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Exigibilidade de conduta diversa no âmbito administrativo disciplinar

por Editoria Delegados
11jun12-edivan.2

 


 

                        

A conjuntura atual do Direito Penal admite como requisitos da culpabilidade: imputabilidade – capacidade de querer e de entender, consciência real ou potencial da ilicitude – o conhecimento da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa – a normalidade das circunstâncias. Para exclusão da culpabilidade, deve ser afetado um desses requisitos, isto é, afastado um deles, por conseqüência, eliminada estará a culpabilidade.

 

                       Ao ser feito o juízo de reprovação do agente do fato, o julgador deve analisar a normalidade ou anormalidade das circunstâncias que determinaram conduta daquele. Agindo o agente em consonância com as circunstâncias normais, não elide a exigibilidade de conduta diversa, ou seja, a culpabilidade. Ao infenso, em situação de anormalidade, pode-se eliminar a exigibilidade de conduta diversa, pois, há as causas de exculpação (legais – coação moral irresistível e obediência hierárquica – art. 22 do CP ou supralegais – inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade).

 

                       Em atinência ao tema em comento, prelecionam Luiz Flávio Gomes e Antônio Garcia-Pablos de Molina, verbis:

 

Em outras palavras, mesmo não estando prevista explicitamente na lei, podemos admiti-la como causa exculpante?

A resposta é positiva. O poder agir de modo diverso, como salientamos, constitui uma das essências (um dos eixos) da culpabilidade. Só pode ser reprovado (penalmente) quem podia agir de modo diferente (de acordo com o Direito) e acabou “optando” por agir contra o Direito. Quando, na situação concreta, era inexigível comportamento distinto, não há que se falar em culpabilidade (em censurabilidade, em reprovabilidade). Mesmo que não tenha o legislador previsto a inexigibilidade como causa exculpante (expressa), mesmo assim, não há como negar sua importância dentro do sistema penal (STJ, REsp 2.492-RS, rel. Min. Assis Toledo, j. 23.05.1990). (Direito Peal, V. 2, Parte Geral, Ed RT, 2ª tiragem, 2007, p. 647 e 648)

 

 

                       Direito Administrativo e Direito Penal estão sob o palio de comandos constitucionais, ficando, destarte, subordinados a princípios constitucionais que regem o poder punitivo estatal. Isto não implica a submissão a regimes jurídicos idênticos. Todavia, é necessário reconhecer a perfeita aplicação da teoria do crime à teoria do ilícito disciplinar, com as respectivas ressalvas. Para a garantia da uniformização e da justiça na aplicação da lei é necessário a sistematização doutrinária, colimando evitar o arbítrio na aplicação do Direito. Entrementes, esta sistematização será inane se a solução do problema jurídico é político-criminalmente errada, ou seja, a sistematização doutrinária deve estar em consonância com a política criminal e não contrariá-la, ao mesmo tempo deve estar em sintonia com os valores sociais vigentes, permitindo uma solução uníssona com esses valores.

 

                       Nesse sentido, de grande valia a lição de Claus Roxin, verbis:

 

Submissão ao Direito e adequação a fins político- criminais não podem contradizer-se, mas devem ser unidas numa síntese, da mesma forma que Estado de Direito e Estado Social não são opostos inconciliáveis, mas compõem uma unidade dialética: uma ordem jurídica sem justiça social não é um Estado de Direito material, e tampouco pode utilizar-se da denominação Estado Social um Estado planejador e providencialista que não acolha as garantias de liberdade do Estado de Direito. (Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal, p. 20)

 

 

                       E complementa:

 

   A fraqueza dos sistemas abstratos não está somente em sua posição defensiva contra a política criminal, mas, mais geralmente, no desprezo pelas peculiaridades do caso concreto, no fato de que, em muitos casos, a segurança jurídica seja salva à custa da justiça”. (Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal, p. 85)

 

 

                       Em suma, toda e qualquer sistematização doutrinária deve obedecer ao axioma: a aplicabilidade do Direito (penal; administrativo) tem que atentar para as peculiaridades do caso concreto e para os valores socialmente vigentes.

 

                       Contudo, para que haja a responsabilização disciplinar do agente público é mister a presença de quatro pressupostos: fato típico; antijuridicidade; culpabilidade; e punibilidade.

    

                       De início, vale salientar que não é qualquer desobediência ao Direito praticada pelo agente público que implica numa falta funcional. No direito disciplinar vale, no tocante à tipificação das condutas, as mesmas regras aplicadas no direito penal; ou seja, deve-se observar os princípios da legalidade, da irretroatividade da lei, etc. Além da tipicidade, para que ocorra a infração típica, o ato volitivo do agente deve ter intenção (dolo) ou negligência, imprudência ou imperícia (culpa). Deve-se, no entanto, igualmente ponderar: (1) se a conduta do agente prejudicou ou colocou em risco o bom andamento das funções – se a sua conduta ofendeu ou ameaçou de forma significativa o bem jurídico tutelado; (2) se o bem jurídico tutelado sofreu ínfima lesão; (3) se a conduta, não obstante identificada com a literalidade do tipo de uma infração disciplinar, é socialmente inadequada (princípio da adequação social – Hans Welzel).

 

                       Contudo, além de típica, a conduta disciplinar tem de ser antijurídica.

 

                       Sendo a conduta típica, antijurídica e culpável, resta a responsabilidade do autor da conduta, ou seja, o Estado deve aplicar uma sanção ao servidor que praticou tal ato (punibilidade).

 

                      Dito isso, necessário falar do terceiro requisito: a culpabilidade. “Vem a ser um juízo de valor negativo, de reprovação do agente público pela realização não-justificada de uma falta disciplinar”. Segundo Ricardo Marcondes Martins esse juízo tem por fundamento o poder do sujeito de agir conforme ao Direito; quer dizer, sua capacidade de agir conforme à norma. Esse poder ou capacidade é excluído nas hipóteses de: (a) inimputabilidade ou incapacidade de culpabilidade; (b) inevitável desconhecimento da proibição; (c) inexigibilidade de conduta diversa legal – coação moral irresistível ou obediência hierárquica; (d) inexigibilidade de conduta diversa supralegal.

 

                       O objetivo da pena é desestimular a prática da infração penal. Desta forma, torna-se sem sentido punir o agente público que praticou a conduta, desprovido da capacidade de discernimento ou da ausência de potencial consciência da ilicitude. Todavia, se o agente público não tinha como evitar a conduta, não há por que puni-lo. Analogicamente, aplicam-se às sanções administrativas as excludentes do art. 22 do CP (coação moral e irresistível e a obediência hierárquica), bem como as excludentes de culpabilidade supralegais (provenientes dos princípios jurídicos).

 

                      Nesse sentido, afirma o Mestre Ricardo Marcondes Martins:

 

Deveras, a doutrina considera a inexigibilidade de conduta diversa um princípio jurídico implícito, segundo o qual em condiçoes anormais o sistema jurídico não exige esforços não-razoáveis para evitar a prática do injusto. Em rigor, provado que, diante das circunstâncias, não era possível exigir do agente conduta diversa, a culpabilidade é excluída. Assim, por exemplo, é comum que a lei fixe um prazo para que o agente exerça sua função mas, em face do acúmulo de serviço e da carência do número de servidores, não há possibilidade de cumpri-lo; muitas vezes a Administração não disponibiliza condições materiais ao servidor para o exercício de suas funções, não lhe fornece combustível, papel etc. Nessas circunstâncias, a sanção não desestimularia a conduta, pois é indiscutível a inexigibilidade de conduta diversa.. (Efeitos dos Vícios do Ato Administrativo, Coleção Temas de Direito Administrativo, Malheiros Editores, p. 634 e 635)

 

 

                       Portanto, se a falta administrativa for provocada pelas vontades dos imputados em situação de anormalidade, ou seja, se no caso concreto não for possível exigir dos mesmos condutas de acordo com o Direito, não haverá embasamento legal para aplicação de punição administrativa.


Sobre o autor

 

Edivan Gervásio Botêlho, Delegado de Polícia Civil de Classe Especial da PC/PI,

Pós-Graduado em Ciências Penais, Integrante da Força Nacional de Segurança Pública/MJ

 

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