Título Original: A LEGITIMIDADE INSTITUCIONAL DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL:
DEFESA DO PROJETO DE EMENDA CONTITUCIONAL 37/2011
Por William Garcez, Delegado de Polícia do Rio Grande do Sul. Representante da Associação dos Delegados de Polícia da Vigésima Segunda Região Policial. Ex-Assistente de Promotoria de Justiça. Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul – CAMVA/RS.
I – MÉTODO DE PESQUISA
Cumpre esclarecer que o presente trabalho será desenvolvido tendo por base os dispositivos constitucionais e legais que circundam a matéria, atentando-se, como não poderia ser diferente, para os princípios e mandamentos intuitivos que originam e fundamentam o regime político-jurídico adotado pela República Federativa do Brasil, o Estado Democrático de Direito. Assim, será realizado um processo hermenêutico de interpretação das normas vigentes, buscando-se a real intenção do legislador constituinte, uma vez que o sentido do sistema adotado se extrai do emaranhado de valores que foram insculpidos na Constituição.
II – APRESENTAÇÃO DO TEMA: A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Há muito tempo que vemos crescer o desejo pela investigação criminal ascender em órgãos oficiais que não têm, juridicamente falando, entre as suas atribuições, autorização para exercer atividade de cunho investigatório na esfera criminal. É digno de nota que essa violação de atribuições, além de ilegal, demonstra a falta de tratamento sério no âmbito das investigações criminais no país.
A Constituição Federal elencou todas as instituições oficiais que devem atuar na defesa dos princípios e objetivos estabelecidos como diretrizes da República. Dentre estas instituições temos a Polícia Civil e o Ministério Público. Nessa esteira, ao criar cada um desses órgãos, o legislador estabeleceu a sua finalidade e delineou o papel que lhes seria confiado para a consecução dos fins do Estado Maior.
Dentro dessa perspectiva, estabeleceu o legislador constitucional nos parágrafos do artigo 144 que as “funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais” incumbem à Polícia Federal e às Polícias Civis, nas suas respectivas áreas de atuação, ressalvando-se os casos de crimes militares. Está claro no texto constitucional que a atividade investigativa, no âmbito criminal, será desempenhada pelas instituições oficiais que carregam em seu bojo as atividades de Polícia Judiciária.
De outra banda, nos incisos do artigo 129 o legislador constituinte estabeleceu que, ao Ministério Público, na esfera criminal, incumbe “promover a ação penal”, “exercer o controle externo da atividade policial” e “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial”. Como se vê, a investigação criminal não está no rol das atribuições do Ministério Público.
Entretanto, não obstante a clareza solar dos dispositivos mencionados, insistem alguns integrantes o Ministério Público, sem razão, em sustentar que este ente possui, por si, poderes investigatórios independentes, os quais poderiam ser desempenhados em segredo, sem a participação da autoridade policial, o Delegado de Polícia, em clara invasão e usurpação das funções da polícia investigativa. Como se percebe, há flagrante desrespeito às atribuições das Polícias Civis e Federal, bem como aos ditames constitucionais.
Nos primeiros semestres do curso de Direito se ensina que a Lei surge da necessidade de regrar situações fáticas geradoras de conflitos. A lei surge quando é necessária, surge da incapacidade moral dos indivíduos que não conseguem respeitar limites naturalmente impostos. A lei é necessária, assim, porque nem todos os cidadãos são virtuosos o suficiente para respeitar os direitos dos demais.
Diante desse cenário de nítida violação das atribuições institucionais que vem ocorrendo por parte de uma instituição em detrimento de outra, foi apresentado o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 37/2011, que tem como objetivo incluir no artigo 144 da Constituição Federal o §10, a fim de que as atribuições das Polícias Judiciárias sejam respeitadas.
O texto da PEC contém a seguinte redação: “A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1° e 4° deste artigo, incumbem privativamente, às Polícias Federal e Civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente”. Não há dúvidas de que a finalidade do projeto é frear as investidas ilegais do Ministério Público contra as atribuições das Polícias Judiciárias.
O projeto pretende deixar ainda mais claro que a investigação de crimes no Brasil será desempenhada pela Polícia Judiciária e as investigações serão conduzidas por Delegados de Polícia de Carreira, e ninguém mais.
Saliente-se aqui, que, muito embora a Constituição Federal não tenha conferido o monopólio da investigação criminal às Polícias Judiciárias, todas as exceções feitas pelo constituinte estão expressas no próprio texto constitucional e nenhuma delas contempla o Ministério Público.
O parágrafo 4º do artigo 144 da Constituição Federal exclui da competência da Policia Judiciária a apuração das infrações penais militares, em harmonia com o art. 124, segundo o qual às autoridades das corporações militares compete a investigação criminal de infrações desta natureza, por meio do inquérito policial militar.
Outra exceção trazida pelo §3º do artigo 58 da Constituição Federal é a do poder investigatório das comissões parlamentares de inquérito. Saliente-se, entretanto, que o inquérito parlamentar não é um típico inquérito criminal, porque visa apurar fato determinado de qualquer natureza: político, administrativo, responsabilidade civil e também criminal, como se nota da parte final do artigo mencionado. Ressalte-se, inclusive, que as conclusões dos inquéritos parlamentares, nem sempre dispensam investigações policiais, como a realidade tem mostrado, uma vez que por trás desse expediente investigatório se encontram interesses de toda ordem.
Assim, é necessário reconhecer a investigação criminal militar e a investigação desenvolvida pelas comissões parlamentares de inquérito como exceções ao disposto nos parágrafos 1º e 4º do artigo 144 da Constituição Federal, mas exceções expressas no próprio texto constitucional.
Nesse passo, é perfeitamente legítimo o texto da PEC 37/2011, uma vez que necessário para, muito mais que por fim a essa desarrazoada disputa corporativa (assim acusada pelo Ministério Público), se fazerem respeitar as atribuições das Polícias Judiciárias, que vêm sendo desprezadas e esmagadas como se não estivessem previstas no texto constitucional. Dessa forma, também vem a referida PEC para atender ao interesse social, uma vez que é direito de todo o cidadão se ver investigado pelas instituições consagradas na Constituição para exercer essa função e não por qualquer instituição que se arvore na condição de Polícia Judiciária.
Refira-se, inclusive, que essa insensata acusação de corporativismo lançada pelo Ministério Público é fruto da inexistência de argumentos jurídicos que lhe permitam embasar, sem refutação, a sua busca desvairada por poder. Aliás, caso a Polícia Judiciária estivesse usurpando as atribuições constitucionais do Ministério Público, será que isso também seria chamado de disputa corporativa?
O questionamento é válido, pois ao mesmo tempo em que o Ministério Público acusa as Polícias Judiciárias de corporativismo por defenderem as suas atribuições investigatórias, ingressa com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra dispositivo da Lei Orgânica da Defensoria Pública que confere a este órgão legitimidade para a promoção da Ação Civil Pública. Dois pesos, duas medidas.
Na mesma esteira, enquanto o Ministério Público acusa as Polícias Judiciárias de corporativismo, pretendem apresentar emenda constitucional substitutiva que visa impedir a Polícia Judiciária de investigar os seus membros. Não seria esse o verdadeiro corporativismo, a proteção de seus pares? Por que tanto medo de serem investigados por outra instituição, a instituição investigativa por excelência do Estado?
Diante desse cenário, pergunta-se: Será que lutar por respeito às atribuições constitucionais de uma instituição oficial é corporativismo?
O Projeto de Emenda Constitucional 37/2011 não pretende retirar os poderes investigatórios do Ministério Público. Não se pode retirar o que nunca se teve. O projeto visa unicamente colocar fim a essa pretensão ilegítima de investigação por parte de uma instituição que quer angariar todos os poderes na sua mão, quando se quer consegue realizar satisfatoriamente as suas próprias atribuições.
Realizada a apresentação do tema, com seus nuances e peculiaridades, passa-se a partir de agora à análise jurídica de cada argumento utilizado pelo Ministério Público para embasar a sua tresloucada pretensão investigatória.
III – AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL
Um argumento utilizado pelo Ministério Público para sustentar sua atribuição investigatória direta é o de que a Constituição Federal não proibiu a sua realização. Ora, tal alegação é pueril e canhestra, uma vez que não cabe à Constituição Federal estabelecer negatividades, mas sim, estabelecer atribuições.
Não seria de boa técnica, nem seria razoável, exigir-se que o legislador constitucional, ao criar as instituições oficiais, estabelecesse as suas atribuições e, ao mesmo tempo, as suas “não-atribuições”, uma vez que, conferindo determinadas atribuições a uma instituição, está automaticamente excluindo-a do campo de atuação das demais.
Não fosse assim, o fato de o legislador constitucional não ter vedado ao Ministério Público a atribuição de julgamento, estaria autorizando-o a exercer as funções do Magistrado. Na mesma esteira, poderia se sustentar, ainda, que o fato de a Constituição Federal não ter vedado às Polícias Judiciárias o direito de promover a ação penal, estaria legitimando-as a exercer o jus accusationis.
Além do que, cumpre esclarecer a substancial diferença entre o direito público e o direito privado. Neste, é possível afirmar que a ausência de norma proibitiva acarreta a possibilidade de realização de determinada conduta, posto que tudo o que não é proibido, é permitido. Naquele, entretanto, somente pode ser realizado aquilo que a lei prevê, ou seja, somente é permitido aquilo que é legalmente previsto.
Cumpre salientar, ainda, que, muito embora a Constituição Federal não proíba expressamente a realização da investigação criminal pelo Ministério Público, o Código de Processo Penal o faz, uma vez que, se investindo o Ministério Público na dúplice tarefa de investigar e acusar haverá considerável prejuízo ao sistema processual acusatório.
Justamente por este motivo, é que o disposto no artigo 252, II, combinado com o artigo 258 do Código de Processo Penal, reputa impedido para a ação penal o Promotor de Justiça que tiver funcionado como Delegado de Polícia. Isso significa que o legislador proibiu que aquele ente que investigou os respectivos fatos venha também exercer o jus acusationis em juízo.
Dessa forma, usurpando o Ministério Público as atribuições investigativas das Polícias Judiciárias, estaria ele impedido de exercer as suas próprias atribuições constitucionais em juízo, uma vez que tomou prévio conhecimento das investigações, em detrimento da defesa.
Não há dúvidas que haveria grave violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, pilares do sistema processual acusatório. Nesse compasso, algumas perguntas devem ser feitas: Poderá o órgão acusador, com todos os poderes daí decorrentes, produzir prova em seu favor? Se, no curso de uma investigação, o Ministério Público se deparar com um documento que possa desmontar a acusação por apontar evidente inocência, ele a proclamará?
Nessa perspectiva, se admitirmos a possibilidade de o Ministério Público, na condição de órgão acusador, desempenhar atribuições investigativas, teremos também que abrir espaço para que a defesa possa investigar, pois já que se está violando o princípio do sistema acusatório, que seja respeitado o princípio da paridade de armas.
IV – A TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS
Outro argumento utilizado pelo Ministério Público é o de que, ainda que a Constituição não lhe tenha autorizado expressamente o desempenho de atribuições investigatórias na esfera penal, deve ser aplicada a teoria dos poderes implícitos, pois se a norma constitucional lhe assegura a competência privativa para promover a ação penal pública, deve lhe assegurar os meios para alcançar esse fim.
O referido argumento não passa de um mecanismo ostentoso para ludibriar a verdadeira essência da teoria dos poderes implícitos. Como bem observado por José Afonso da Silva, ao ser questionado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), acerca da legitimidade investigativa do Ministério Público, “essa concepção da doutrina dos poderes implícitos, com a devida vênia, não é correta. Primeiro, é preciso indagar se entre a investigação penal e a ação penal ocorre uma relação entre meio e fim. O meio para o exercício da ação penal consiste no aparato institucional com a habilitação, competência adequada e condições materiais, para fazê-lo”.
Continua o ilustre jurista dizendo que “o fim (finalidade, objetivo) da investigação penal não é a ação penal, mas a apuração da autoria do delito, de suas causas, de suas circunstâncias. O resultado dessa apuração constituirá a instrução documental – o inquérito – (daí, tecnicamente, instrução penal preliminar) para fundamentar a ação penal e servir de base para a instrução penal definitiva. Segundo, poderes implícitos só existem no silêncio da Constituição, ou seja, quando ela não tenha conferido os meios expressamente em favor do titular ou em favor de outra autoridade, órgão ou instituição. Se ela outorgou expressamente a quem quer que seja o que se tem como meio para atingir o fim previsto, não há falar em poderes implícitos. Como falar em poder implícito onde ele foi explicitado, expressamente estabelecido, ainda que em favor de outra instituição?”.
Dito isto, cumpre ressaltar que, além de a Constituição Federal ter estabelecido expressamente o campo de atuação de cada instituição oficial, não tendo, portanto, silenciado quanto às suas atribuições, ainda, pela via inversa, ela está determinando que as atribuições designadas a um ente não será desenvolvida pelos demais. Não fosse assim, as determinações expressas não teriam sentido e cada ente poderia fazer o que bem entendesse, de acordo com a sua ambição, da forma como quer o Ministério Público, como se tudo se tratasse da “casa da mãe Joana”.
O tão falado poder implícito, como já se demonstrou, só tem lugar quando o legislador silencia sobre matéria que tenha, obrigatoriamente, uma relação de meio e fim. Está claro que não há essa relação entre investigação e ação, bem como que o legislador constituinte sequer silenciou quanto à matéria. A Constituição se ocupou do tema, conferindo a investigação criminal à Polícia Judiciária. Logo, ela não cabe a nenhum outro órgão ou instituição, nem, portanto, ao Ministério Público.
Quem realmente estudou sabe que a atribuição de promover a ação penal não traz consigo a atribuição de investigar. Do contrário, o legislador não teria separado expressamente essas atribuições no texto constitucional.
Ademais, se fosse válido o argumento de que sendo o Ministério Público o destinatário das investigações criminais, estaria ele autorizado a investigar, então, nesse caso, deveríamos também ter de admitir que, sendo a denúncia oferecida pelo Ministério Público para o Magistrado, ele próprio poderia elaborar a denúncia. Dessa forma, acabaríamos chegando à conclusão, em nítida afronta ao sistema acusatório, que o Magistrado poderia acumular junto com a atividade de julgar, também as atividades de acusar e investigar, concorrentemente com o Ministério Público e à Polícia Judiciária.
Outra falácia que se encontra dentro da teoria dos poderes implícitos é a de que, sendo o Ministério Público titular da ação penal pública, também há de ter o poder de investigação criminal, sob o argumento de que “quem pode o mais pode o menos”.
Esse argumento somente serve para satisfazer o ego particular da instituição, porque em sede de direito constitucional, notadamente em se tratando de atribuições expressamente estabelecidas, não tem valor algum, até os néscios sabem.
Ao tratar do assunto, conforme referido acima, o ilustre doutrinador José Afonso da Silva referiu que “não é uma parêmia a que se dá valor de regra interpretativa. O que é mais e o que é menos no campo da distribuição das competências constitucionais? Como se efetua essa medição, como fazer tal ponderação? Como quantificá-las? Não há sistema que o confirme. As competências são outorgadas expressamente aos diversos poderes, instituições e órgãos constitucionais. Nenhuma é mais, nenhuma é menos. São o que são, porque as regras de competência são regras de procedimento ou regras técnicas, havendo eventualmente regras subentendidas (não poderes implícitos) às regras enumeradas, porque submetidas a essas e, por conseguinte, pertinente ao mesmo titular. Não é o caso em exame, porque as regras enumeradas, explicitadas, sobre investigação na esfera penal, conferem esta à polícia judiciária, e são regras de eficácia plena, como costumam ser as regras técnicas”.
Assim, não se pode discutir sobre o que é mais e o que é menos entre a investigação criminal e a ação penal. Cada qual tem a sua finalidade e seus executores estão expressamente previstos no texto constitucional. Até porque, se considerarmos as atribuições em uma escala de valores, de acordo com a ordem em que são desencadeadas no procedimento, poderíamos dizer que: se a ação penal é o “mais” em relação à investigação (que seria o menos), unicamente pelo fato de ser desempenhada em momento posterior, poderiamos dizer, também, que o julgamento se constitui no “mais” em relação à ação penal (que seria o menos). E, se “quem pode o mais pode o menos”, os Magistrados, por indução, estariam autorizados a promover ações penais.
Ainda, seguindo esse raciocínio, e ignorando-se o fato de não há como se quantificar as regras de atribuições, se as Polícias Judiciárias passassem a entender que a investigação criminal é o “mais” em relação à ação penal (que seria o menos), estariam as Polícias Civis e a Polícia Federal autorizadas a promover a ação penal?
V – A DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL
A tese de que o inquérito policial é dispensável para o exercício da ação penal também não pode ser utilizada para embasar a pretensão do poder investigatório pelo Ministério Público. Essa tese, sequer deveria ser mencionada para essa finalidade.
É certo que o inquérito policial é dispensável para a propositura da ação penal, mas como notitia criminis. Ou seja, quando o Ministério Público tomar ciência de um crime por meio de outros documentos que contenham elementos suficientes que demonstrem a sua materialidade e a autoria, está o Ministério Público autorizado a interpor a ação penal, independentemente de haver inquérito policial.
Essa inferência é lógica na medida em que o inquérito policial é um procedimento investigatório unidirecional, ou seja, seu único objetivo é reunir provas da materialidade e indícios de autoria de um crime. Assim, se o Ministério Público tomar ciência dessas circunstâncias por meio de outros documentos é óbvio que o inquérito policial não será necessário.
A fim de elucidar o que se disse, basta citarmos como exemplo as conclusões das comissões parlamentares de inquérito e os procedimentos administrativos que podem trazer em seu bojo todas as elementares de um crime. Ainda, refira-se a hipótese de a representação do ofendido ser oferecida com um arcabouço de elementos que habilitem o Ministério Público a promover e pronto a ação penal, nos termos §5º do artigo 39 do Código de Processo Penal.
Entretanto, mesmo diante dessas previsões, a realidade é pródiga em nos mostrar diversos casos em que o Ministério Público queda-se inerte ante a sua atribuição de promover a ação penal. Não são poucos os casos em que as vítimas expõem o fato e todas as suas circunstâncias diretamente nos balcões do Ministério Público, inclusive apontando as provas que podem ser colhidas, e este, em vez de oferecer a denúncia de pronto (ou realizar atos para completar a prova indicada), requisita à Polícia Judiciária a instauração de Inquérito Policial. Por quê? Por que o Ministério Público não investiga os fatos apresentados pelas vítimas? Ora, porque a bem da verdade o Ministério Público não quer investigar. Ele quer “poder” investigar quando lhe for conveniente. Quer realizar investigações seletivas.
Como tenho ouvido por aí, até as pedras – que não estudaram – sabem que em um Estado Democrático de Direito o poder da lei está acima da lei do poder. Elas também sabem que nesse regime político-jurídico a Constituição Federal estabelece limites legais que não podem ser ultrapassados, principalmente pelas instituições oficiais que devem zelar pela sua total observância, sob pena de sepultarmos a segurança jurídica.
Como já foi dito, ao Ministério Público cabe “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial”, isto equivale a dizer que o Ministério Público não pode realizar investigações criminais diretamente, sem o conhecimento da autoridade policial.
Ao Ministério Público é dada a atribuição de complementar uma investigação criminal em andamento. Isto equivale a dizer que o Ministério Público não possui poder investigatório, mas sim o de suplementar a investigação. A decorrência lógica disso, como já se disse, são as requisições ministeriais, onde os Promotores de Justiça, fundamentadamente, requisitam à autoridade policial, ou outros órgãos e entidades, diligências que julgam necessárias para embasar a sua opinio delicti. Como se disse, sequer trata-se de um poder investigatório, mas sim do poder de requisitar diligências investigativas.
Saliente-se, por oportuno, que as requisições são mandamentos legais, pois decorrem da lei, em nada se confundindo com ordens, uma vez que não há qualquer subordinação entre Promotores de Justiça e Delegados de Polícia.
A Constituição Federal ainda concede ao Ministério Público a atribuição de “exercer o controle externo da atividade policial”. Entretanto, como vemos nos dias atuais, o Ministério Público sequer aprendeu a exercer esse controle. Desde a implementação dessa atribuição constitucional, o Ministério Público sempre deixou à Polícia Judiciária “se acabar” em parcas condições estruturais e de material humano escasso.
Enquanto formavam o seu império, construído a base de autonomia administrativo-financeira e independência funcional, pouco se importavam com o campo da investigação criminal. E agora, depois do fortalecimento da instituição, querem ocupar um espaço que não é seu. Isso sim é puro interesse corporativo.
Se o Ministério Público, em vez de querer conquistar todos os poderes, exercer com altivez as suas atribuições, acompanhando de perto as atividades investigativas da Polícia Judiciária e adotando medidas legais para que o Estado invista na estruturação policial, o sistema funcionaria como deve funcionar, nos moldes do que foi posto na Constituição Federal.
VI – INVESTIGAÇÃO SELETIVA
Impõe-se aqui uma reflexão relevante. Partindo dos pontos infundados que acima se analisou, caso o Ministério Público, de fato, tivesse poderes investigatórios próprios deveria ser abolido da Constituição Federal o instituto da requisição, uma vez que o Ministério Público, com o poder de investigar, deveria buscar diretamente a prova nos expedientes onde não encontrasse a suficiência de elementos, e não requisitá-los à Polícia Judiciária, como manda a Lei Maior.
Ora, se o Ministério Público julga ter poderes investigatórios por que não investiga os fatos corriqueiros que vemos diariamente nos balcões das Delegacias? Por que não se vê o Ministério Público brigando para investigar crimes de estelionato ou homicídio? Por que não se vê o Ministério Público lutando para investigar o tráfico de drogas, que é, diga-se de passagem, o maior mal do século?
Se a pretensão investigatória do Ministério Público é procedente, a coerência exigiria que o Ministério Público assumisse as funções investigativas em todos os casos, repartindo essa atribuição com a Polícia Judiciária e eliminando-se o sistema de requisições. Mas não é isso que ele pretende.
A resposta para as questões acima formuladas é simples. O Ministério Público não quer investigar. O Ministério Público quer ter o poder de realizar investigações seletivas. Quer realizar investigações discricionárias, secretas e sem nenhum controle, afrontando todas as regras e princípios jurídicos existentes. O “fiscal da lei” pretende realizar investigações inominadas que violam desde os princípios que regem o sistema acusatório até os princípios que regem o Estado Democrático de Direito.
O Ministério Público só pleiteia investigar “em determinadas situações” onde o “interesse público exigir”. Ora, toda investigação criminal é de interesse público. Então, por que o Ministério Público não pretende investigar crimes de roubo, homicídio ou tráfico de drogas? Não há interesse público aqui? Claro que há. O que não há é interesse do Ministério Público. Verdade seja dita: O Ministério Público não está interessado no “interesse público”, está interessado nos holofotes, na mídia e na sua própria imagem.
Veja-se que o Ministério Público, mesmo no desempenho de suas atribuições, não deve satisfações a ninguém. É a última “caixa preta” do país, sem qualquer controle externo. E, nessa condição, querem todas as atribuições para exercê-las discricionariamente, de acordo com a sua própria conveniência, sem dar satisfações a qualquer quem quer que seja, salvo aos seus pares, compreensivos e corporativistas.
Refira-se, ainda, o fato de que o Ministério Público não tem condições de realizar todo o cabedal que engloba a investigação criminal. Isso porque a atividade investigativa vai muito além do colhimento de uma oitiva, expedição de ofícios ou juntada de documentos em investigações escolhidas a dedo. No ponto extremo de uma investigação, algumas diligências impactantes, tanto para o investigado como para o investigador, podem ser necessárias, tais como a infiltração de agentes em organizações criminosas, o monitoramento discreto, a perseguição automobilística, a entrada tática para realização de buscas ou prisões, entre outras. Todas essas diligências são afetas à área da segurança pública e o Ministério Público sequer tem condições de desempenhá-las.
Além do mais, aliado à falta de condições do Ministério Público em desempenhar diligências desse porte, imagino que falte também vontade e, quiçá, coragem por parte de seus integrantes. Todas essas ações que integram a “investigação criminal” envolvem riscos de toda a sorte, inclusive de morte. Francamente, não imagino que os membros do Ministério Público se prontifiquem para infiltração em uma associação de traficantes, a fim de buscar elementos de informação.
Portanto, pergunta-se: Quais atos investigativos o Ministério Público pretende realizar? Apenas os que lhe apraz? E mais, quais fatos criminosos o Ministério Público pretende investigar? Apenas os que repercutirem na mídia?
Essa é a pretensão. A realização de investigação seletiva. Ou alguém está pensando que o Ministério Público está querendo ir para a linha de frente contra a criminalidade moderna? Claro que não. Conforme já se afirmou, isso o Ministério Público não quer, porque nesses casos não há holofotes (ops, interesse público).
Mas, imaginemos nós (e apenas isso) que o Ministério Público realmente estivesse interessado no “interesse público” e quisesse fazer frente à criminalidade em concorrência com os órgãos de Polícia Judiciária. Nesse Caso, como funcionaria o sistema? Como o Ministério Público iria agir se, além da falta de estrutura, é cediço que seus membros não possuem preparação para desempenhar atividades dessa natureza?
Logicamente, outra usurpação das atribuições da Polícia Judiciária teria de ser cometida. O Ministério Público usurparia as funções da Polícia Judiciária para realizar investigação criminal e, posteriormente, para finalizar o procedimento, se utilizaria da Brigada Militar para dar cumprimento aos mandados de busca e apreensão e realizar as atividades extremas, em mais uma afronta à distribuição de atribuições previstas na Constituição Federal, como temos visto acontecer.
A verdade, é que as Polícias Judiciárias (Civil e Federal), são as únicas instituições com capacidade de realizar investigações criminais por completo, desde os atos mais primários, como colher uma oitiva, até os atos mais extremos, como entrar em ambientes de risco. E, talvez, por essa razão, também, o legislador constitucional foi expresso ao determinar as atribuições de cada instituição.
VII – INDICAÇÕES DA LEGISLAÇÃO ESTRENGEIRA
As indicações de direito estrangeiro, utilizadas pelo Ministério Público para dizer que em diversos países o Ministério Público é detentor de poderes investigatórios é outro discurso enfadonho, vazio.
É certo que em alguns países o Ministério Público possui atribuição para conduzir investigações criminais (Alemanha). Também é certo que em outros, a Polícia Judiciária e o Ministério Público são instituições aglutinadas, de atuação conjunta (México). Ainda, em outros, a Polícia Judiciária vincula-se ao Poder Judiciário e atua em conjunto com o Ministério Público (Paraguai). Há países em que o Ministério Público vincula-se ao Ministério da Educação e a Polícia Judiciária ao Ministério da Defesa (Uruguai).
Essas comparações só têm utilidade para demonstrar que os vários Estados elegeram sistemas diferentes quando da sua criação, bem como que o regime da matéria no Brasil é próprio, porque a Constituição Federal define os campos de atuação do Ministério Público e da Polícia Judiciária expressamente e com a devida precisão, a fim de que uma instituição não interfira no campo de atuação da outra. Veja-se, nesse ínterim, que as normas constitucionais deixam claro que não há qualquer dependência entre Ministério Público e a Polícia Judiciária, cada qual com seu campo de atuação.
A título de argumentação, é importante mencionar aqui, já que se trata do tema, que em muitos países europeus e latino-americanos a polícia judiciária é atrelada ao Ministério Público. Talvez por isso o Ministério Público possua atribuições de investigação criminal nesses países, porque a Polícia Judiciária está diretamente vinculada a si, o que não ocorre no Brasil. Ou seja, aqui as funções estão separadas e expressamente previstas na ordem constitucional.
Ainda, refira-se que, nos mesmos países onde a Polícia Judiciária é vinculada ao Ministério Público, este é atrelado ao Poder Judiciário. Entretanto, nem por isso os Magistrados do Brasil pretendem, alegando regras de direito comparado, usurpar as funções do Ministério Público ou mesmo da Polícia Judiciária.
E é lógico que nesses países isso acontece porque não há duplicidade de instrução como no Brasil, onde a persecução penal é desenvolvida em duas fases: uma fase inquisitorial (investigação), antecedendo outra fase judicial (ação penal). Nas referidas ordens jurídicas vigora o sistema de unidade de instrução, onde o contraditório e a ampla defesa são observados desde o início das investigações porque o órgão que atua na investigação é o mesmo que atua na ação.
VIII – INVESTIGAÇÃO DESREGRADA
Não há na Constituição nada que autorize o Ministério Público a instaurar e presidir inquérito criminal. Veja-se, ainda, que o Código de Processo Penal deixa claro que o inquérito policial somente pode ser presidido pela Autoridade Policial, que é o Delegado de Polícia.
O Ministério Público, à sua maneira, tem feito investigações criminais por via do inquérito civil, com notório desvio de finalidade, já que este expediente é peça de instrução preparatória da ação civil pública, conforme previsão constitucional, e não evidentemente de instrução criminal.
Outras vezes, o Ministério Público procede a ilegítimas investigações criminais em expedientes inominados, sem regras específicas, sem prazo de duração e sem a necessidade de observância da súmula vinculante número 14, uma vez que, como referido, trata-se de um procedimento anônimo, não de um inquérito policial.
Saliente-se, que Inquérito Policial é um procedimento formal que deve observar regras e prazos legais. Inclusive, após a edição da súmula vinculante número 14, o defensor do investigado tem amplo acesso aos atos já documentados que não comprometam a investigação, tudo para se observar os direitos e garantias fundamentais do investigado.
Ademais, o inquérito policial é o único instrumento de investigação criminal que, além de sofrer o ordinário controle pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público, tem prazo certo, fator importante para a segurança das relações jurídicas.
Diante dos argumentos expostos, há de provocar inquietação o fato de a instituição que se diz “fiscal da Lei” pretender conduzir expedientes paralelos, tramitando simultaneamente aos inquéritos policiais, provocando conflitos institucionais e dividindo os esforços estatais em face de um mesmo objeto. E, diga-se de passagem, tudo isso em detrimento das Polícias Judiciárias, instituições constitucionalmente encarregadas da atividade investigativa.
As irregulares investigações criminais conduzidas pelo Ministério Público são uma porta aberta para o abuso do poder e afronta aos direitos e garantias fundamentais, como vimos, recentemente, no Procedimento nº 2009.61.81.004404-7, que tramitou junto 7a Vara Criminal Federal de São Paulo, onde o Magistrado responsável determinou o envio de ofício ao Conselho Nacional do Ministério Público para que adotasse medidas legais contra métodos de investigação secretos adotados pelo Ministério Público Federal.
A determinação ocorreu após o Juiz analisar um pedido de arquivamento em uma investigação criminal iniciada pelo Ministério Público Federal em novembro de 2003, e mantida em segredo até abril de 2009, sendo que no decorrer das investigações diversas irregularidades foram cometidas.
A investigação durou quase sete anos, em segredo, e foi iniciada com base numa carta anônima, de modo que o Ministério Público Federal, ainda, requisitou diretamente à Receita Federal a quebra de sigilo fiscal dos investigados.
De posse das declarações de renda, o procurador acrescentou não ter identificado irregularidades. Assim, foi promovido o arquivamento do procedimento, em novembro de 2008, no próprio âmbito do Ministério Público Federal.
Entretanto, segundo a decisão, o órgão superior recusou-se a arquivar o procedimento sob o argumento da “gravidade dos fatos” e da existência de “elementos bastantes” para manutenção das investigações baseadas na aludida carta anônima. Foi então que, em abril de 2009, um terceiro membro do Ministério Público Federal resolveu “judicializar” a investigação para obter de algum Juiz a quebra de sigilo bancário dos investigados e, assim, abrir outra linha de investigação.
Ou seja, mesmo reconhecida a regularidade fiscal dos investigados, partiu-se para a quebra do sigilo bancário, situação que à evidência confunde-se com ato de devassa da vida alheia. E, somente em razão da necessidade do concurso do Judiciário para a obtenção de dados bancários, é que o procedimento deixou de ser secreto.
E só assim, após ter o pedido de quebra do sigilo bancário negado pelo Juiz, é que o Ministério Público Federal desistiu da pretensão e solicitou o arquivamento do feito por ausência de indícios de materialidade do delito.
Fatos como este demonstram o quão temerária é a realização de investigações por uma instituição que atua sem qualquer espécie de controle e que maneja expediente investigatório sem regras específicas e sem prazo para a sua conclusão.
A questão é muito grave, especialmente diante do quadro atual de fragilização do Poder Legislativo, em que o Ministério Público Federal precipita-se a investigar os chamados “atos secretos” do Senado Federal, quando em suas próprias dependências se encontram métodos inconstitucionais de investigações.
O fato de se recorrer a tais expedientes inominados de investigação demonstra, à saciedade, que o Ministério Público não recebeu da Constituição Federal a atribuição de proceder investigações diretas na área penal. Não é de hoje que temos observado procedimentos informais de investigação conduzidos em instrumento sem forma, sem controle e sem prazo, condições totalmente contrárias ao regime jurídico vigente.
Essa usurpação da atividade investigatória pelo Ministério Público somente gera incerteza e insegurança. Não podendo prosperar em um estado que tem como regime político-jurídico o denominado “Democrático de Direito”. Ademais, é direito de todo cidadão se ver investigado pelas instituições oficialmente consagradas na Constituição Federal, as Polícias Judiciárias.
IX – DAS CONCLUSÕES
Reforça-se aqui que o presente estudo foi realizado com base nos dispositivos constitucionais que circundam a matéria, bem como nos princípios e mandamentos intuitivos que originam e fundamentam o sistema adotado pela Constituição Federal.
Dessa forma, o trabalho esclareceu os ditames constitucionais do sistema adotado, não se perquirindo a conveniência de alteração das regras estabelecidas, uma vez que, em plena cogência, devem ser fielmente obedecidas.
Não se adentrou no presente trabalho, também, em generalizações indevidas, injustas e injustificadas que não servem de argumento para dar azo a usurpação de atribuições constitucionalmente pré-fixadas, como por exemplo, o argumento de que “não é raro ver-se policiais envolvendo-se com o crime organizado, em atos de corrupção, bem como cometendo abuso de poder”, uma vez que esse envolvimento não é apenas da polícia.
Uma das características do crime organizado está no envolvimento de autoridades públicas das mais diversas carreiras, inclusive no Ministério Público e no Poder Judiciário, uma vez que isso está mais ligado a questões da personalidade e do caráter de cada indivíduo do que ao cargo que ocupam.
Ademais, não são poucos os que sustentam que o fato de a polícia estar na linha de frente da investigação criminal contribui para a contaminação de alguns de seus elementos, e não é garantido que, se o Ministério Público assumisse tal condição, ficaria imune aos mesmos riscos.
O fato é que não se pode conferir às instituições oficiais do Estado, atribuições maiores do que a Constituição Federal expressamente previu. Ao Ministério Público, assim, compete defender a sociedade como um todo. Defender principalmente quem não tem quem o defenda, como o índio, a natureza e o consumidor. Por essa razão foi dada ao Ministério Público a importante missão de perseguição do ilícito civil. Entretanto, conforme se demonstrou, não há uma palavra em favor da possibilidade do Ministério Público proceder a investigações diretas no âmbito criminal.
Não se pode conceber uma sociedade na qual qualquer órgão, sem expressa autorização legal, realize investigações, construa dossiês ou produza levantamentos sobre a esfera íntima do cidadão, com o condão de devassar-lhe, de maneira irreparável, a privacidade.
O nosso legislador sempre adotou o sistema no qual a Polícia Judiciária é a responsável pela investigação criminal. Ao Ministério Público, por sua vez, incumbe o papel de acusar. Nos moldes deste sistema é que reside a segurança jurídica do cidadão, pois a atividade da Polícia Judiciária é desenvolvida e formalizada na figura do inquérito policial, previsto e sistematizado em nossa legislação processual penal, que conta com mecanismos de controle pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.
Nesse diapasão, é inadmissível que o Ministério Público, como parte acusadora no processo penal, também funcione como investigador e produza a “sua” prova, em nítido prejuízo à defesa. E pior, mediante instrumento não previsto em lei, sem prazo, tramitação, controle externo, forma ou fiscalização.
A PEC 37/2011 não pretende a exclusividade nas investigações de modo geral, apenas defende-se a preservação das atribuições das Polícias Judiciárias na produção de investigações criminais de delitos comuns, preservada a prerrogativa do Ministério Público de requisitar e acompanhar as investigações criminais e de produzir o seu próprio inquérito civil.
Afinal, uma sociedade na qual qualquer órgão pode invadir a esfera de intimidade do cidadão mostra-se extremamente insegura e instável, correndo o risco de nos desviarmos dos princípios republicanos e criarmos uma “ditadura de dossiês”.
A investigação de crimes não está incluída no círculo das atribuições legais do Ministério Público e apenas um segmento dessa honrada instituição entende em sentido contrário, sem razão.
O exercício da atividade de investigação criminal pelo Ministério Público, sem qualquer amparo legal, não engrandece nem fortalece a instituição. Muito pelo contrário, apenas faz esmorecer a imagem do “fiscal da lei”, que deveria zelar pela sua fiel observância, notadamente dos preceitos constitucionais. Essa pretensão ilegítima, apenas enaltece o seu apetite por um poder que não lhe foi conferido.
O combate à criminalidade não é uma tarefa fácil. Os desafios que enfrentamos são sérios e são muitos. Dessa forma, para que possamos auferir a maior eficiência possível nessa luta, as instituições oficiais devem trabalhar em harmonia, em prol de um objetivo comum. Devemos ter noção do importante papel desempenhado por cada uma de nossas instituições nesse processo, e não ficar apontando armas entre si.
Devemos unir esforços para o aprimoramento e a evolução de todos os órgãos integrados do estado, para que cada qual tenha condições de desempenhar as suas atribuições da melhor forma e dentro das regras constitucionais previstas. Nesse passo, seria melhor, e mais sensato, se o Ministério Público, em vez de usurpar uma atribuição que não lhe foi conferida, lutasse ao lado das Polícias Judiciárias para a obtenção das garantias constitucionais de que já gozam os seus membros. Isso sim seria uma ação em prol do interesse público.
A atuação conjunta e independente do Ministério Público e da Polícia Judiciária é o único caminho que conduzirá ao sucesso na guerra travada contra o crime. Mas isso deve ser efetivado de modo que cada instituição saiba respeitar as atribuições das demais. O desrespeito institucional entre os entes estatais somente favorece os criminosos e mais ninguém. Enquanto esse mal – ou será medo – não for curado, a criminalidade continuará crescendo e as instituições estatais continuarão cegas para o futuro e para si mesmas.
DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social & Portal Nacional dos Delegados