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Audiência de custódia freia a ação policial, diz novo delegado-geral de SP

por Editoria Delegados

Paulo Afonso Bicudo, que disse que fará alguns ajustes na gestão

 Delegado Paulo Afonso Bicudo está na polícia há 42 anos 

O R7 entrevistou o novo chefe da Polícia Civil do Estado de São Paulo, delegado Paulo Afonso Bicudo, que disse que fará alguns ajustes na gestão.

O novo delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Paulo Afondo Bicudo, afirmou em entrevista ao R7 que está alinhado ao governador Márcio França na intenção de trocar a administração da Polícia Civil da Secretaria de Segurança para a Secretaria de Justiça. Bicudo, que está na Polícia Civil há 42 anos, também criticou as audiências de custódia (quando o policial deve apresentar o detido para um delegado e um juiz) e afirma que o trâmite é um “freio” na ação policial.

O delegado é chefe da Polícia Civil paulista desde o dia 26 de junho, substituindo Youssef Abou Chain, que se aposentou. Antes de assumir o posto máximo da instituição, Bicudo comandava o Deinter (Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior) 9, em Piracicaba — responsável por 52 municípios da região.

O novo delegado-geral afirma que tem um perfil diferente de seu antecessor e, por isso, a administração da Polícia Civil paulista terá alguns ajustes. Segundo ele, o delegado Youssef tinha um perfil mais voltado às questões de investigações policiais, enquanto ele pretende “fazer um misto” entre investigação e gestão dos recursos.

“Acho que a polícia civil tem que fazer investigação, mas também tem que administrar suas unidades, tem que ter um plantão decente, tem que ter apoio logístico às ações”, explica Bicudo.

Neste ponto, Bicudo, afirmou que pretende não medir esforços para melhorar o atendimento ao público nas delegacias e que vai trabalhar também para priorizar a redistribuição dos 1.750 novos policiais que estão previstos após a realização de concursos.

Ele ainda afirmou que não é possível acabar com as facções criminosas, mas que é preciso trabalhar para impedir o crescimento desses grupos [Leia abaixo a íntegra da entrevista].

O delegado é formado em direito pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e entrou na Polícia Civil paulista em 1976. Cerca de 16 anos depois, foi nomeado delegado seccional em Jundiaí — cidade a 50 km da capital, onde morava até assumir a Delegacia Geral.

Paulo Bicudo deixou de trabalhar em sua cidade para comandar o Deinter 1 e 2, nas regiões de São José dos Campos e Campinas, respectivamente. No ano de 2007, Bicudo assumiu a delegacia geral como adjunto, e ficou por pouco menos de dois anos. Em 2010, chefiou a Acadepol (Academia de Polícia Civil) e em 2013 tornou-se diretor do Demacro (Departamento de Polícia Judiciária da Macro São Paulo).

Leia a entrevista com o delegado-geral:

R7 — Quais são os momentos em que a Polícia Civil tem atuação parecida com a da Polícia Militar — tendo como exemplo da ação no Morumbi?

Paulo Afonso Bicudo — As funções são bem claras, à Polícia Civil cabe investigar. Na ocasião [ação que terminou com 10 mortos no Morumbi], ela identificou que os marginais estariam atuando naquele momento, agiu e houve o confronto que São Paulo inteiro ficou sabendo. A Polícia Militar também tem uma missão muito clara, que é o policiamento ostensivo. Ela que realmente está nas ruas, que dá proteção ao cidadão, que faz, na linguagem policial, a “trombada”.

A Polícia Civil investiga, direciona, e quando há necessidade pede mandados de busca, de prisão ou prisão temporária. Tudo isso é feito dentro do Inquérito Policial, dentro de uma atividade de polícia judiciária, que é a nossa missão.

Os órgãos operacionais, como a gente chama o Garra (Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos) e GOE (Grupo de Operações Especiais), por exemplo, são os de apoio à atividade da Polícia Civil. Se há uma necessidade de uma atuação mais específica, eles entram em ação para apoiar esse momento. Não há nenhuma pretensão de competir com a Polícia Militar, especialmente na gestão do Márcio França, que separou muito bem (as duas polícias).

R7 — O que você pensa sobre o possível manejo da Polícia Civil para a Secretaria de Justiça?

Bicudo — Esse é um caso que está sob estudo. O secretário Mágino Alves Barbosa Filho instituiu um grupo de estudo, nós estamos participando, e é uma orientação muito clara do governador. É o pensamento do governador e nós estamos sempre afinados com ele, no sentido de criar uma identidade de atuação da Polícia Civil com o Poder Judiciário. A determinação não foi possível por decreto, então o governador está organizando essa divisão por conta de uma lei complementar, que passará pelo crivo da Assembleia Legislativa. Não é uma medida imediata, temos que aguardar a elaboração desse projeto e o trâmite pela Assembleia. Sabemos que é um ano eleitoral, portanto essas questões polêmicas são mais difíceis e precisam ser mais trabalhadas.

R7 — Quais vão ser as mudanças sentidas pela população se houver essa mudança?

Bicudo — É isso que essa comissão na Assembleia vai discutir: como que vai ser, orçamento, recursos e quem vai fazer o quê. Porque hoje tudo está concentrado em uma pasta que é a SSP (Secretaria de Segurança Pública), até a própria distribuição de recursos. Tudo está sendo trabalhado para poder se transformar em uma lei.

R7 — Como você avalia as questões de estrutura e infraestrutura das delegacias?

Bicudo — O dinheiro é curto, mas também tem a questão de gestão. Ela é feita pelas UGEs (Unidades Gestoras Executoras), que tem cerca de 90 unidades no Estado de São Paulo. Algumas vão bem, outras talvez não tenham a condição adequada. Mudamos alguns diretores, e estes também têm esta missão. Não é só a questão da investigação policial, mas também fazer a gestão do dinheiro e do bem público.

R7 — Qual sua avaliação sobre o plano de produtividade da Polícia Civil?

Bicudo — Existe uma estatística que é mensalmente revelada à população a respeito dos números da criminalidade. O antigo delegado-geral, doutor Youssef Abou Chahin, estabeleceu uma rotina de aferição de atividades de campo – que mede o que cada unidade produziu. É importante saber o que cada unidade produziu, mas não estabelecer metas. Este é um pensamento que a gente tem que ter o conhecimento: se determinada unidade teve uma produtividade, se esclareceu crimes, se efetuou prisões em flagrante, mas não estabelecendo metas. Isso vai passar por algum ajuste.

R7 — Como está o índice de investigação e esclarecimentos dos crimes nas delegacias?

Bicudo — Os resultados são muito bons e repercutem na diminuição da criminalidade. O crime de homicídio – que é o mais importante no nosso entendimento – quando se tem um policiamento de rua intenso, que provoca receio ou pacificação momentânea naquele espaço territorial, diminuiu. Os nossos índices são bons de esclarecimento, no interior muito mais, pelo número menor de casos ou talvez uma dedicação maior.

R7 — Qual sua avaliação sobre as audiências de custódia?

Bicudo — A audiência de custódia teve uma resistência muito grande por parte da polícia. É uma orientação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Não existe uma lei que determine isso, mas foi sendo introduzida. Ela é um freio na ação policial, independente se ela é boa para a sociedade, boa para os Direitos Humanos. O Brasil tem que avançar no respeito aos direitos humanos, isso é importante. Mas no dia a dia do policial, nós paramos de fazer uma investigação para apresentar o preso na Justiça.

Percebo que os próprios juízes acham que não é uma coisa interessante. O policial precisar parar de fazer a investigação para fazer apresentação do preso para um juiz. Ele já fez para o delegado, que já fez uma análise do fato, nós temos formação jurídica, temos condições de fazer uma tipificação. Existe a Defensoria Pública para propor alguma medida se entender que foi tratada de forma injusta. Existe um advogado e existe o juiz que vai decidir o fato. É uma situação que nós fazemos, temos que respeitar, mas esse não é o ideal.

R7 — Dá para dar uma média esclarecimento de crimes do Estado?

Bicudo — Não tenho este dado. Se você pegar a cidade de São Paulo, tem um ótimo índice de esclarecimento, considerando que o DHPP atua diretamente nesses casos.

O Demacro, no entorno de São Paulo, onde cada seccional cuida de seus homicídios, o número de esclarecimentos cai um pouco, mas temos sempre que buscar um maior número de esclarecimentos.

R7 — Como estão os processos para ingressar na Polícia Civil?

Bicudo — Nós temos concursos em andamento. Cerca de 2.500 policiais que estão sendo contratados. Nós temos também 1.750 cargos que a academia está promovendo os concursos. Cabe tentar fazer o equilíbrio na distribuição deste número de policiais. Se o Demacro está um pouco em desvantagem em relação a capital, vamos promover o equilíbrio oferecendo um número maior para este departamento.

R7 — Quais são as medidas e preocupações com relação às facções criminosas?

Bicudo — Além do Deic, nós estamos acompanhando um trabalho muito forte sendo feito pela diretoria de Presidente Prudente (principal cidade da região da penitenciária de Presidente Venceslau 2, onde estão os líderes do PCC) . Recentemente, centenas de pessoas foram presas e centenas de locais foram vasculhados com o devido mandado de busca em vários estados como São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso. Nós continuamos sentindo que os líderes estão sendo presos e os substitutos desses líderes são cada vez mais despreparados. Se percebe que a liderança do crime organizado, aqueles marginais mais ousados, mais dispostos a atingir a sociedade, estão sendo derrubados e presos. É o enfraquecimento do crime organizado. Paralelamente a isso, estamos fazendo ações visando a busca e apreensão de todos os bens adquiridos.

R7 — Existe preocupação com guerra de facções no Estado de São Paulo?

Bicudo — Negar a existência do crime organizado não seria falar a realidade, ele [crime] vem de um processo de algumas décadas se organizando, fazendo com que pequenos grupos que antes existiam em isolados em cidades passassem a se comunicar com outros grupos. Passaram a ter líderes. Nosso papel é não deixar que a organização criminosa cresça. O exemplo dos outros estados, onde realmente existe essa briga, chega aos presídios. Revoltas com dezenas de mortes, isso não acontece em São Paulo. Aqui nós temos um sistema carcerário com deficiência, com dificuldade, mas sob controle.

R7 — O PCC é uma preocupação para Polícia Civil?

Bicudo — Qualquer organização criminosa é o alvo da nossa preocupação, é óbvio que sim. Nós fazemos o nosso trabalho, e pelo que se percebe, ele [PCC] está sendo enfraquecido desta forma. Você tira do mercado o marginal que se organizou e que está liderando um grupo. O crime organizado é um marginal liderando outros, nós temos que tirar esse que está liderando.

R7 — É possível acabar com o crime organizado?

Bicudo — É impossível acabar. O que nós temos é que diminuir. Outros países fizeram dessa forma, mas ninguém conseguiu acabar. A legislação no Brasil também não ajuda. Vou fazer uma aproximação, os diretores já fazem isso, com os órgãos do Poder Judiciário, no sentido de agilizar os mandados de buscas e interceptações.

R7 — Só tem uma delegacia para investigar crimes de corrupção de servidores públicos. É o suficiente?

Bicudo — Nós temos um decreto para isso. Essa delegacia é a divisão que cuida desse tipo de crime e está no DPPC (Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania). Chegou um novo diretor no departamento, que com certeza vai dar uma ênfase bastante especial. Agora, não podemos ficar criando setores e segmentos à revelia do nosso governador. Uma unidade criada por um decreto, só pode ser extinta por outro.

R7 — O que fazer para que casos como da DIG (Delegacia de Investigações Gerais) de Taubaté não se repita?

Bicudo — Foi uma cidade, um problema crônico. Foram 30 policiais presos naquela região, não sei exatamente se todos permanecem detidos. Foram presos de forma temporária e foram efetivamente responsabilizados por crimes. A corregedoria teve como titular até na semana passada o delegado Domingos Paulo Neto, que é um policial extremamente experiente, e conseguiu a credibilidade do governador. Em um determinado momento do passado, o governo tinha excluído a corregedoria do âmbito da Delegacia Geral e levado para o âmbito do secretário. Dois anos atrás, a corregedoria voltou para coordenação da Delegacia Geral como um voto de confiança.

A corregedoria é sempre parceira dos policiais, mas uma parceria saudável. Tudo aquilo que é desvio de conduta, tudo aquilo que vem ao conhecimento da corregedoria, ela tem absoluta independência para agir. Ela tem apenas um chefe que é Delegacia Geral, mas a sua atuação é totalmente independente. Não vejo casos como o que lamentavelmente aconteceu em Taubaté ocorrerem de forma generalizada, muito ao contrário, são casos pontuais que são combatidos.

Só que nós temos uma corregedoria que atua de forma discreta. Corregedoria não é para chamar o jornalista, com todo respeito ao jornalismo que tem que ter acesso à informação, mas não temos que filmar o policial sendo algemado, sendo preso, porque não é necessário, não faz bem à sociedade. Não estamos escondendo o mau policial, mas não divulgamos de forma sensacionalista, como já houve no passado.

R7 — Você se considera em um mandato tampão ?

Bicudo — Alguém tinha que ocupar esse cargo. Eu tive a confiança do doutor Yousself quando me indicou para diretor de Piracicaba, onde fiquei por três anos e meio. Eu fui merecedor da confiança dos diversos delegados-gerais que vieram até aqui. Creio que talvez isso tenha sido levado em conta para a escolha.

R7 — Você fica desconfortável em talvez ter pouco tempo?

Bicudo — A essa altura da vida não tenho que ficar desconfortável, tenho que cumprir uma missão. Todas as missões que me deram ao longo da vida eu não discuti e também – com todo o respeito à minha classe e aos meus colegas – eu tenho que ver a minha consciência. Se alguém pensa que é um mandato tampão, não tem importância. Que seja bom e que eu possa dar continuidade aos resultados, com um perfil próprio de administrar, afinado com governador Márcio França, e com o secretário de segurança que foi mantido.

R7 — Qual seu principal objetivo no comando da Polícia Civil?

Bicudo — Motivar os policiais e fazer alguns ajustes na área de administração e gestão pública. Cada administrador tem um perfil, doutor Youssef era um homem especializado em ações de polícia e de investigação. Eu procuro fazer um misto, acho que a polícia civil tem que fazer investigação, mas também tem que administrar suas unidades, tem que ter um plantão decente, tem que ter apoio logístico às ações.

R7

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