Compulsoriedade da raspagem de cabelo do preso e os aspectos jurídicos que permeiam a discussão

Por Joaquim Leitão Júnior Título original do artigo: “A compulsoriedade da raspagem de cabelo no sistema prisional pátrio e os aspectos jurídicos que permeiam a discussão” Alguns taxaram de medieval, primitivo e degradante, a raspagem compulsória dos recém-figurões presos no

Por Editoria Delegados

Por Joaquim Leitão Júnior

 

Título original do artigo:
“A compulsoriedade da raspagem de cabelo no sistema prisional pátrio e os aspectos jurídicos que permeiam a discussão”

 
Alguns taxaram de medieval, primitivo e degradante, a raspagem compulsória dos recém-figurões presos no desdobramento da Operação Lava Jato, na “Operação Eficiência”, sob o argumento de que o cabelo é parte da identidade da pessoa e a obrigatoriedade da raspagem de cabelo para ingresso do preso no sistema prisional afrontaria o princípio da dignidade humana.

 

Outros apoiaram as medidas sob o pretexto de que “regras são regras” e o preso que violou o sistema jurídico deve submeter-se às regras do cárcere, fazendo analogias ao recrutado do Exército.

 

O fato é o que o tema em apreço divide opiniões e rende infindáveis discussões com pontos de vistas jurídicos diferentes.

 

Sem tomar como partido qual lado seria o correto, é noticiado nos bastidores que um dos motivos de se raspar o cabelo do preso é para evitar ocultação de objetos cortantes com a finalidade de ferir guardas entre os cabelos, bem como para transportar e serem entregues a outros presos, ou mesmo para se matar.

 

Além disso, se fala também que a medida visa resguardar o aspecto de higiene e padronização do grupo prisional visando, inclusive, a identificação visual do preso em caso de tentativa de fuga. Nesse ponto, sob o pálio constitucional para essa corrente a medida visaria tutelar a segurança interna dos estabelecimentos prisionais, segurança do preso, proteção à vida e a saúde.

 

Vale anotar que, essa prática além de obrigatória para militares, também é usual em monastérios pelos monges budistas e etc – embora sejam situações distintas.

 

A raspagem de cabelo no sistema prisional é algo cultural e até então nunca havia chamado à atenção da classe jurídica, até que os alvos presos mudassem de cor e classe social.

 

De outro giro, os defensores da inconstitucionalidade e inconvencionalidade do ato compulsório de raspar a cabeça, se agarram no fato de que isso seria tratamento degradante e absurdamente desumano, além de ser uma espécie de arbitrariedade e antecipação da pena sem previsão legal com nítida violação ao princípio da dignidade da pessoa humana.

 

Aliado a isto, a compulsoriedade na raspagem de cabelo do preso feriria um importante detalhe na esfera do indivíduo preso: o livre arbítrio com a privação do relevante traço de sua identidade! Essa corrente ainda prega que não haveria qualquer lógica ou representatividade dessa raspagem de cabelo obrigatória para o encarceramento e suas finalidades, constituindo mais nítido efeito marginalizador promovido pelo Estado.

 

No ano de 2003, em um emblemático caso apreciado pela Corte Europeia de Direitos Humanos, a Bulgária foi considerada violadora de normas internacionais que proíbem a prática de tortura e tratamento degradante e desumano aos presos, porquanto determinou que o senhor, TodorAntimovYankov, tivesse o seu cabelo cortado compulsoriamente (caso Yankov vs. Bulgária), caso semelhante ao que ocorre no sistema prisional brasileiro.

 

Não se pode olvidar que o Brasil é signatário de Tratados e Convenções Internacionais com previsão semelhante, como é o caso do Pacto de São José da Costa Rica e devem ser observados, lembrando que nenhum direito pode ser exercido de forma abusiva.

 

Diante da atualidade do debate e do relevo do precedente europeu, cita-se trechos da referida decisão que poderia ser aplicável ao caso brasileiro:

 

“112. Uma característica particular do tratamento em questão – A RASPAGEM FORÇADA DO CABELO DE UM PRISIONEIRO – consiste na mudança forçada da aparência de uma pessoa pela remoção do seu cabelo. A pessoa tratada dessa maneira provavelmente experimentará um SENTIMENTO DE INFERIORIDADE UMA VEZ QUE SUA APARÊNCIA FÍSICA É TRANSFORMADA CONTRA A SUA VONTADE. (…). 114. A Corte, portanto, considera que a raspagem forçada do cabelo de detentos é fundamentalmente um ato que pode ter o efeito de inferiorizar a dignidade dos prisioneiros ou despertar sentimentos de inferioridade capazes de humilhá-los ou os degradar. (…) 117. A Corte, portanto, considera que, mesmo que a intenção não seja a de humilhar, A REMOÇÃO DO CABELO DE UM DETENTO SEM JUSTIFICATIVA ESPECÍFICA CONTÉM, EM SI, UM ELEMENTO DE PUNIÇÃO ARBITRÁRIA e, dessa maneira provavelmente representará, aos olhos do detento, um ato que tem como objetivo sua degradação ou subjugação”.

 

No Brasil, temos julgados, por exemplo, do Tribunal de Justiça de São Paulo, proibindo a prática de raspagem compulsória de jovens adolescentes que ingressam na Fundação Casa. Veja:

 

“APELAÇÃO. Ação Civil Pública Imposição de impedimento à Fundação Casa de raspar o cabelo dos adolescentes internados. Direito coletivo caracterizado Adequação da ação civil pública Legitimidade ativa da defensoria pública. Possibilidade jurídica Inexistência de violação ao princípio da separação dos poderes. Violação ao livre desenvolvimento da personalidade dos adolescentes e ao Direito à dignidade (um dos fundamentos da nossa República) – Pretensão respaldada em normas da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Possibilidade de cominação de multa diária à Fazenda Pública Sentença mantida. Recurso a que se nega provimento” (TJSP – Apelante: Fundação Centro de Atendimento Sócio Educativo ao Adolescente (Fundação Casa) Apelada: Defensoria Pública do Estado Comarca: Vara da Infância e Juventude de Ribeirão Preto – SP).

 

De outra banda, se tem a decisão advinda do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para presos adultos que, foi diametralmente oposta das anteriores (se permitindo) o corte compulsório do cabelo por parte do sistema prisional. Analisemos:

 

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMANDA ATRAVÉS DA QUAL SE OBJETIVA SEJA DECLARADA A PROIBIÇÃO DE SUBMISSÃO DOS PRESOS SOB CUSTÓDIA DA SECRETARIA ESTADUAL DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E DA SECRETARIA DE ESTADO DE SEGURANÇA PÚBLICA AO CORTE DE CABELO E DE BARBA COMPULSÓRIOS, BEM ASSIM A CONDENAÇÃO DO ENTE ESTATAL EM OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA MATERIAL PARA A MANUTENÇÃO DO ASSEIO PESSOAL DOS PRESOS CUSTODIADOS NAS UNIDADES PRISIONAIS SOB A RESPONSABILIDADE DOS ÓRGÃOS REFERIDOS, EM FREQUÊNCIA E QUANTIDADE COMPATÍVEIS COM DITA FINALIDADE. […] MEDIDA QUE NÃO IMPLICA EM OFENSA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL, PRIVACIDADE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA QUE INTEGRAM O ELENCO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CIDADÃO BRASILEIRO. EMPREGO DA TÉCNICA DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES. ASSEIO PESSOAL DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA, O QUE PERPASSA PELO CORTE DE CABELO E BARBA, QUE CONSTITUI PROVIDÊNCIA INDISPENSÁVEL AO CONTROLE DA PROLIFERAÇÃO DE PRAGAS E DOENÇAS, QUE, SABIDAMENTE, ENCONTRAM CONDIÇÕES PROPÍCIAS EM GRANDES AGLOMERAÇÕES. DIREITO DE TODA A POPULAÇÃO CARCERÁRIA, DOS FUNCIONÁRIOS QUE LÁ DESEMPENHAM SUAS FUNÇÕES, E PORQUE NÃO DIZER, DA PRÓPRIA COLETIVIDADE, A UM AMBIENTE SADIO, MANTENDO-SE UM NÍVEL MÉDIO DE HIGIENE, COM A CONSEQUENTE DIMINUIÇÃO DO RISCO DE DOENÇAS, SEM QUE TAL IMPLIQUE EM INDIGNIDADE DO PRESO. PROVIDÊNCIA QUE, ADEMAIS, PERMITE A MANUTENÇÃO DA ORDEM E DISCIPLINA NO INTERIOR DAS UNIDADES PRISIONAIS, BEM ASSIM A DIGNA APRESENTAÇÃO PESSOAL DO PRESO PERANTE SEUS PARES E SEUS FAMILIARES”. (TJRJ – Ação: 0315505-67.2011.8.19.0001 Protocolo: 3204/2013.00367687 – APELANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO APELADO: ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROC. EST.: CRISTIANO FRANCO MARTINS Relator: DES. CRISTINA TEREZA GAULIA Revisor: DES. HELENO RIBEIRO PEREIRA NUNES).

 

Conclusão

 

Como se pode ver, estamos diante um tema sensível, com pontos de vistas diferentes e que reclama uma maior reflexão e debate da comunidade jurídica.

 

Sobre o autor

Joaquim Leitão Júnior é Delegado de Polícia Civil de Mato Grosso, lotado na Regional de Barra do Garças.

 

 

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