Por que tanta violência no carnaval?

Por Luiz Flávio Gomes No Brasil todo, neste carnaval, os relatos dão conta do aumento da violência: mais mortes e tiroteios em Salvador, estupros e roubos no Rio de Janeiro, violência policial em São Paulo… é a explosão da violência por toda parte! O carnaval de Salvador registrou um crescimento de 10% do número de […]

Por Editoria Delegados

Por Luiz Flávio Gomes

No Brasil todo, neste carnaval, os relatos dão conta do aumento da violência: mais mortes e tiroteios em Salvador, estupros e roubos no Rio de Janeiro, violência policial em São Paulo… é a explosão da violência por toda parte! O carnaval de Salvador registrou um crescimento de 10% do número de lesões corporais leves em relação ao ano passado; ocorreram duas mortes, além de 21 feridos com disparos de armas de fogo – sete vezes mais que em 2014.

 

O governador da Bahia, Rui Costa (PT), afirma que a separação dos foliões que pagam por cordas (e abadás) é (também) causa da violência (Folha 15/2/15); as cordas são utilizadas como delimitador de espaço entre aqueles foliões que pagaram por um abadá e os que optaram por seguir os trios sem a roupa VIP, que em muitos casos chega a custar mais de R$ 1.000. Para o governador, as cordas comprimem o folião que está de fora, resultando em brigas. O carnaval, com suas distinções de classes que acompanham grandes conglomerados de pessoas, se converteu num retrato trágico doapartheid social (ou seja, da hierarquização da sociedade brasileira): há os camarotizados (detentores dos melhores lugares, mas também os mais caros), os cordanizados (os que podem pagar por um abadá) e o grupo tido como a ralé da pipocação (o que não pode pagar, que fica excluído dos melhores lugares, o que gera desconforto e indignação). A ralé da pipocação, como se vê, é a que está fora do camarote, fora da corda, fora da saúde, da educação de qualidade, do trabalho seguro, da moradia decente, do consumo despreocupado.

 

Considerando-se que vivemos no continente mais violento do planeta (30 assassinatos para cada 100 mil pessoas) e num dos países que mais assassinam pessoas (Brasil é o 12º mais violento no ranking mundial), território onde praticamente não existe o império da lei, nem tampouco educação de qualidade, toda grande concentração de pessoas num espaço territorial angusto constitui nitroglicerina pura.

 

A explicação biológica e psicopatológica para isso é a seguinte (veja Somos una espécie violenta?, coordenado por David Bueno: 133 e ss.): os humanos somos tribalistas (nos identificamos com as pessoas do nosso grupo e não nutrimos simpatia nem empatia com os demais, com “os outros”); toda tribo se considera diferente das outras e deseja ser percebida dessa maneira (Garrett Hardin); a tribo da “camarotização” tem ojeriza das outras; a tribo da “cordanização” não tem empatia com “os outros” (sobretudo com a ralé da pipocação).

 

As classes sociais, em países gritantemente demarcados pelo apartheid de origem escravizante, são tribos inconfundíveis (e normalmente inimigas). Toda tribo possui uma dupla moral: julga os comportamentos dentro do seu grupo de uma maneira e se valem de outras réguas (e padrões) para julgar os “demais”; seus membros são complacentes com os “de dentro” e (muito) rigorosos “com os de fora”; o assédio sexual de um membro da tribo A é valorado de forma bem diferente frente a outro da tribo B; são membros da mesma tribo os que compartilham a mesma língua, os antepassados, o território, a ideologia, a mesma religião ou etnia, o mesmo time de futebol ou partido político e, nos países com longa tradição escravagista, a mesma classe social; a tribo camarotizada não se identifica com a tribo cordanizada, que não se identifica com a tribo tida como a patuleia da pipocação. A grande maioria das tribos divide o mundo entre os que pertencem ao seu grupo e os que integram os “outros”. Desde crianças já manifestamos preferência pelo nosso grupo e desconfiança, preconceito, medo e hostilidade frente aos demais.

 

Quando o tribalismo (particularmente o fundado na hierarquização social de viés escravagista ou na divisão de gangues) interage com os sistemas cerebrais de dominação e depredação, a agressividade e a violência explodem com muita facilidade. Quem ocupa status mais baixo e acredita que tem o direito de também integrar o mais alto, tem intenso ressentimento assim como “inimigos”, que acabam sendo considerados culpados pelo seu baixo status social. Este ressentimento leva à violência (ou mesmo a guerras entre países ou extermínios coletivos). E o inverso também ocorre: quem tem alto status pode atuar com agressividade e violência contra os “outros” para reforçar seu hipotético domínio. O tribalismo (como explicam os autores do livro citado: Somos una espécie violenta?) não explica todo tipo de violência, mas constitui um fator importante nas condutas humanas agressivas (p. 135). Outro fator relevante é o territorialismo (demarcação de território), que também se faz presente no carnaval, cujos espaços físicos são totalmente demarcados (o pessoal camarotizado não se mescla com os demais e os cordanizados não aceitam a invasão da patuleia).

 

Também é certo que nem todas as pessoas se comportam consoante as características comuns do tribalismo. Em muitos não há a agressividade típica da dominação social. Eles são humanistas, pacifistas e respeitadores dos direitos humanos universais. O mais macabro aspecto do tribalismo reside, no entanto, nadesumanização dos membros dos outros grupos. Chegados a esse ponto, os “outros” não mais são considerados humanos dotados de direitos (daí a mutilação, a tortura, o extermínio sem nenhum sentimento de culpa). A destruição do “inimigo” (do outro) passa a ser um prazer, um desfrute (como no tempo do Homo caçador-coletor); não podemos esquecer que durante 95% da existência do Homo sapiens ele foi caçador-coletor (p. 135). Mesmo tendo havido mudanças genéticas desde a descoberta da agricultura (10 mil anos atrás), nossas pulsões, propensões e necessidades, nossa constituição biológica intrínseca segue sendo basicamente a de um primata caçador-recoletor. O tribalismo com a ativação do sistema cerebral de recompensa (de prazer, de satisfação) que produz a conduta depredadora pode explicar a crueldade humana contra os que não pertencem ao nosso grupo (incluindo-se a pena de morte). “Salvo que uma educação esmerada tenha contido os impulsos naturais, o humano desfruta da caça e do ato de matar” (S. Washburn). A caça gera prazer (tanto quanto o castigo do outro). O espetáculo público da tortura e da morte acontece para que todos possam desfrutar disso (para o prazer coletivo). O caçador tem prazer de caçar e de matar os integrantes dos outros grupos (diz J. Goodall).

 

Sobre o autor:

LUIZ FLÁVIO GOMES

Leia mais sobre este artigo aqui: http://institutoavantebrasil.com.br/por-que-tanta-violencia-no-carnaval/

Confira todos os artigos do professor Luiz Flávio Gomes no www.luizflaviogomes.com

 

DELEGADOS.com.br
Revista da Defesa Social & Portal Nacional dos Delegados

 

 

Veja mais

Delegados do Piauí, Pará, Goiás, Bahia e São Paulo concluem curso de Gerenciamento de Crises e reforçam estratégias de segurança pública no Brasil

O conhecimento adquirido pelos cinco delegados será disseminado em suas respectivas corporações, servindo de base para novos programas de capacitação interna e projetos de integração entre estados, voltados à prevenção

Sorteio de Assinaturas Anual e Vitalícia do Portal Delegados para sindicalizados do Sindelpol Rio de Janeiro

Sorteio de Assinaturas Anual e Vitalícia do Portal Delegados para delegados de polícia associados e sindicalizados!

Sorteio de Assinaturas Anual e Vitalícia do Portal Delegados para associados da Adepol Paraná

Sorteio de Assinaturas Anual e Vitalícia do Portal Delegados para delegados de polícia associados e sindicalizados!

SSP-PI deflagra operação contra empresas suspeitas de lavar dinheiro para facção criminosa

(PI) Polícia Civil mapeou mais de 70 empresas envolvidas no esquema, incluindo postos, construtoras, distribuidoras, transportadoras e até fintechs

Márcio Dominici segue, pela 2ª vez seguida, na Lista dos Melhores Delegados de Polícia do Brasil! Censo 2025

A escolha dos melhores delegados consolida, para sempre, os nomes e as histórias dos delegados e das delegadas. Promove valorização do cargo, reconhecimento na carreira, identificação de competência, visibilidade dos

Sorteio de Assinaturas Anual e Vitalícia do Portal Delegados para associados da Adepol Maranhão

Sorteio de Assinaturas Anual e Vitalícia do Portal Delegados para delegados de polícia associados e sindicalizados!

Adriano Chohfi segue, pela 2ª vez seguida, na Lista dos Melhores Delegados de Polícia do Brasil – Censo 2025

A escolha dos melhores delegados consolida, para sempre, os nomes e as histórias dos delegados e das delegadas. Promove valorização do cargo, reconhecimento na carreira, identificação de competência, visibilidade dos
Veja mais

Pedro Ivo entra na Lista dos Melhores Delegados de Polícia do Brasil! Censo 2025

A escolha dos melhores delegados consolida, para sempre, os nomes e as histórias dos delegados e das delegadas. Promove valorização do cargo, reconhecimento na carreira, identificação de competência, visibilidade dos

Bruno Zanotti segue, pela 4ª vez, na Lista dos Melhores Delegados de Polícia do Brasil – Censo 2025

A escolha dos melhores delegados consolida, para sempre, os nomes e as histórias dos delegados e das delegadas. Promove valorização do cargo, reconhecimento na carreira, identificação de competência, visibilidade dos

Cristiano Ritta é aprovado, mais uma vez, na lista dos Melhores Delegados de Polícia do Brasil – Censo 2025

A escolha dos melhores delegados consolida, para sempre, os nomes e as histórias dos delegados e das delegadas. Promove valorização do cargo, reconhecimento na carreira, identificação de competência, visibilidade dos

Paulo Ênio segue, pela 2ª vez seguida, na Lista dos Melhores Delegados de Polícia do Brasil! Censo 2025

A escolha dos melhores delegados consolida, para sempre, os nomes e as histórias dos delegados e das delegadas. Promove valorização do cargo, reconhecimento na carreira, identificação de competência, visibilidade dos

Flávio Craveiro está entre os Melhores Delegados de Polícia do Brasil! Censo 2025

A escolha dos melhores delegados consolida, para sempre, os nomes e as histórias dos delegados e das delegadas. Promove valorização do cargo, reconhecimento na carreira, identificação de competência, visibilidade dos

Aneilton Castro segue, pela 2ª vez seguida, na Lista dos Melhores Delegados de Polícia do Brasil! Censo 2025

A escolha dos melhores delegados consolida, para sempre, os nomes e as histórias dos delegados e das delegadas. Promove valorização do cargo, reconhecimento na carreira, identificação de competência, visibilidade dos

A tragédia previsível da autodefesa improvisada com spray de pimenta

IMG_0031
Por Raquel Gallinati
Veja mais

Não é possível copiar este conteúdo.