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A prisão em flagrante na ‘apresentação espontânea’

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS

 

 

 

Conteúdo árduo que várias autoridades sentem ao se deparar com casos desse mote. A apresentação espontânea do suspeito à autoridade impedirá a decretação da prisão em flagrante delito? Depende! Existem duas vertentes sujeitas a cada caso concreto.

Não cabe

Verificando o expediente do artigo 317 do CPP, que trata do comparecimento espontâneo do indiciado, tipificando-o como modalidade distinta da prisão em flagrante, escande o impedimento da lavratura do auto de prisão. Utiliza o aspecto político-criminal de não declinar a atitude do suspeito, quando haja relevância moral e jurídica.

Situação ocorrida quando, em momento algum, a autoridade policial tem conhecimento do ato criminoso e é surpreendida com a presença física do suspeito que se apresenta espontaneamente na delegacia. Resta ao delegado argüir formalização de representação pela preventiva.

Não custa expor o art. 317 do CPP que reza:

“Art. 317. A apresentação espontânea do acusado à autoridade não impedirá a decretação da prisão preventiva nos casos em que a lei a autoriza.

 

 

Cabe

Quando a autoridade policial tem ciência da ocorrência e já iniciou diligência no sentido de capturar o suspeito. O delegado já empreendeu vários procedimentos inquisitivos para configurar a ciência do fato e confirmar o início da investigação, razão pela qual é oportuna a colocação de data e hora do início dos procedimentos emitidos.

Institui o art. 302 do CPP:

“Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:


(…)


III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;


(…)

Exemplo clássico comentando pelo jurista Guilherme de Sousa Nucci ao aduzir:

“…um indivíduo que mata, cruelmente, várias pessoas e, logo em seguida, com a roupa machada de sangue e o revólver na mão, adentra uma delegacia apresentando-se. Por que não poderia a autoridade dar voz de prisão em flagrante, se o crime acaba de ocorrer e as evidências estão demonstradas? Além disso, há o clamor popular e o periculum in mora instala-se…” . Grifo nosso.

E finaliza:


“…Concordamos, pois, com a impossibilidade de estabelecer regras matemáticas para essa situação, razão pela qual preferimos sustentar que a prisão em flagrante de que se apresente espontaneamente pode ser possível, conforme o caso.” – Nucci, Guilherme de Souza, Manual de Processo Penal e Execução Penal, 2ª edição, ver. atual. São Paulo. RT.
Grifo nosso.

Ocorrendo continuidade investigativa e, não havendo descontinuidade na perseguição, com procura sem suspensão ou interrupção, o flagrante está perfeitamente caracterizado, nos termos do art. 302, III, do Código de Processo Penal. De extrema memória e lapidar predicação do jurista Mirabete, quando de estudos exaustivos de interpretação da legislação adjetiva penal, aduz:

“Deve-se entender que o ‘logo após’ do dispositivo é o tempo que corre entre a prática do delito e a colheita de informações a respeito da identificação do autor, que passa a ser imediatamente perseguido após essa rápida investigação realizada por policiais ou particulares. Por isso, tem-se entendido que não importa se a perseguição é iniciada por pessoas que se encontravam no local ou pela polícia, diante de comunicação telefônica ou radiofônica. Deve-se ter em conta, porém, que tal situação não se confunde com uma demorada investigação a respeito dos fatos. Iniciada a perseguição logo após o crime, sendo ela incessante nos termos legais (art. 290, § 1º), não importa o tempo decorrido entre o momento do crime e a prisão do seu autor. Tem-se admitido pacificamente que esse tempo pode ser de várias horas, ou mesmo de dias. A prisão pode ser efetuada em qualquer local onde é encontrado o agente, ainda que seja em território de outro Estado”. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de Processo penal Interpretado, 11ª edição, pp. 740-741. Grifo nosso.

Evidencia a jurisprudência que envolve autuação em flagrante delito de quem é suspeito e se apresenta espontaneamente, in verbis:

 

“Prisão em flagrante. Não tem cabimento prender em flagrante o agente que, horas depois do delito, entrega-se à polícia, que o não perseguia, e confessa o crime. Ressalvada a hipótese de decretação da custódia preventiva, se presentes os seus pressupostos, concede-se a ordem de habeas corpus, para invalidar o flagrante. Unânime.” (STF – RHC n.º 61.442/MT, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Rezek, DJU de 10.02.84). Writ concedido, a fim de que seja relaxada a prisão em flagrante a que se submete o paciente, com a conseqüente expedição do alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de eventual decretação de prisão preventiva devidamente fundamentada.” (STJ – HC: 30527 RJ 2003/0167195-3, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 19/02/2004, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 22/03/2004 p. 335) Grifo nosso.

TJDF – HABEAS CORPUS: HC 44042120068070000 DF 0004404-21.2006.807.0000 – HABEAS CORPUS – ART. 121, § 2º, I E IV E 121, § 2º, I E IV, C/C 14, II TODOS DO CP – PRISÃO EM FLAGRANTE EFETIVADA LOGO APÓS NAS DEPENDÊNCIAS DA DELEGACIA – DILIGÊNCIAS EMPREENDIDAS ININTERRUPTAMENTE DURANTE A MADRUGADA – FLAGRANTE REGULAR – HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 302 DO CPP. 1. Comunicado o fato à autoridade policial que, de pronto, empreende diligências ininterruptas com a finalidade de localizar o autor do crime, vindo a prendê-lo logo após, nas dependências da Delegacia, em face da sua apresentação espontânea, tem-se perfeitamente caracterizada a situação de flagrância, dentro dos moldes do inciso III, do art. 302 do CPP.  2 – Inexistindo ilegalidade na coação, denega-se a ordem.

TJDF – PRIMEIRA TURMA CRIMINAL – “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA. PRISÃO EM FLAGRANTE. POSSIBILIDADE. CRIME DE HOMICÍDIO TENTADO EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. MEDIDAS PROTETIVAS REQUERIDAS E NÃO ANALISADAS. PRIMARIEDADE E AUSÊNCIA DE MAUS ANTECEDENTES. PERICULOSIDADE DEMONSTRADA NAS CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAMENTE APURADAS. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA CUSTÓRIDA CAUTELAR. ORDEM DENEGADA. 1. Reconhecida a situação de flagrância de quem se apresenta espontaneamente é possível a prisão em flagrante, conforme o caso. 2. Consta que o paciente, de trinta e sete anos de idade, efetuou golpes contra sua esposa, dez anos mais jovem, causando-lhe diversos ferimentos. Além disso, por não aceitar a separação, jogou água quente na vítima, amarrou-lhe os pés e as mãos, torturando-a com faca em região do corpo que não seria suficiente a levá-la à morte, agindo com crueldade. Ela foi atraída à residência do agressor para tratar da separação, evidenciando a periculosidade que justifica a manutenção da prisão cautelar para proteção da vitima, pelo menos até que se analisem as medidas protetivas requeridas. Tal decisão foi postergada para audiência a ser designada. Tais fatos destacados na denúncia evidenciam a periculosidade, justificando a prisão flagrancial cautelar. 3. Em casos tais, a primariedade, antecedentes e o fato de ter residência asseguram a liberdade provisória. denegada.”

TJMA – HABEAS CORPUS: HC 78862007 MA – PENAL/ PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS DA PRISÃO EM FLAGRANTE. APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA. PEDIDO DE LIBERDADE. INVIÁVEL. PRISÃO EM FLAGRANTE SEM VÍCIOS. DECRETO QUE SE SUSTENTA PELA EXISTENCIA DOS MOTIVOS PARA A DECRETAÇÃO DA PREVENTIVA.


1 – Os autos demonstram que logo após o fato, o acriminado fora chamado por um superior, onde dali foi conduzido pelo mesmo até à Delegacia de Homicídios local e autuados em flagrante. É o que se extrai a do depoimento do condutor (Major), Certidão, e do depoimento do Delegado de Polícia. Desse modo, fica até prejudicada a afirmação de apresentação espontânea na medida em que atendia isso sim, a uma determinação de um superior hierárquico. De outro lado, vejo flagrante regular, contando com a presença do condutor e das testemunhas de apresentação.


2 – Doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores, asseveram que a perseguição pode ser caracterizada pelo patrulhamento e procura, visando à prisão do autor do delito, pois a lei ou o caderno processual não explicitam as diligências que a caracterizam, sendo que a única exigência é referente ao início da perseguição, a qual deve se dar logo após a prática do fato. Situação de flagrância caracterizada quando se lê depoimentos das testemunhas presenciais do fato e quando se nota que houve diligências logo após a morte da vítima no sentido de se encontrar o acriminado e leva-lo à Delegacia.


3 – De qualquer sorte, o foco da prisão não deve mais ser o flagrante levado a efeito, este, não possuidor de irregularidades comprometedoras, mas sim, a prisão mantida sob os fundamentos da preventiva, posto, em cima desses – fundamentos – que a autoridade tida como coatora mantera o ergastulamento. Em verdade, o que a autoridade coatora fez foi manter o flagrante analisando para tanto, a necessidade do segregamento com os requisitos do artigo 312 da Lei Adjetiva Penal. É dizer, não houve liberação porque o acriminado não estaria dentro da situação do parágrafo único do artigo 310 do mesmo diploma, norma concessora do benefício da liberdade.


4 – Em casos semelhantes, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que se deve manter o segregamento, tendo como fatores a repercussão e reprovabilidade conjugados com defesa de ordem pública e conveniência da instrução criminal. Aqui, vemos que a dilação probatória restaria prejudicada com a liberação do acriminado. É que em liberdade, haveria constatável prejuízo para instrução e colheita de depoimentos com o acriminado solto, mormente em se sabendo o caráter intimidatório que um policial militar acusado exerce sobre os ânimos dos testigos. Ordem Denegada. (HABEAS CORPUS, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do MA, Relator: Des. José Joaquim Figueiredo dos Anjos).”

 

Com a predicação exposta e apoio hermenêutico e jurisprudencial sobre a autuação da prisão em flagrante delito referente à apresentação espontânea, é possível concluir:

I – O art. 317 do CPP informa sobre impossibilidade de impedimento de prisão preventiva, e não em flagrante;


II – No art. 302, III, do CPP, quando menciona ‘logo após’, entende-se que é o iter tempestivo entre o momento da prática delitiva e a coleta de informações sobre o sujeito ativo;


III – Não é possível a autuação em flagrante delito caso exista isoladamente apresentação espontânea do suspeito, quando a autoridade não saiba da ocorrência e não tenha iniciado diligência;


IV – É possível autuação em flagrante delito se a autoridade ficar ciente do fato e promover expediente inicial para investigar o caso, como intimações, ofícios, solicitações, oitivas, ordens de serviços e outras diligências, tudo isso antes da apresentação espontânea do suspeito.

Sobre o autor


Marcos Monteiro
Delegado de Polícia Civil, Pós-graduado em Direito Processual, Fundador  e Coordenador da Revista da Defesa Social e Portal Nacional dos Delegados, Professor de Ensino Superior em Direito

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