Acordos de Cooperação Premiada. Polícia e o Ministério Público

Por Afranio Silva Jardim Embora não tenha tratado diretamente deste tema, em algumas poucas ocasiões, cheguei a me manifestar contra a autorização, dada pela lei n.12.850/13, para que a Polícia Federal ou a Polícia Civil dos Estados firmassem acordos de cooperação premiada com os indiciados. Aliás, acredito que a doutrina majoritária também se posiciona […]

Por Editoria Delegados

Por Afranio Silva Jardim

Embora não tenha tratado diretamente deste tema, em algumas poucas ocasiões, cheguei a me manifestar contra a autorização, dada pela lei n.12.850/13, para que a Polícia Federal ou a Polícia Civil dos Estados firmassem acordos de cooperação premiada com os indiciados.

 

Aliás, acredito que a doutrina majoritária também se posiciona desta forma, vale dizer, contra a citada autorização legislativa. O argumento central é no sentido de que a polícia, não sendo sujeito processual, não pode dispor, total ou parcialmente, do que não lhe pertence, ou seja, o impropriamente chamado “jus puniendi”.

 

Entretanto, recente notícia, divulgada em conceituado site jurídico, nos informa que a Polícia Federal teria ultimado um determinado acordo de cooperação premiada com um indiciado no caso conhecido como o “Mensalão Mineiro”. O teor deste acordo me fez mudar o entendimento anterior, conforme justifico abaixo.

 

Se a matéria jornalística estiver precisa, coloco-me inteiramente de acordo com o entendimento da Polícia Federal, que dá ao acordo de delação premiada a necessária limitação. Afasta o absurdo do “negociado sobre o legislado”…

 

Entendo que a forma restritiva, implementada pela Polícia Federal, pode afastar a alegação de inconstitucionalidade da lei n.12.850/13, na parte em que permite à polícia realizar tais acordos de cooperação premiada.

 

Nos acordos firmados pela Polícia Federal, estariam sendo adotados os critérios que sempre sustentamos em nossos textos publicados no site Empório do Direito: o acordo não fixa uma pena determinada, mas somente o grau de sua redução. Tudo o mais dependerá da futura decisão judicial, quando for prolatada a sentença de mérito.

 

Nesta correta fórmula, competirá ao juiz, na sua sentença condenatória, aplicar a pena, segundo critérios legais e examinar a eficácia da colaboração para, então, realizar a redução da pena convencionada.

 

Assim, fica afastada a controvérsia relativa à vinculação da pena prevista no acordo após a homologação judicial. A vinculação, se é que existe, fica restrita à quantidade da redução, após o juiz fixar a pena base, nos termos do art.59 do Código Penal.

 

Vale dizer, o acordo não fixa ou já determina a pena e o seu regime de cumprimento. Ao Poder Judiciário, com exclusividade, é que compete aplicar e individualizar as penas e seus regimentos, consoante previsão do Código Penal e da Lei de Execução Penal.

 

Assim, a sentença penal continua sendo o único título executório no processo penal. Não se executa pena com base em negócios jurídicos processuais, ainda que homologados em juízo.

 

É importante notar que o modelo dos acordos de delação realizados pela Polícia Federal impede que sejam convencionadas cláusulas que contrariem o nosso sistema legislado, penal e processual penal.

 

Um determinado negócio jurídico processual não pode substituir a atividade jurisdicional do Estado. Como se sabe, em nosso sistema constitucional, vigora o inafastável princípio “nulla poena sine judicio”. O Poder Judiciário não pode ser afastado da sua competência de individualizar a pena, após regular processo.

 

Vale repetir: na forma adotada pela Polícia Federal, o acordo não pode “inventar” prêmios e criar regimes de penas não autorizados pelo nosso Direito. Nele não constariam também cláusulas que extrapolassem o objeto da investigação. Tais ilegalidades são comuns nos acordos firmados pelo Ministério Público Federal.

 

Entretanto, acho que a Polícia Federal não pode acordar em relação ao indesejável prêmio de o Ministério Público não oferecer a sua denúncia. Ninguém pode dispor do que não tem, ou seja, titularidade para a ação penal pública condenatória.

 

Aliás, tenho sustentado que a regra que, indiretamente, adota o princípio da oportunidade para crime de qualquer gravidade, praticado no seio de uma organização criminosa, é inconstitucional por dois motivos:

 

1) Viola o princípio da proibição de proteção deficiente, por parte do Estado, dos bens jurídicos tutelados pela Constituição Federal;

 

2) O artigo 98, inc. I, da Constituição só permite a discricionariedade, em nosso sistema de justiça criminal, para as infrações de pequeno potencial ofensivo.

 

Enfim, abaixo, de forma mais didática, apresento resumo do meu entendimento sobre o que acabamos de sustentar:

 

1) Entendo que as Polícias Federal e Civil, quando estiverem realizando a atividade de polícia judiciária, poderão firmar acordos de cooperação premiada com os indiciados (apenas no inquérito policial), podendo oferecer somente os prêmios previstos no caput do art.4 da lei n.12.850/13.

 

Na eventual sentença condenatória, o juiz do processo de conhecimento deverá fixar a pena de prisão, nos termos do art.59 do Cod. Penal e, depois, fazer a redução prevista no acordo, levando em linha de conta a eficácia da colaboração. Se a redução permitir, o magistrado deve conceder o regime aberto para o cumprimento da pena de liberdade, conforme conste do acordo homologado judicialmente.

 

De qualquer forma, os prêmios devem obedecer às regras do Direito Penal, da Lei de Execução Penal e do Código de Processo Penal.

 

2) Entendo que o acordo de cooperação premiada feito com a Polícia tem relativa eficácia, desde que homologado judicialmente. Tal homologação deve ser precedida de manifestação do Ministério Público.

 

Por outro lado, este primeiro acordo não impede que o Ministério Público possa fazer outro com cláusulas mais benéficas para o investigado colaborador como, por exemplo, o perdão judicial. Evidentemente, o investigado não aceitaria fazer novo acordo em seu desfavor.

 

3) Entendo, ainda, que o acordo não deve estipular a pena e seu regime de pena, conforme o Ministério Público tem feito na chamada “Operação Lava Jato”.

 

Ao juiz, ao Poder Judiciário, é que compete condenar os réus e individualizar as respectivas penas. Neste aspecto, está certa a Polícia Federal em seus acordos de cooperação premiada. Sendo assim, e somente se for assim, o juiz ficaria vinculado à redução prevista no acordo, que seria quantificada em decorrência da maior ou menor eficácia da colaboração. Lógico que o juiz não estará impedido de anular e desconsiderar o acordo ilegal ou alguma cláusula que contrarie o nosso Direito Penal ou Processual Penal. A homologação judicial não faz coisa julgada material.

 

4) Os acordos de cooperação da Polícia Federal estão corretos ao prever apenas a redução máxima da pena. Quem individualiza as penas, em nosso sistema jurídico, é o Poder Judiciário. Redução de 2/3 da pena já é um prêmio que deve estimular o eventual colaborador. Pena alta de 12 anos, reduzida de 8 anos, fica em 4 anos, o que permite regime aberto.

 

Entretanto, se o investigado não se sentir estimulado a fazer o acordo, o problema é dele. O Estado deve ter a necessária competência para investigar os crimes.

 

O que não podemos admitir é o “negociado sobre o legislado”, mormente quando estamos trabalhando com o Direito Público, Direito Penal e Processual Penal.

 

5) Se o Ministério Público discordar do acordo firmado pela Polícia e o indiciado, poderá apelar da pena aplicada pelo juiz na sua sentença condenatória.

 

A toda evidência, poderá também impugnar a decisão homologatória do acordo, caso fique alguma ilegalidade. Igual legitimidade recursal também há de ser reconhecida aos ofendidos (vítimas das infrações penais abrangidas pelo acordo).

 

Termino, parabenizando a Polícia Federal por estar demonstrando ao Ministério Público Federal a forma correta de se lograr uma colaboração premiada, ou seja, através de acordos que obedeçam ao nosso sistema jurídico. Não deixa de ser uma importante contribuição ao nosso combalido Estado Democrático de Direito.

 

Sobre o autor:

Afranio Silva Jardim é professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente de Direito Processual (Uerj). Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/degu_andre/6311755061

 

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode

 

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