Em recente decisão, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfatizou a importância do uso de câmeras corporais para mitigar eventuais contradições entre o depoimento policial e a versão do acusado. No caso em questão, a ausência de gravações gerou incertezas nos relatos dos policiais, o que levou à absolvição de três acusados de tráfico de drogas com base no princípio in dubio pro reo. O uso de câmeras, segundo o tribunal, seria uma forma de garantir a veracidade e a objetividade das provas, evitando a necessidade de arredondamentos desnecessários e garantindo a proteção tanto dos acusados quanto dos policiais.
A jurisprudência vem avançando no sentido de exigir que as ações policiais sejam cada vez mais transparentes e respaldadas por elementos que possam ser verificados. A ausência de câmeras corporais, como destacada pelo ministro Rogerio Schietti Cruz, cria um cenário em que as versões dos policiais precisam ser analisadas com extremo rigor, especialmente quando surgem inconsistências nos relatos. A busca por uma narrativa mais clara através do arredondamento deve, nesse caso, sempre ser acompanhada de provas objetivas que sustentem os depoimentos.
O uso de bodycams, ou câmeras corporais, não apenas protege os direitos dos acusados como também resguarda os próprios policiais de acusações infundadas. No entanto, como ressaltou Schietti, o Brasil ainda não alcançou o estágio ideal em que todos os policiais estejam equipados com essas ferramentas. Até que isso aconteça, os relatos dos agentes precisam ser tratados com um escrutínio especial, exigindo uma maior cautela ao serem avaliados pela justiça, decidiu o ministro.
Outro ponto importante que foi abordado pela Sexta Turma diz respeito à legalidade das buscas pessoais. Segundo o STJ, para que uma busca pessoal ou veicular seja legítima, é necessário que o policial tenha uma suspeita fundamentada em fatos concretos e não apenas em informações vagas ou anônimas. Essa interpretação reflete a necessidade de respeitar os direitos dos cidadãos, evitando abusos de autoridade ou abordagens sem justificativas plausíveis.
O fenômeno conhecido como dropsy testimony – quando o policial alega que o suspeito jogou drogas ao ser avistado – foi citado como um exemplo de como a narrativa pode ser manipulada para legitimar ações policiais. Esse tipo de relato, que já foi identificado nos Estados Unidos e também no Brasil, reforça a importância de se ter mecanismos, como as câmeras corporais, para confirmar ou desmentir esses eventos.
É nesse cenário que o arredondamento da ocorrência policial pode ser compreendido. A jurisprudência atual tem deixado claro que o depoimento policial precisa ser coerente com as demais provas e não pode ser tratado como uma verdade incontestável. O arredondamento, desde que dentro dos parâmetros legais e éticos, pode ser um recurso válido para organizar os acontecimentos de uma forma mais clara e compreensível, sem que isso implique em qualquer distorção da realidade.
O arredondamento da ocorrência policial é um conceito que tem raízes no cotidiano da atividade policial. Essa prática, embora muitas vezes vista com ressalvas, pode ser interpretada como a tentativa de organizar e formalizar os fatos ocorridos durante uma ação policial de forma a deixar mais clara e objetiva a versão que será apresentada em juízo. Não se trata de alterar os acontecimentos ou distorcer a realidade, mas sim de ajustar os detalhes, eliminando ambiguidades e garantindo que os fatos sejam compreendidos dentro do que realmente ocorreu, mantendo a integridade e transparência necessárias para a justiça.
O dinamismo e a complexidade de uma ocorrência policial podem, por vezes, gerar situações que fogem ao controle imediato do agente. O policial, diante de uma ocorrência em tempo real, precisa tomar decisões rápidas e nem sempre consegue relatar todos os detalhes da situação de forma exata e imediata. É nesse contexto que o citado “arredondamento” se apresenta como um mecanismo para organizar esses fatos, buscando harmonizar a narrativa de maneira a preservar a verdade, mas com uma linguagem mais coesa e formal, alinhada às exigências processuais.
Contudo, é preciso deixar claro que esse “arredondamento” só pode ser visto como uma prática legítima quando realizado dentro dos limites legais. Isso significa que a narrativa ajustada não pode em hipótese alguma falsificar a verdade ou inventar fatos, mas sim expor os acontecimentos com maior clareza e precisão, dentro de uma visão lícita e ética da atuação policial. Qualquer tentativa de forjar uma realidade diferente configura abuso e pode resultar em sanções severas para o agente envolvido.
O arredondamento pode, portanto, ser definido como a prática de ajustar os relatos policiais para eliminar ambiguidades e inconsistências, mantendo a veracidade dos fatos. Ele é considerado legítimo quando visa melhorar a clareza do relato e está fundamentado em elementos objetivos, como provas testemunhais ou tecnológicas. Desde que respeite os princípios da legalidade e da transparência, o arredondamento não só é permitido como pode ser um importante instrumento para garantir a justiça e a eficiência no processo criminal.
Arredondamento jurídico da ocorrência policial: como o policial deve conduzir suas ações e custodiar as informações
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