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Notícias sobre a Prescrição: golpe na impunidade?

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS
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JURÍDICO
Prescrição: golpe na impunidade?

Por Cristiano Augusto

JURÍDICO

Por Cristiano Augusto Quintas dos Santos

{loadposition adsensenoticia}O tema “Prescrição Penal” sempre foi pauta nas discussões, jurídicas ou não, por colocar em jogo a eficácia da Justiça e também da Polícia, que não podem perder esta corrida contra o relógio. Por outro lado, é necessário ressaltar, que a prescrição caminha lado a lado com o princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que não é justo que uma pessoa permaneça, pelo resto de sua vida, com a “espada de Dâmocles” sobre a sua cabeça, podendo ser punido a qualquer tempo por conduta cometida há muitos anos. Afinal, as pessoas mudam, os tempos mudam, o Direito muda.

Nos últimos dias, o tema voltou novamente à baila por conta de duas novidades: a Súmula nº 438, editada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, e a Lei 12.234/10, que altera algumas regras da prescrição. O tema é de suma importância para o conhecimento dos colegas, não só pelo interesse da mídia, mas notadamente porque as recentes inovações repercutem diretamente na fase do Inquérito Policial.

A Súmula 438 do STJ pacifica o entendimento no sentido de não se aceitar aquilo que a doutrina convencionou chamar de “prescrição virtual”, ou “prescrição antecipada”, ou ainda “prescrição em perspectiva”. O argumento dos defensores de tal modalidade de prescrição é baseada no “princípio da economia processual”: em determinado caso concreto, no momento da propositura da ação, o Ministério Público “imagina” qual será a pena que o réu, se condenado for, ficará sujeito e assim, com base nesta pena hipotética, já faz o cálculo do prazo prescricional, verificando, destarte, que a propositura da ação penal será de todo inútil, na medida em que, se condenado naquela pena imaginada, já se terá operado a prescrição; destarte, deixa de oferecer a denúncia, evitando a movimentação desnecessária da máquina estatal.

O argumento é sedutor, e este subscritor confessa que, em algumas oportunidades, já sugeriu o reconhecimento da “prescrição virtual” em inquéritos que corriam a longa data nas unidades policiais em que trabalhou, “enxugando” o número de inquéritos em andamento, a fim de priorizar outros inquéritos onde se verificava mais certeza na elucidação, porque referentes a crimes praticados recentemente. É notório que os crimes cometidos há muito tempo são de difícil elucidação, seja pela falta de interesse até da própria vítima ou de seus familiares, seja pela dificuldade na localização de testemunhas, por exemplo.

O STJ, contudo, ignorando os argumentos da economia processual, entendeu “inaceitável” o reconhecimento da “prescrição em perspectiva”. Os argumentos que ensejaram a edição da nova súmula foram dois: a uma, porque não existe previsão legal para tal aplicação e, assim, estaria o Juiz legislando, ao criar uma nova modalidade de prescrição. A duas, porque fere o princípio da presunção de inocência, posto que o réu “beneficiado” com a prescrição não vê resolvida, meritoriamente, a sua condição de “suspeito”, porque não pôde obter do Juiz Criminal a declaração de sua inocência (a extinção da punibilidade prejudica a análise de absolvição ou de condenação, conforme pacífica jurisprudência).

No nosso humilde entendimento, ambos os argumentos não são válidos. A alegação de falta de previsão legal pode ser derrubado em nome do princípio da economia processual que hoje encontra guarida na garantia constitucional da “duração razoável do processo”, previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal (não faz sentido arrastar-se longamente um processo que, desde o início, já estava fadado ao reconhecimento da prescrição). O argumento de que o reconhecimento da prescrição virtual fere o princípio da presunção de inocência também se mostra irrazoável: se fosse assim, nenhuma prescrição da pretensão punitiva poderia ser decretada, pois mesmo aquelas previstas em lei (prescrição em abstrato e a prescrição em concreto) impedem a apreciação da “inocência” do acusado.

Esperemos para saber qual será a recepção da referida Súmula que, por não ser vinculante, poderá ser contrariada pelos Juízes das instâncias inferiores.

Quanto às novidades trazidas pela Lei 12.234/2010, são elas de duas ordens: a primeira, elevando o prazo prescricional mínimo para 3 anos (agora, prescrevem em três anos os crimes e as condenações cujas penas sejam inferiores a 1 ano, quando, antes, tais penas estavam prescritas em 2 anos); e a segunda, que pode ser considerada como a “ferida de morte” da prescrição retroativa e até mesmo da “prescrição virtual”, pois estabelece que, após o trânsito em julgado para a acusação – leia-se: prescrição da pretensão punitiva em concreto – o momento inicial do prazo prescricional será a do recebimento da denúncia.

Antes da mudança, o intervalo entre a consumação do crime (ou o último ato de execução, se fosse crime tentado) e o recebimento da denúncia era considerado como mais um intervalo onde deveria se verificar a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva em concreto retroativa (ou seja, a prescrição calculada com base na pena aplicada na sentença sem recurso, ou com recurso improvido, por parte da acusação). Agora, sob a égide da nova Lei, sobre este período (entre o crime e a denúncia) não deve incidir o prazo prescricional em concreto (permanece, contudo, para este período, o cálculo da prescrição da pretensão punitiva em abstrato, aquele que leva em consideração a pena máxima do crime).

Tome-se, por exemplo, um furto simples, cujo suspeito é primário e lhe são inteiramente favoráveis as circunstâncias do art. 59 do Código Penal. Calculando-se a prescrição para este crime com base na pena máxima em abstrato (prescrição da pretensão punitiva em abstrato), chegaremos a um lapso prescricional de 8 anos. Suponha-se que entre o crime e o recebimento da denúncia tenha se passado 5 anos. Ainda hipoteticamente, suponha-se que após o recebimento da denúncia, passaram-se cerca de oito meses até a prolação da sentença, que acabou condenando o réu na pena mínima de 1 ano, em razão das circunstâncias favoráveis já mencionadas. O Ministério Público não recorreu, transitando em julgado para a condenação. Se considerarmos a pena máximo em abstrato, o prazo prescricional seria de 8 anos (4 anos de pena prescrevem em 8 anos) e, assim, não teria ocorrido a prescrição em nenhum dos dois períodos (entre o crime e a denúncia, “apenas” 5 anos; entre a denúncia e a sentença, apenas oito meses). Contudo, aplicando-se agora a prescrição da pretensão punitiva em concreto (porque presentes os seus requisitos), a pena de 1 ano fixada pelo juiz prescreve em 4 anos, de acordo com a regra do artigo 109, inciso IV, do Código Penal. Como entre a denúncia e a sentença de primeiro grau passaram-se apenas oito meses e o crime não estaria prescrito; entretanto, entre a consumação do crime e o recebimento da denúncia já se passaram cinco anos e, assim, estaria prescrita a pena e extinta a punibilidade do réu. Pelas novas regras, contudo, a prescrição em concreto somente poderia incidir no período compreendido entre a denúncia e a sentença condenatória, proibindo o legislador, expressamente, a ocorrência de tal tipo de prescrição no período compreendido entre o crime e a denúncia/queixa.

Vale ressaltar que, pelo que este subscritor vinha acompanhando, a hipótese mais comum de reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em concreto retroativa dava-se exatamente no período hoje proibido. Ou seja, por conta da demora na elucidação do crime (e, conseqüentemente, do término do inquérito e do oferecimento da denúncia), muitas vezes operava-se neste período a prescrição em concreto. Com a nova redação do art. 110, parágrafo primeiro, o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva em concreto não pode ser anterior à denúncia ou a queixa, ou seja, o período entre o crime e a denúncia não pode ser computado, “em nenhuma hipótese” (expressão da nova lei), para o cálculo e incidência de tal tipo de prescrição. Resultado prático: independente de quanto demore a investigação, não há que se preocupar com a prescrição em concreto, apenas com a prescrição em abstrato (a qual, diga-se, é extensa, posto que leva em consideração a pena máxima prevista no tipo penal).

Os comentários a respeito desta nova lei já são muitos, quase todos em aplauso à iniciativa. Há de se considerar, contudo, que a nova regra do art. 110 do Código Penal (assim como o aumento para três anos como menor prazo prescricional) é o reconhecimento e a confissão da ineficácia estatal, que não conseguia operar com os prazos anteriormente fixados.

Relativamente à primeira mudança, este subscritor entende como mera “demagogia legislativa”, posto que alcançará apenas os crimes com pena inferior a um ano, os quais, em sua maioria, já eram beneficiados pelos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 (composição civil, transação penal e suspensão condicional do processo) e muito raramente se chegava à efetiva imposição de pena.

Já com relação à segunda modificação é de se questionar se a não incidência da prescrição retroativa na fase investigativa trará benefícios para a atuação estatal ou não. Num primeiro momento, acreditamos que não, pois é da experiência que em crimes cuja elucidação venha se arrastando ao longo de anos, é mais e mais difícil a sua solução, mesmo porque a sociedade, e até mesmo a vítima e seus familiares, já perdeu o interesse naquele crime, ressalvadas as exceções. Ademais, volta-se à questão da espada de Dâmocles, que não pode permanecer sobre a cabeça do suspeito durante muito tempo, sob pena de afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.

E, por falar nisso, vale ressaltar que as novas regras jogam por terra a tentativa de aplicação da “prescrição virtual”. É que a “prescrição virtual” nada mais é, perdoe-me o abuso, uma espécie de prescrição em concreto “virtualmente” retroativa (porque considera a pena que será supostamente aplicada). Agora, po0r força de lei, não mais poderá ser reconhecida, contribuindo para a insistência no trâmite de inquéritos policiais antigos e insolucionáveis, o que, sem dúvida alguma, prejudica a dedicação que deveria ser reservada aos casos mais recentes, não só por serem mais solucionáveis, mas também porque são aqueles em que mais se espera elucidação, por parte da sociedade.

A lei, como já se consignou acima, recebeu elogios, porque apregoada como mais uma forma de não se permitir a impunidade. Este subscritor tem lá as suas dúvidas. Nada melhor do que o tempo para respondê-las. Esperemos.

Cristiano Augusto Quintas dos Santos
Delegado de Polícia do Estado do Paraná,
Especialista em Direito Penal e
Professor Universitário

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