, roubo, organização criminosa e receptação, em concurso material, impondo-se, contudo, o afastamento da qualificadora inserta no inciso V do § 2º do art. 157 do Código Penal, sob pena de inaceitável bis in idem.

 

Assim, com escora nas alíneas  ̎a ̎ e  ̎b ̎, do Inciso II, do art. 78, do Código de Processo Penal resta configurado de forma inequívoca, que a competência pela conexão teleológica, nos termos art. 76, inciso II, do CPP (manteve em cárcere privado com o fim de roubar, com a sua estrutura ordenada viabilizando a ocultação da carga) e instrumental, conforme art. 76, inciso III, do CPP (facilidade probatória) deva ser firmada na circunscrição onde preponderará o lugar da infração à qual for cominada a pena mais grave, qual seja, o destino da carga e prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, também o palco do transbordo da carga.

 

Diante do exposto, entendo que o exercício das atividades de polícia judiciária na apuração dos delitos mencionados, são atribuições da Polícia Civil a serem desenvolvidas pela própria Distrital incumbida do registro, a quem caberia lançar no quadro estatístico diário o registro das mencionadas infrações penais, bem como baixar a exordial e iniciar os trabalhos investigativos, contando com o necessário apoio das demais unidades, inclusive a indicada como o da abordagem.

 

Sobre o autor

André Luís Luengo é Delegado de Polícia, Assistente do Deinter 8 – Presidente Prudente; Professor Dirigente da Unidade de Ensino e Pesquisa (UEP) de Presidente Prudente e Professor Universitário da REGES de Dracena

 

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