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Escutas da Polícia Federal mostram como presos em operação fraudavam o DPVAT

por Editoria Delegados

Prejuízo pode chegar a R$ 28 milhões; 40 foram presos

 

Escutas autorizadas pela Justiça mostram como funcionava o esquema de fraudes do DPVAT descoberto pela Polícia Federal (PF). Em operação realizada nesta segunda-feira (12), foram presas 40 pessoas em MG, RJ e BA – entre elas policiais, profissionais de saúde, advogados, um diretor de hospital e empresários.
O G1 teve acesso aos áudios nesta terça-feira (14). As conversas sugerem a participação de cada um dos envolvidos no esquema, que pode ter levado a pagamentos indevidos do benefício na ordem de R$ 28 milhões, segundo o Ministério Público e Polícia Federal.

De acordo com as investigações, os fraudadores tinham informações provilegiadas de pacientes que davam entrada nos hospitais e poderiam ser requerentes do DPVAT – seguro pago a vítimas de acidentes com veículos.

Documentos falsos

Em uma conversa, um homem liga para o proprietário de uma empresa que agenciava possíveis beneficiários do seguro e providenciava os documentos falsos, para dar entrada no benefício.

Homem: “Cê colocou uma funcionária pra trabalhar pro cê, na (nome do hospital) gado?”
Empresário: ” Não!”
Homem: “Uá, porque ela vai me entregar o prontuário segunda-feira.”
Empresário: “Mas não espalha não (rindo)…Depois nós vamos combinar com ela o salário né.”
Homem: “Num espaia não. Não, pode negoçar, pode mandar todos pra ela lá agora, manda tudo, que é tudo rapidim. Os processo vai tudo andar, que agora, pra pedir prontuário médico agora lá, é depois de trinta dias.”
Envolvimento de policiais e advogados
Outra irregularidade apontada na investigação é a confecção de boletins de ocorrência com informações falsas. Para fazer isto, policiais cobravam um percentual.
Vítima: Beleza, eu queria saber como é que tá o processo aí moço.”
Funcionário: “Fez boletim de ocorrência, passou na consulta?”
Vítima: ”Na consulta ai eu já passei uá.”
Funcionário: “E o boletim de ocorrência?”
Vítima: “Uá o boletim de ocorrência foi combinado que dos cês… eu pagar a porcetagem que você pediu pra vocês ajeitar.”

Delegado

Em outro diálogo, outro empresário conversa com uma mulher. O diálogo mostra os envolvidos falando sobre a participação o de um delegado.

Empresário: “Cê não tem nenhum amigo lá ne Brasília?”
Homem: “Brasilinha?”
Empresário: “É, eu consegui…O negócio é o delegado, eu tenho que conversar com delegado aí…”
Homem: “O daqui, o daqui tá indo embora, tá parecendo que vai perder o cargo.”
Empresário: “A é? Ótimo. É isso que eu ia pegar…”
Homem: “Foi terceiro que me falou, não é certeza não, mas ele tá sumido daqui, mas tá parecendo que ele vai perder o cargo, eu fiquei sabendo por alto.”
Empresário: “Vou dar uma ligada pra ele, só de sujesta. Vou falar com ele…Você me conhece, tal e tá acontecendo isso lá na ponte (São João da Ponte) entendeu? Mas é o que falei, ele é complicado. Ele quer dinheiro… Ele quer dinheiro, agora, se mudar o delegado fica mais fácil… Fica mais fácil pelo seguinte, porque cê chega no delegado, é igual aqui em Montes Claros, eu tô fazendo o daqui de Montes Claros, sabe como? Eles tão fazendo dez (BO) pra mim, por semana, mas só que eu tô pagando 100 pau (R$ 100) cada BO, e, e, vamo colocar: Até o delegado tá envolvido, isso não é bom nem conversar no telefone não…”

Processos

A partir da falsificação dos boletins, os advogados envolvidos também elaboravam os processos e acionavam a Justiça, chegando a entrar com o mesmo caso em várias comarcas. Em algumas situações, segundo os órgãos de investigação, vítimas de acidente assinavam procurações dentro do próprio hospital.

Em outros, as assinaturas eram falsificadas, e as vítimas sequer tinham conhecimento de que os dados delas estavam sendo usados para acionar o Judiciário.
Devido ao número de processos, os juízes começaram a encaminhar alguns dos casos para os órgãos de investigação. Apenas em Montes Claros, maior cidade do Norte de Minas Gerais, 10 mil dos 60 mil processos que estão sendo analisados, são referentes ao DPVAT.

Profissionais de saúde e empresários

Escutas mostram a participação de médicos e fisioterapeutas nas fraudes. Em alguns casos, laudos médicos eram emitidos sem que os pacientes fossem examinados, em outros, a lesão apresentada, quando existente, não correspondia com o que era atestado.

Casos em que houve ferimentos causados em brigas, partidas de futebol e discussões entre maridos e mulheres eram maquiados e transformados em acidentes de trânsito.

Funcionária de empresa: “Não deu para você fazer a perícia dia 29, ontem?”
Suposta vítima: “Não deu não, porque eu não tô em Montes Claros, não.”
Funcionária: “Hum, tá. A gente fez a perícia sem você. A gente fez a, a, a, negócio lá com o médico, aí cê aguarda uns dias, que a gente entra em contato, pra saber se o pagamento saiu, tá bom?”
Suposta vítima: “Tá, mas eu não precisava tá, não?”
Funcionária: “Sim, mas só que a gente conseguiu fazer… Tá bom? Aí cê aguarda que a gente entra em contato com você.”

Em outro diálogo, uma vítima reclama que um ferimento na perna direita foi relatado no laudo pela seguradora como sendo na perna esquerda.
Suposta vítima: “É que eu fui ligar, porque eu abrir um processo lá né, e aí eu recebi, a seguradora Líder pediu pra mim fazer a perícia amanhã, tá me ouvindo? Aí, hoje eu fui lá e peguei o relatório, pra entregar amanhã pra eles. Só o quê que acontece: O relatório aqui, da perícia dá, dá seguradora e da Santana, tá escrito que a fratura foi na perna esquerda e na do hospital, tá na direita, por isso que eles me chamaram.”

Empresário: “E qual que é o certo?”
Suposta vítima: “A direita”.
Empresário: “A do hospital.”
Suposta vítima: “A do hospital, que eu fiz lá, e prontuário… Tá com a perna direita, que houve a fratura da perna direita, o relatório seu…”
Empresário: ” Que fraturou foi a perna direita e o relatório meu tá falando a perna esquerda né?”
Suposta vítima: “Com a perna esquerda. É por isso, que talvez é por esse motivo que eles pediram pra fazer a perícia de novo. E amanhã, como é que eu vou falar com ele?”
Empresário: “Onde é que vai ser a perícia sua?”
Suposta vítima: “Em frente ao HU, tá escrito aqui.”
Empresário: “Ah não, lá o médico lá é meu chegado. Aí você faz o seguinte: Você passa lá no escritório que eu te levo lá, entendeu? Eu já mando fazer.

Um dos três fisioterapeutas presos conversa com uma mulher e fala que está em uma cidade do Norte de MG e vai para outra, com o objetivo de “fazer atendimentos”.

Fisioterapeuta: “Tô indo lá em São Francisco agora.”
Mulher: “É, eu fui ontem, ele falou, ia pra lá, né, pra fazer.”
Fisioterapeuta: “Brasília de Minas tem 60.”
Mulher: “Lá tem? Ah não, mas pelo menos compensa de uma viagem né? Pra ir lá e fazer 30, aí num dá, né?”
Fisioterapeuta: “30 já compensa. Vou atender 100 pessoas hoje.

Conivência de seguradora

O delegado Marcelo de Freitas, da PF, destacou durante a coletiva dessa segunda-feira que o DPVAT tem natureza de contribuição parafiscal, ou seja, o cidadão faz os pagamentos e a seguradora Líder, privada, é responsável por gerir este recurso.

“Acreditamos que neste momento estamos começamos a tangenciar no coração do núcleo empresarial das fraudes ao seguro, patrocinadas por aquele que, efetivamente, administra o DPVAT em todo o território nacional. Não temos dúvidas de que somente com a atuação omissiva da principal seguradora que atua no ramo é que as fraudes estão ocorrendo”, afirmou Freitas.

O posicionamento dos envolvidos

Por e-mail, a seguradora Líder esclareceu que a quadrilha identificada pela PF age contra os beneficiários do DPVAT, ao cobrar deles para ter acesso ao seguro ou mesmo apropriar-se dos recursos, e, contra a seguradora, ao produzir documentos fraudados.

A seguradora disse ainda que os envolvidos não integram os quadros da empresa e aciona as autoridades ao suspeitar de fraudes.

Os representantes das Polícia Civil, Militar e da Ordem dos Advogados do Brasil estiveram na coletiva e destacaram que irão acompanhar as investigações e não são coniventes com atos ilícitos.

 

G1

 

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