A inconstitucionalidade da tese do STJ sobre incompatibilidade do furto mediante repouso noturno com as qualificadoras (furto qualificado)

Recentemente em sede de recursos especiais repetitivos (Tema 1.087), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou o entendimento que a causa de aumento de pena pela prática de furto no período noturno (artigo 155, parágrafo 1º, do Código Penal) não incide na forma qualificada do crime (artigo 155, parágrafo 4º, do CP), argumentando a questão […]

Por Editoria Delegados

Recentemente em sede de recursos especiais repetitivos (Tema 1.087), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou o entendimento que a causa de aumento de pena pela prática de furto no período noturno (artigo 155, parágrafo 1º, do Código Penal) não incide na forma qualificada do crime (artigo 155, parágrafo 4º, do CP), argumentando a questão da topografia dos tipos.

O furto mediante repouso noturno tem a razão de ser causa de aumento de pena, por ser justamente um período que há diminuição da vigilância pelo titular ou responsável sobre a propriedade e posse (e para alguns até a detenção) da coisa alheia móvel.

Noutro vértice, o furto qualificado parte de uma gravidade ainda maior que o legislador visualizou, como se fosse um “plus”, partindo o preceito secundário para patamares mais gravosos no apenamento em abstrato desta conduta.

Assim, quis o legislador ordinário prescrever condutas com causa de aumento de pena e qualificada, sem vedar expressamente a aplicação simultânea (mens legis).

De mais a mais, em que pese não desconhecer o julgado em sede de recursos especiais repetitivos (Tema 1.087) pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que estabeleceu que a causa de aumento de pena pela prática de furto no período noturno (artigo 155, parágrafo 1º, do Código Penal) não incide na forma qualificada do crime (artigo 155, parágrafo 4º, do CP)[1], entendemos com todo respeito equivocado o posicionamento, por falta de razoabilidade e proporcionalidade, já que equipara como menos grave ou de igual gravidade, um fato de furto qualificado e com causa de aumento de pena ao mesmo tempo (com qualificadoras compatíveis), com um fato de furto apenas contendo a causa de aumento de pena, com as mesmas consequências.

Obviamente que, o fato de furto qualificado e com causa de aumento de pena é mais grave, porém o Superior Tribunal de Justiça (STJ) equivocadamente ignorou isso, dando o mesmo tratamento, ferindo princípios constitucionais caros ao Estado Democrático Direito como o direito à propriedade e à segurança pública (além da proporcionalidade e razoabilidade), criando uma proteção deficitária desses bens juridicamente tutelados.

Argumento centrado apenas de que o parágrafo 1º se refere à pena de furto simples, prevista no caput do artigo 155 do CP, e não à do furto qualificado, não parece adequada para rechaçar a aplicação simultânea dos dispositivos. Somado a isto, argumentar que a lei descreveu três parágrafos depois do parágrafo 1º a se referir à pena de furto simples, prevista no caput do artigo 155 do CP, e não à do furto qualificado, seria impensável o legislador inserir essa “técnica” ao parágrafo 1º do artigo 155 após a pena atribuída à forma qualificada do delito – o que não ocorreu.

Com todo respeito e deferência ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas nesse ponto acaba por conferir nesse prisma um tratamento inadequado, ilegal por ignorar a vigência da lei e posicionamento inconstitucional por ferir o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, além de vulnerar direitos constitucionais a segurança pública e direito à propriedade.

Aliás, levar a cabo esse entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) teríamos reflexos em outros tipos penais como homicídio, roubo dentre outros, caminhando-se para um verdadeiro laxismo e anomia penal.

Frisa-se que, a indigitada decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acima não possui efeito vinculante, razão pela qual motivadamente e justificadamente deve ser refutada.

O próprio Supremo Tribunal Federal comunga do posicionamento de que a causa de aumento do repouso noturno se coaduna com o furto qualificado quando compatível com a situação fática.

No que tange ao entendimento da possibilidade de convivência da causa de aumento de pena com as qualificadoras, desde que observadas as compatibilidades (o que se verifica “in casu”), o Supremo Tribunal Federal também endossa este entendimento que diverge da posição da Corte da Cidadania, senão vejamos:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE FURTO QUALIFICADO. ARTIGO 155, § 4 º, I, DO CÓDIGO PENAL. INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO REPOUSO NOTURNO NO FURTO QUALIFICADO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. REDISCUSSÃO DOS CRITÉRIOS DE DOSIMETRIA DA PENA. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. REITERAÇÃO DAS RAZÕES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A causa de aumento do repouso noturno se coaduna com o furto qualificado quando compatível com a situação fática. Precedente: HC 130.952, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 20/2/2017; RHC 172.782, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 22/8/2019. 2. A dosimetria da pena, bem como os critérios subjetivos considerados pelos órgãos inferiores para a sua realização, são insindicáveis na via estreita do habeas corpus, por demandar minucioso exame fático e probatório inerente a meio processual diverso […] [grifos nossos].

Das considerações finais

Por derradeiro, notamos que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) conferiu um tratamento inadequado, ilegal por ignorar a vigência da lei e posicionamento inconstitucional por ferir o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, além de vulnerar direitos constitucionais a segurança pública e direito à propriedade.

Ademais, a fim de demonstrar o equívoco do STJ, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) comunga do posicionamento de que a causa de aumento do repouso noturno se coaduna com o furto qualificado quando compatível com a situação fática.

Desta forma, aguarda-se que o tema em sede de repetitivo seja revisto pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a justiça sendo restabelecida, para se evitar o verdadeiro laxismo e anomia penal.

Notas e referências:

[1] O ministro apontou que o parágrafo 1º se refere à pena de furto simples, prevista no caput do artigo 155 do CP, e não à do furto qualificado, descrita três parágrafos depois.

Segundo Noronha, para que fosse considerada aplicável essa majorante no furto qualificado, o legislador deveria ter inserido o parágrafo 1º do artigo 155 após a pena atribuída à forma qualificada do delito – o que não ocorreu.

Sobre o autor

Joaquim Leitão é delegado de Polícia Civil em Mato Grosso.

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