Furto, roubo, receptação e interrupção de serviços: Breves comentários à Lei 15.181/2025

Por Rogério Sanches Cunha e Adriano Sousa Costa

Por Editoria Delegados

Furto qualificado por afetação de serviços públicos essenciais

“Art. 155.

(…)

§ 4º

(…)

V – contra quaisquer bens que comprometam o funcionamento de órgãos da União, de Estado ou de Município ou de estabelecimentos públicos ou privados que prestem serviços públicos essenciais.

(…)

§ 8º A pena é de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos e multa, se a subtração for de fios, cabos ou equipamentos utilizados para fornecimento ou transmissão de energia elétrica ou de telefonia ou para transferência de dados, bem como equipamentos ou materiais ferroviários ou metroviários, aplicável, em qualquer caso, o disposto no § 2º deste artigo.” (NR)

COMENTÁRIOS:

A Lei nº 15.181/2025 introduziu mudanças significativas no crime de furto (art. 155 do Código Penal), criando duas novas circunstâncias qualificadoras. A primeira, inserida no §4º, inciso V, prevê pena de reclusão de 2 a 4 anos para furtos de bens que comprometam o funcionamento de órgãos públicos ou estabelecimentos, públicos ou privados, que prestem serviços públicos essenciais. A segunda, prevista no §8º, estabelece pena de 2 a 8 anos para subtração de fios, cabos ou equipamentos utilizados para fornecimento ou transmissão de energia elétrica, telefonia, dados, bem como equipamentos ou materiais ferroviários ou metroviários.

Essas condutas passaram a receber tratamento mais rigoroso por sua capacidade de afetar diretamente serviços de relevância coletiva, exigindo, contudo, prova de que os bens estavam efetivamente em uso no sistema e que sua subtração causou impacto funcional.

O inciso V do §4º do art. 155 do Código Penal, introduzido pela Lei 15.181/2025, funciona como uma hipótese residual em relação ao §8º do mesmo artigo.

Embora em um sentido mais amplo o termo “bens” possa também abarcar fios, cabos e equipamentos, o enquadramento preferencial desses objetos está no §8º, que trata especificamente deles (fios, cabos ou equipamentos de energia, telefonia, dados e materiais ferroviários/metroviários).

Assim, o inciso V aplica-se aos demais bens cuja subtração comprometa o funcionamento de órgãos públicos ou estabelecimentos que prestem serviços essenciais — por exemplo:

  • Geradores de energia de hospitais ou unidades de saúde;
  • Equipamentos médicos vitais (respiradores, desfibriladores etc.);
  • Máquinas ou sistemas necessários para manter em funcionamento um serviço público essencial (como sistemas de tratamento de água ou de controle de tráfego aéreo).

Em síntese, o §8º (específico) aplica-se quando a subtração envolve fios, cabos e equipamentos ligados diretamente às redes de energia, telecomunicações, dados ou transporte; o §4º, V (residual), aplica-se a bens diversos que, embora não sejam fios, cabos ou equipamentos de rede, comprometam o funcionamento dos serviços essenciais.

O §4º do art. 155 do Código Penal (que traz as formas qualificadas de furto, inclusive o inciso V, introduzido pela Lei 15.181/2025) admite a aplicação da forma privilegiada, prevista no §2º do mesmo artigo, desde que presentes os requisitos legais (réu primário, pequeno valor da coisa subtraída e circunstâncias que recomendem a aplicação).

Essa possibilidade já está consolidada na Súmula 511 do STJ:

“É possível o reconhecimento do privilégio previsto no §2º do art. 155 do CP nas hipóteses de crime de furto qualificado, desde que presentes os requisitos do §2º do art. 155 do CP e a qualificadora seja de ordem objetiva.”

O inciso V do §4º (furto de bens que comprometam o funcionamento de serviços públicos essenciais) não veda essa coexistência, pois a qualificadora é de ordem objetiva. O novo §8º, por sua vez, que trata do furto de fios, cabos e equipamentos ligados à infraestrutura de serviços essenciais, expressamente reafirma a possibilidade de aplicação do privilégio do §2º, deixando claro que o legislador quis manter essa combinação, mesmo com penas mais elevadas.

Em suma, tanto o §4º, V quanto o §8º podem ser aplicados junto com o privilégio do §2º, desde que preenchidos os requisitos legais e desde que a qualificadora seja objetiva.

No §4º, inciso V, do art. 155 do Código Penal, a incidência da qualificadora depende de demonstração de que a subtração provocou efetivo comprometimento do funcionamento de órgãos públicos ou de estabelecimentos que prestem serviços públicos essenciais. O verbo “comprometer” exige a comprovação de abalo real à prestação do serviço, não bastando que o bem fosse apenas destinado a ele.

Já no §8º do art. 155, o legislador não exige prova de comprometimento funcional do serviço para que se configure a qualificadora. Basta que a subtração envolva fios, cabos ou equipamentos efetivamente utilizados nos sistemas de energia elétrica, telefonia, transmissão de dados, ou em operações ferroviárias ou metroviárias. Ainda assim, se houver prova de que a subtração causou prejuízo concreto ao serviço, tal circunstância pode ser considerada pelo magistrado na fixação da pena-base, nos termos do art. 59 do Código Penal, especialmente sob o vetor das consequências do crime.

Roubo qualificado por afetação de serviços públicos essenciais

Art. 157.

(…)

§ 1º-A A pena é de reclusão de 6 (seis) a 12 (doze) anos e multa, se a subtração for cometida contra quaisquer bens que comprometam o funcionamento de órgãos da União, de Estado ou de Município ou de estabelecimentos públicos ou privados que prestem serviços públicos essenciais.

§ 2º

(…)

VIII – se a subtração for de fios, cabos ou equipamentos utilizados para fornecimento ou transmissão de energia elétrica ou de telefonia ou para transferência de dados, bem como equipamentos ou materiais ferroviários ou metroviários.

COMENTÁRIOS:

No crime de roubo (art. 157 do Código Penal), a lei criou o §1º-A, que estabelece pena de 6 a 12 anos para casos em que a subtração envolva bens que comprometam o funcionamento de órgãos públicos ou estabelecimentos, públicos ou privados, que prestem serviços públicos essenciais. Além disso, incluiu-se no §2º, inciso VIII, uma nova causa de aumento para roubos envolvendo fios, cabos ou equipamentos ligados ao fornecimento ou transmissão de energia elétrica, telefonia, dados, ou materiais ferroviários e metroviários.

Aplicamos aqui praticamente tudo o que lecionamos nos comentários ao crime de furto.

Vale observar que, no crime de roubo (art. 157 do Código Penal), diferentemente do que ocorre no furto, a Lei 15.181/2025 estabeleceu tratamento penal distinto para duas situações. Quando a subtração recai sobre bens em geral que comprometam o funcionamento de órgãos públicos ou estabelecimentos que prestem serviços públicos essenciais, aplica-se a qualificadora do §1º-A, com pena de 6 a 12 anos de reclusão e multa, sendo indispensável comprovar que a conduta causou efetivo comprometimento funcional do serviço. Já quando a subtração envolve fios, cabos ou equipamentos efetivamente utilizados em redes de energia elétrica, telefonia, transmissão de dados, ou em sistemas ferroviários e metroviários, incide a majorante do §2º, inciso VIII, que aumenta a pena do roubo simples de 1/3 até metade, sem exigir prova do comprometimento funcional como elementar, embora tal consequência possa ser valorada pelo magistrado na dosimetria, à luz do art. 59 do Código Penal.

Receptação de fios, cabos e equipamentos de utilidade pública

“Art. 180.

(…)

§ 7º Se a receptação for de fios, cabos ou equipamentos utilizados para fornecimento ou transmissão de energia elétrica ou de telefonia, transferência de dados, ou de cargas transportadas em modais logísticos ferroviários ou metroviários, aplica-se em dobro a pena prevista no caput ou no § 1º deste artigo, conforme o caso.” (NR)

COMENTÁRIOS:

O art. 180 do Código Penal passou a contar com o §7º, que determina a aplicação em dobro da pena quando a receptação envolver fios, cabos ou equipamentos utilizados para fornecimento ou transmissão de energia elétrica, telefonia, dados, ou cargas transportadas em modais ferroviários e metroviários. A majoração reflete o entendimento de que a circulação e revenda de tais bens alimenta o ciclo criminoso de furtos e roubos contra a infraestrutura essencial, devendo-se aplicar a exasperação apenas quando os objetos estejam efetivamente integrados a serviços em operação.

No que tange ao crime de receptação (art. 180 do Código Penal), a Lei 15.181/2025 concentrou a punição agravada exclusivamente nos casos que envolvem a receptação de fios, cabos ou equipamentos efetivamente utilizados para fornecimento ou transmissão de energia elétrica, telefonia, transferência de dados, ou de cargas transportadas em modais ferroviários ou metroviários, determinando que a pena prevista no caput ou no §1º seja aplicada em dobro (§7º).

Na hipótese da receptação qualificada pelo §7º do art. 180 do Código Penal, a Lei 15.181/2025 não reproduziu expressamente os verbos nucleares característicos do tipo penal (“adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar”, entre outros). Ao limitar-se a mencionar genericamente a “receptação” de fios, cabos, equipamentos ou cargas descritos no dispositivo, o legislador remete ao conteúdo típico já previsto no caput do art. 180 (na forma própria e imprópria). Além disso, por força da remissão expressa à pena prevista no caput e no §1º, o §7º também alcança as condutas praticadas no contexto de atividade comercial ou industrial, como venda, exposição, manutenção em estoque ou facilitação do comércio de tais bens, hipóteses em que a pena base já é mais grave. Dessa forma, a majoração em dobro aplica-se a todas as modalidades de receptação previstas no art. 180, desde que o objeto seja um dos elencados (fios, cabos, equipamentos ou cargas em uso em sistemas de interesse coletivo).

Diferentemente do que ocorre no furto e no roubo, em que há também proteção a outros bens que comprometam o funcionamento de serviços públicos essenciais, a receptação agravada não abrange tais bens em geral, restringindo-se aos itens de infraestrutura mais suscetíveis de alimentar mercados paralelos e fomentar a cadeia criminosa que atinge diretamente a prestação de serviços coletivos estratégicos.

Interrupção de serviços de telecomunicações em situação de calamidade ou subtração ou dano à infraestrutura

“Art. 266.

(…)

§ 2º Aplicam-se as penas em dobro se o crime é cometido por ocasião de calamidade pública ou mediante a subtração, dano ou destruição de equipamentos utilizados na prestação de serviços de telecomunicações.” (NR)

COMENTÁRIOS:

Sob a rubrica dos crimes contra a incolumidade pública, temos o do art. 266 do Código Penal, que, embora nem sempre cause situação de perigo comum, atenta contra o interesse coletivo na continuidade da prestação dos serviços de telecomunicações, especialmente em tempos atuais, em que são largamente utilizados como forma de interação mundial.

A Lei nº 15.181/2025 incluiu no tipo penal o §2º, que prevê a duplicação das penas quando a interrupção ou perturbação de serviços de telecomunicações ocorrer durante calamidade pública ou mediante subtração, dano ou destruição de equipamentos utilizados na prestação desses serviços.

A norma não abrange fios e cabos isoladamente, focando exclusivamente em equipamentos em sentido técnico, e exige, como regra, demonstração do vínculo dos bens com a efetiva prestação do serviço.

Delitos alterados pela Lei 15.181/25 e o instituto da fiança

Em virtude da aplicação das majorantes e qualificadoras mencionadas, e com base no limite imposto pelo art. 322 do CPP, defeso o arbitramento da fiança policial nas variações de furtos e roubos tratadas na Lei n. 15.181/2025, mesmo quando tentados. No caso da alteração operada no art. 266, § 2º, do Código Penal, também não há possibilidade de arbitramento da fiança policial, salvo quando o crime for tentado.

Delitos alterados pela Lei 15.181/25 e o ANPP

Com exceção do crime de roubo, cometido com violência (própria ou imprópria) ou grave ameaça à pessoa, cuja pena mínima para a forma qualificada criada pela Lei 15.181/2025 é de 6 anos de reclusão, afastando de plano a aplicação do acordo de não persecução penal (ANPP), os demais delitos modificados pela lei — furto (§4º, V, e §8º do art. 155), receptação (§7º do art. 180) e interrupção de serviços de telecomunicações (§2º do art. 266) — possuem penas mínimas inferiores a 4 anos, enquadrando-se como infrações de médio potencial ofensivo.

Assim, em tese, admite-se a celebração do ANPP, nos termos do art. 28-A do CPP, desde que presentes os demais requisitos legais. Nesses casos, o Ministério Público deve analisar a viabilidade do ajuste e propor condições compatíveis com a gravidade do delito, destacando-se a reparação integral do dano causado às vítimas diretas, como concessionárias de serviços públicos ou usuários prejudicados, além de outras medidas que desestimulem a reincidência e assegurem a efetiva proteção dos serviços essenciais.

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