Atestado médico falso: como identificar e as consequências para médicos e funcionários

A apresentação de um atestado médico falso pode ocorrer de duas formas: material ou ideológica. No primeiro caso, trata-se da emissão do documento por uma pessoa sem habilitação médica, configurando exercício ilegal da medicina, o que demanda sanções legais. Já a falsidade ideológica envolve médicos devidamente credenciados que emitem atestados sem respaldo profissional legítimo, prática vedada pelo Código de Ética Médica (CEM) nos artigos 80 e 81.

Falsidade ideológica no atestado médico

O Código de Ética Médica reconhece duas modalidades de falsidade ideológica em atestados emitidos por médicos habilitados:

Atestado sem exame médico prévio ou sem prontuário correspondente

Conforme o artigo 80 do CEM, a emissão de atestados sem a realização de um exame clínico que o justifique caracteriza infração ética. A ausência de um prontuário médico legível é suficiente para evidenciar a inexistência do ato médico, pois o artigo 86 do CEM exige que o prontuário seja devidamente elaborado para cada paciente.

Atestado com informações tendenciosas ou inverídicas

O artigo 80 também define como infração o atestado que exagera na condição do paciente ou apresenta diagnóstico falso. Exemplos incluem laudos que indicam doenças graves inexistentes para justificar ausências no trabalho ou outros compromissos.

Atestado emitido para obtenção de vantagens

No artigo 81 do CEM, considera-se ilícita a emissão de atestados para favorecer pacientes ou captar clientela. Isso inclui casos em que o médico cobra para fornecer atestados fraudulentos ou vincula a emissão de um documento à obtenção de benefícios financeiros, como a liberação de um atestado de óbito sem acompanhamento médico prévio.

Repercussões legais para o médico e o funcionário

A falsificação de atestados médicos acarreta consequências tanto para o profissional da saúde quanto para o funcionário que utiliza o documento. Conselhos Regionais de Medicina (CRM) frequentemente investigam suspeitas de fraudes. Em 2014, por exemplo, o CRM da Bahia apurou 599 denúncias, das quais 183 foram confirmadas como atestados falsos.

Além da violação ao Código de Ética Médica, a prática também contraria dispositivos legais, como:

Constituição Federal (art. 5º, inciso XIII) – Garante que a atividade médica só pode ser exercida por profissionais devidamente habilitados.

Código Penal (art. 302) – Prevê sanções para quem fornece atestados falsos.

Código Civil (art. 187 e 186) – Caracteriza a prática como ato ilícito e passível de indenização.

Responsabilidade da empresa e possibilidade de ação judicial

O uso de atestado médico falso causa prejuízos diretos às empresas, que podem ingressar com ações indenizatórias contra o médico emissor, pleiteando:

Danos materiais, incluindo:

• Pagamento de salário e encargos ao funcionário afastado indevidamente.

• Pagamento de salário e encargos para substituição temporária do funcionário.

• Redução da produtividade devido à ausência do titular e à menor eficiência da mão de obra substituta.

Danos morais, fundamentados na violação da imagem e honra da empresa, conforme previsto na Constituição Federal (art. 5º, inciso X), Código Civil (art. 52) e Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Como identificar um atestado médico falso?

O Conselho Federal de Medicina (CFM) lançou o Atesta CFM, plataforma online que vai reunir atestados médicos emitidos em todo o Brasil. A iniciativa é do com o objetivo de coibir a prática de crimes. A partir de março de 2025, só serão aceitos atestados emitidos através do programa.

Atesta CFM vai emitir qualquer tipo de atestado, como os de saúde ocupacional, afastamento e acompanhamento. Médicos poderão acompanhar se suas assinaturas estão sendo fraudadas, enquanto as empresas vão se certificar de que os documentos apresentados por funcionários são verdadeiros. A plataforma também vai conter os históricos dos pacientes de forma gratuita.

Segundo o Conselho Federal de Medicina, a ferramenta “responde a uma necessidade da sociedade em geral, que sofre as consequências de inúmeras fraudes no processo de emissão de atestados médicos”. Apenas neste ano, o Cremeb recebeu 1.505 solicitações de veracidade de atestados. Dessas, 203 foram identificados como falsos – o que representa 13% do total.

A identificação de atestados falsos pode ser desafiadora, pois, em alguns casos, blocos e carimbos são furtados de consultórios médicos. Contudo, a empresa pode adotar medidas para verificar a autenticidade do documento:

Conferência da legibilidade do atestado;

Verificação do nome completo do paciente;

Observação do tempo de afastamento recomendado;

Confirmação da assinatura, carimbo e registro do médico (CRM);

Identificação de inconsistências, como dados ausentes sobre a clínica ou hospital;

Presença de rasuras ou indícios de falsificação na assinatura e carimbo;

Embora a ausência do Código Internacional de Doenças (CID) em um atestado médico não seja indicativo de falsidade, um CID inexistente pode levantar suspeitas.

Implicações legais da falsificação de atestado médico

A utilização de um atestado médico falso não se limita à demissão por justa causa, pois a prática é enquadrada como crime pelo Código Penal:

Uso de documento falso (art. 304 do Código Penal) – O trabalhador que apresentar um atestado falso pode ser processado criminalmente, com pena equivalente à da falsificação.

Falsidade material (art. 297 do Código Penal) – Se o funcionário adulterar o documento para ampliar o período de afastamento, a pena pode variar de dois a seis anos de reclusão, se for documento público (ex.: SUS), ou de um a cinco anos, se for documento particular.

Falsidade de atestado médico (art. 302 do Código Penal) – A emissão de um atestado falso por um médico pode levar a pena de um mês a um ano de detenção, além de multa, caso tenha sido feito para obtenção de lucro.

Outros Crimes Relacionados

Em situações mais graves, funcionários e médicos podem responder por crimes como:

Estelionato e sonegação fiscal – Se o atestado falso for utilizado para obtenção de benefícios indevidos, como isenção de Imposto de Renda, saque do FGTS ou aposentadoria fraudulenta, os envolvidos podem ser enquadrados na Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária.

O que fazer ao suspeitar de um atestado falso?

A falsidade ideológica em atestados médicos ocorre quando um médico habilitado emite um documento verdadeiro em termos formais, mas com informações inverídicas, atribuindo ao paciente uma doença inexistente para justificar sua ausência no trabalho. Para detectar esse tipo de fraude, é necessário adotar técnicas avançadas que envolvem análise documental, investigação do comportamento do funcionário, verificação junto a órgãos médicos e, quando necessário, ações disciplinares e legais. A seguir, apresentamos um conjunto abrangente de estratégias para identificar e comprovar a falsidade de um atestado médico.

1. Análise Minuciosa do Documento

A primeira etapa para detectar um atestado ideologicamente falso é analisar detalhadamente o documento. Ele deve conter todos os elementos essenciais: legibilidade, identificação completa do paciente, tempo de afastamento recomendado, assinatura e carimbo do médico, além do número de registro profissional (CRM). Erros de formatação, rasuras ou informações inconsistentes podem ser indícios de fraude. Além disso, a ausência do nome da instituição onde o atendimento ocorreu ou a falta de informações sobre a especialidade do médico devem ser analisadas com atenção.

2. Verificação do Registro do Médico no CRM

Mesmo que o documento tenha sido assinado por um médico real, é fundamental verificar se o profissional está devidamente registrado. A empresa pode acessar o site do Conselho Regional de Medicina (CRM) do estado correspondente e consultar o número do registro informado no atestado. Caso o número seja inexistente, pertencente a outro profissional ou cancelado, isso pode indicar fraude. Se a empresa suspeitar de irregularidade, pode entrar em contato diretamente com o CRM para verificar se há denúncias anteriores contra o médico.

3. Contato com o Médico e a Clínica

Se houver dúvidas sobre a veracidade do atestado, a empresa pode entrar em contato com o médico emissor por meio de uma solicitação formal para confirmar se o atendimento realmente ocorreu. O profissional não pode revelar detalhes sobre o diagnóstico sem a autorização do paciente, mas pode confirmar se houve consulta médica no dia e local indicados. Se o médico negar a emissão do atestado ou demonstrar resistência em confirmar a informação, isso pode reforçar a suspeita de falsidade ideológica. Além disso, a empresa pode contatar a clínica ou hospital onde o atendimento supostamente ocorreu para verificar se há registro da consulta no sistema.

4. Investigação do Comportamento do Funcionário

A análise do comportamento do funcionário antes e depois da apresentação do atestado é um método eficaz para detectar fraudes. Se ele alegar uma doença incapacitante, mas for visto realizando atividades físicas intensas, participando de eventos sociais ou viajando durante o período de afastamento, isso pode indicar falsidade no documento. Redes sociais são ferramentas valiosas nesse processo, pois publicações feitas pelo funcionário podem contradizer sua condição médica. Além disso, o histórico de atestados apresentados deve ser analisado para identificar padrões suspeitos, como afastamentos sempre em dias estratégicos, como segundas e sextas-feiras.

5. Compatibilidade do Diagnóstico com o Atestado

A empresa pode consultar médicos do trabalho para verificar se o tempo de afastamento indicado no atestado é compatível com a doença mencionada (quando houver CID). Algumas enfermidades exigem exames laboratoriais ou de imagem para confirmação, e se o diagnóstico informado não tiver respaldo clínico, pode ser um indício de fraude. A perícia médica da empresa pode ser utilizada para avaliar se há sintomas compatíveis com a doença alegada. Caso o funcionário se recuse a passar pela avaliação pericial, isso pode reforçar a suspeita de falsidade ideológica.

6. Cruzamento de Dados e Histórico de Saúde

Uma técnica avançada para detectar atestados fraudulentos é o cruzamento de dados do histórico do funcionário. A empresa pode analisar se o trabalhador já apresentou atestados médicos semelhantes, se há recorrência no uso de afastamentos médicos ou se os atestados foram emitidos sempre pelo mesmo profissional. Além disso, planos de saúde e sistemas de prontuário eletrônico podem ser consultados para verificar se o funcionário realmente passou por atendimentos médicos compatíveis com a doença declarada no atestado.

7. Consulta à Clínica ou Hospital

Caso o atestado tenha sido emitido por uma instituição médica, a empresa pode entrar em contato para verificar se há registro de atendimento ao funcionário no dia informado. Muitas clínicas mantêm cadastros detalhados de consultas realizadas, e a ausência de registros pode ser uma prova de que o documento foi emitido sem um exame médico real. Algumas instituições podem, inclusive, fornecer laudos de comparecimento que comprovam se o paciente esteve no local.

8. Encaminhamento para Perícia Médica

Se houver fortes indícios de que o atestado é ideologicamente falso, a empresa pode encaminhar o funcionário para uma perícia médica independente. O médico perito analisará a condição clínica do trabalhador e determinará se o afastamento foi realmente necessário. Caso o funcionário se recuse a comparecer à perícia, a empresa pode considerar isso como um indício de fraude e tomar medidas disciplinares.

9. Medidas Disciplinares e Demissão por Justa Causa

Se a falsidade ideológica do atestado for comprovada, a empresa pode aplicar penalidades ao funcionário, incluindo a demissão por justa causa, conforme previsto no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A apresentação de documento falso é considerada falta grave e pode justificar o desligamento imediato. Para evitar questionamentos na Justiça do Trabalho, a empresa deve reunir todas as provas antes de formalizar a demissão.

10. Ações Legais Contra o Médico e o Funcionário

A falsificação de atestado médico pode acarretar consequências criminais tanto para o funcionário quanto para o médico que emitiu o documento fraudulento. O artigo 302 do Código Penal prevê pena de detenção de um mês a um ano para médicos que emitem atestados falsos. Caso o médico tenha recebido dinheiro ou outra vantagem para emitir o documento, a pena pode ser aumentada com a aplicação de multa. Já o funcionário que usa um atestado falso pode responder por falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) e uso de documento falso (art. 304 do Código Penal), com pena que pode chegar a seis anos de prisão.

11. Denúncia ao Conselho Regional de Medicina

Se for comprovado que o médico emitiu um atestado falso de forma intencional, a empresa pode denunciar o profissional ao Conselho Regional de Medicina (CRM). O CRM pode instaurar um processo administrativo contra o médico, que pode resultar em sanções disciplinares, advertência formal ou até mesmo a cassação do seu registro profissional. Para que a denúncia seja aceita, é necessário apresentar provas concretas da fraude, como a negativa do médico em confirmar o atendimento ou a ausência de registros da consulta.

12. Prevenção e Conscientização

Para evitar problemas futuros, as empresas podem adotar medidas preventivas, como a implementação de um sistema de verificação de atestados médicos e a realização de palestras sobre ética no trabalho. Ter um canal interno de denúncias anônimas também pode ajudar a identificar funcionários que utilizam atestados falsos de forma recorrente.

A falsificação de atestado médico é uma infração grave que gera consequências éticas, civis e criminais tanto para o médico emissor quanto para o funcionário que faz uso do documento falso. A empresa prejudicada pode buscar indenização e, em alguns casos, levar o caso à esfera penal. Para evitar riscos, é fundamental que empregadores adotem procedimentos de verificação criteriosos antes de tomar decisões disciplinares.


Legislação Classificada

Código Penal

 

Falsidade de atestado médico

Art. 302 – Dar o médico, no exercício da sua profissão, atestado falso:

Pena – detenção, de um mês a um ano.

Parágrafo único – Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa.

       

Reprodução ou adulteração de selo ou peça filatélica

Art. 303 – Reproduzir ou alterar selo ou peça filatélica que tenha valor para coleção, salvo quando a reprodução ou a alteração está visivelmente anotada na face ou no verso do selo ou peça:

Pena – detenção, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único – Na mesma pena incorre quem, para fins de comércio, faz uso do selo ou peça filatélica.

       

Uso de documento falso

Art. 304 – Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:

Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.


Jurisprudência Classificada

RELATÓRIO MÉDICO EMITIDO POR PROFISSIONAL INVESTIGADO PELO FORNECIMENTO DE ATESTADOS FALSOS. EXTRAÇÃO DE CÓPIA E REMESSA DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ART. 40 DO CPP. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (…) Nos termos do voto condutor do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, os relatórios e prescrições médicas teriam sido firmados por indivíduo que foi preso em operação policial que investigava a emissão de atestados falsos para instruir habeas corpus que visassem à concessão de salvo-conduto para o plantio de maconha, sendo o que se requer na presente hipótese. Sem a emissão, por ora, de qualquer juízo de valor quanto à conduta do agravante, evidentemente esses relatórios e prescrições não podem e não serão aceitos por esta Corte Superior de Justiça. (…) À luz dos fatos acima descritos, na forma do art. 40 do CPP, foi determinada a extração de cópias e o encaminhamento ao Ministério Público Federal para apuração de possível prática de crime pelo agravante em concurso com o médico-assistente.” (STJ, AgRg no RHC 198124/SP, Ministro RIBEIRO DANTAS 1181, T5 – QUINTA TURMA, DATA DO JULGAMENTO, 02/09/2024).


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