Segurança pública não se faz com PECs — cumpre-se com lei, estrutura e vontade política

No Brasil, há um padrão que se repete com frequência alarmante: a cada nova crise na segurança pública, o clamor social por segurança é respondido, quase sempre, com propostas simbólicas, discursos de ocasião e, agora, com uma tentativa de reformar

Por Editoria Delegados

No Brasil, há um padrão que se repete com frequência alarmante: a cada nova crise na segurança pública, o clamor social por segurança é respondido, quase sempre, com propostas simbólicas, discursos de ocasião e, agora, com uma tentativa de reformar a Constituição por meio da Proposta de Emenda à Constituição nº 18.
A PEC pretende alterar os artigos 21, 22, 23, 24 e 144 da Constituição Federal, reorganizando as competências da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na área de segurança pública. Na prática, porém, o que se propõe é a centralização de atribuições na União, como se a crise de segurança fosse meramente uma falha de distribuição de competências — e não, como de fato é, o resultado de omissões sucessivas, subfinanciamento crônico e ausência de gestão eficaz.
A Constituição não pode continuar sendo tratada como um caderno de rascunhos. Como se alterar o texto constitucional fosse solução mágica  para resolver impasses complexos que a própria União se recusa a enfrentar de forma séria. Isso não é política pública. É improviso.
A verdade é que não faltam leis. Falta cumpri-las.
A Lei nº 13.675/2018, que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), atribuiu à União três responsabilidades cruciais: formular a Política Nacional de Segurança Pública (art. 3º), elaborar e implementar o Plano Nacional (art. 15), e coordenar a atuação integrada entre os entes federativos, com metas e resultados definidos (art. 22).
Passados mais de sete anos de sua promulgação, pergunta-se: quantos dos objetivos traçados pela lei foram implementados de fato?
A resposta é incômoda.  O que se viu foi a criação de um sistema sem estrutura, sem diretrizes claras em operação e sem articulação real com os Estados e Municípios.
O SUSP existe no papel, mas não se efetiva na prática. A União editou a lei — mas não a cumpre.
O mesmo se observa na Lei nº 11.343/2006, a Lei de Drogas, cujos artigos 8-A e 8-D preveem ações coordenadas e intersetoriais de prevenção, repressão e reinserção social. Na realidade, temos fronteiras vulneráveis, Polícia Federal desaparelhada e ausência de políticas nacionais articuladas. O crime avança com tecnologia de ponta e estrutura internacionalizada.
O Estado, por outro lado, responde com efetivos reduzidos, ferramentas analógicas e cortes sucessivos no orçamento.
O próprio ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ao anunciar mês passado concurso para 2 mil novos policiais federais, reconheceu que o efetivo da PF se mantém no patamar de 13 mil agentes — número que apenas recompõe uma defasagem histórica, sem gerar real expansão operacional.
Mesmo assim, a PEC propõe ampliar as atribuições da PF para apuração de infrações com repercussão interestadual ou internacional, ao mesmo tempo em que esvazia competências das polícias civis e militares. Isso não apenas desrespeita a realidade institucional dos Estados como ignora o já conhecido gargalo de efetivo da própria PF.
Outro ponto desconcertante da proposta é a mudança de nome da Polícia Rodoviária Federal para “Polícia Viária Federal”, que, segundo cálculos estimados, pode custar mais de R$ 250 milhões ao erário. Uma reforma estética e simbólica que exigiria novos uniformes, viaturas, sinalização, aeronaves e sem qualquer comprovação de ganho real para a segurança pública.
PECs não são ferramentas para responder à emoção popular. São instrumentos constitucionais graves, que devem ser usados com responsabilidade, parcimônia e base em diagnósticos técnicos. Alterar a Constituição antes de implementar o que já foi aprovado por lei é, no mínimo, incoerente.
A segurança pública brasileira carece de medidas concretas e imediatas, como:

•unificação dos bancos de dados entre as forças policiais;

• protocolos de atuação conjunta, com respeito à competência constitucional de cada instituição;

• capacitação integrada e contínua dos profissionais de segurança;

• padronização das estatísticas criminais por território;

• e, sobretudo, um piso nacional de financiamento — tal como já existe para saúde e educação.
Enquanto a União continuar falhando em cumprir sua parte, desviando o foco para reformas constitucionais que ignoram a realidade operacional das instituições, qualquer tentativa de reestruturação será, antes de tudo, inócua. Pior: poderá aprofundar a desarticulação federativa e a sobreposição de competências.
A solução para a crise da segurança pública não está em retóricas, slogans ou mudanças de nomenclatura. Está na efetiva aplicação das leis já existentes, no fortalecimento das instituições e na articulação real entre os entes da Federação. Está, sobretudo, no respeito à inteligência e à coragem dos profissionais que enfrentam a criminalidade todos os dias, muitas vezes sem respaldo, sem equipamento, sem apoio e — o mais grave — sem orçamento.
Enquanto isso não for prioridade, toda PEC será uma cortina de fumaça.
Raquel Gallinati é Delegada de Polícia, pós-graduada em Ciências Penais, em Direito de Polícia Judiciária e em Processo Penal; mestre em Filosofia , Diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL).
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