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Doria quer enfrentar PCC, mas Polícia Civil sofre sem estrutura e salário

por Editoria Delegados

SP: Falta de quase 15 mil homens

Com falta de quase 15 mil homens e mulheres no escopo da Polícia Civil, os agentes da corporação têm que trabalhar dobrado e conviver com delegacias, estrutura e salário sucateados. Enquanto isso, o governador usa a inteligência da corporação investigativa e divulgações de ações ostensivas da PM (Polícia Militar) para afirmar que está agindo contra a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

Em abril deste ano, parte da marquise do 68º DP (Distrito Policial), no Lajeado, zona leste de São Paulo, despencou sobre duas viaturas, uma caracterizada, outra descaracterizada. Em novembro de 2017, o 91º DP, no Ceasa, zona oeste, teve de parar os trabalhos porque o local ficou inundado durante uma forte chuva. Não faltam relatos de delegacias sem estruturas mínimas, como até as que têm falta de papel higiênico.

Nessas condições, a Polícia Civil de São Paulo tem 27.207 funcionários. Um déficit de 14.705 profissionais. Com trabalho muitas vezes dobrado, recebem o segundo pior salário entre as unidades federativas do Brasil, segundo o sindicato dos delegados. A média salarial de um delegado paulista é de R$ 9.888,70. Um delegado de Mato Grosso recebe, em média, R$ 24.451,11. E a média de um investigador ou escrivão em São Paulo é de R$ 3.743,98. Já investigadores e escrivães do Amazonas recebem o triplo.

A assessoria de imprensa pessoal de João Doria afirmou que o governador não iria se manifestar sobre o assunto. Procurada, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) informou que o governo encaminhou à Assembleia Legislativa, no último dia 1º, um PL (Projeto de Lei) que prevê reajuste salarial para toda categoria, além de um conjunto de medidas de valorização.

“Somadas, as iniciativas têm um impacto de R$ 1,5 bilhão no orçamento do estado. Paralelamente, a atual gestão autorizou a contratação de mais de 20 mil policiais civis e militares, sendo 5.500 somente para a Polícia Civil. Destes, 2.750 já estão com os respectivos concursos em andamento. Os certames para as demais vagas já estão autorizados e deverão ter início no próximo ano. O governo do estado também investe na aquisição de mais de 8.000 coletes balísticos, armas, viaturas e equipamentos aplicados à inteligência para a Polícia Civil”, pontuou a SSP, em nota.

Em junho deste ano, o governo estadual anunciou que iria reformar 120 delegacias de São Paulo, a um custo estimado em R$ 480 milhões.

No fim de outubro, Doria anunciou reajuste de 5% aos policiais, além de bônus, assistência jurídica, equiparação do auxílio-alimentação e adicional de insalubridade. O aumento, no entanto, frustrou a classe. “São vários os problemas enfrentados como o déficit de funcionários, salários baixos e por exemplo a falta de coletes balísticos aos policiais. São apenas 13 mil coletes dentro do prazo de validade para 28 mil policiais”, disse Raquel Kobashi, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado.

“O valor anunciado está aquém das expectativas, 5% significa pagar a data-base, o reajuste constitucional que deveria ter sido pago em março e não foi. Não representa um aumento. O salário dos policiais civis de São Paulo conta com uma defasagem de quase 50% de reajuste e, somente depois desse acréscimo, seria possível falar em aumento salarial”, disse a presidente do sindicato.

Ainda segundo a delegada, “a Polícia Civil é essencial no sistema de justiça criminal, que se inicia na perseguição do crime, bem como se garante o direito de todos aqueles que são lesados pela criminalidade. Se tais profissionais, que são altamente qualificados, não possuem remuneração adequada e à altura, o povo paulista é quem mais perde”.

 

De acordo com especialistas, o salário baixo influencia diretamente nas mortes de policiais, uma vez de 80% dessas baixas ocorrem quando os agentes estão em folga. Dessas mortes em folga, grande parte ocorre quando o policial está sozinho, armado, trabalhando em um bico não oficial, para complementar a renda.

Segundo Rafael Alcadipani, professor de gestão pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), não existe combate ao crime organizado sem polícias estruturadas e bem remuneradas.

“Infelizmente, a gente vê que isso não está acontecendo. O governador fala uma coisa e espera que ela vire a realidade. A questão do combate ao PCC precisa de um aprimoramento muito mais forte da inteligência policial, uma integração maior das polícias e o governo não está cuidando disso. Muita fala e pouca ação”, afirmou.

“Polícia de respeito” contra o PCC

Investigação da Polícia Civil serviu de base para que o MP (Ministério Público) denunciasse, através da Operação Echelon, em 2018, que o PCC está com atuação mais violenta e se expandindo. A facção já atua em todas as unidades federativas e tem negócios no exterior, em países como Bolívia, Paraguai, Colômbia, México e Itália.

Desde que assumiu o governo de São Paulo, João Doria (PSDB) tenta se valer de decisões judiciais que determinaram as transferências de chefes do PCC, do sistema penitenciário estadual para o sistema federal, como se fosse uma “produtividade policial” fruto de sua gestão. As medidas, no entanto, são resultado de investigações da polícia, do MP (Ministério Público) e de determinações da Justiça.

Policiais civis foram às ruas protestar contra aumento de 5%

O promotor Lincoln Gakiya, responsável pelo pedido da transferência da cúpula da facção e considerado o principal investigador do país contra a facção, afirmou que o pedido de remoção foi feito pelo MP e deferido pelo juiz da 5ª VEC (Vara de Execução Criminal) de São Paulo. Segundo ele, não houve ação dos governos federal e estadual na ação.

“O papel do governo federal foi apenas disponibilizar vagas através do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) e de organizar a “logística da transferência. Apenas isso. O mesmo se diz do governo Doria, que também apenas auxiliou na logística. O que houve foi apenas cumprimento de ordem judicial. Não cabia a governos federal ‘determinarem’ ou ‘negarem’ as transferências”, afirmou.

Em campanha publicitária veiculada na TV desde setembro e na divulgação das estatísticas criminais, a gestão Doria assume para si a transferência da cúpula do PCC, entre eles, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, e do segundo escalão da facção. Na propaganda, ao citar a polícia paulista como “de respeito”, a gestão divulga a medida como ação direta do governo.

De acordo com o governador, o PCC, atualmente, não é nem um décimo do que já foi. A afirmação, no entanto, contraria o que apontam longas investigações da inteligência da sua polícia. Segundo as apurações, avalizadas pelo MP, o PCC cresceu, desde 1993, quando foi fundado por oito presidiários, para aproximadamente 33 mil membros. A facção domina a exportação de drogas no Brasil para Europa, África e Ásia.

Segundo Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), “João Doria está fazendo isso em outras pautas da segurança também. No caso da Polícia Civil, tem a história do enfrentamento ao PCC, mas tem também a questão das delegacias da mulher 24 horas. São duas agendas prioritárias para São Paulo, mas qualquer ação que se pretenda sustentável precisa ser feita olhando para este profissional de segurança, o que não ocorre”.

“A Polícia Civil sofre com baixos salários, falta de concursos e, quando os concursos acontecem, é difícil segurar os novos policiais na organização por muito tempo, pois muitos prestam outros concursos e acabam indo para o que paga mais. Se eu fosse o governador, teria muito cuidado com tudo o que ele está fazendo com a polícia, porque o que ele não precisa é da Polícia Civil em greve. E, se ele continuar pressionando por resultados sem cuidar da organização, ela vai acabar parando”, diz a especialista.

Sem suporte, policial morre mais em suicídios

Em outubro de 2019, a Polícia Civil tinha 27.207 funcionários. Com déficit de 14.705 profissionais. Muitos desses policiais contratados têm que trabalhar dobrado. Esse é um dos motivos, segundo a Ouvidoria das Polícias, para o aumento do estresse do policial, que morre em São Paulo mais por suicídio do que por confronto.

Em 2017 e 2018, 17 policiais civis do estado tiraram a própria vida. Segundo a ouvidoria, trata-se de uma taxa média de 30,3 suicídios a cada 100 mil policiais, por ano —três vezes o índice aceitável pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que considera situação de epidemia a partir de 10 suicídios a cada 100 mil. A taxa de suicídios é seis vezes maior do que a taxa dos mortos em serviço (5 a cada 100 mil).


Policiais civis denunciam a falta de estrutura em delegacias de SP

Apesar de o índice ser alto, a Polícia Civil não tem programa nem suporte para a saúde mental, segundo o ouvidor Benedito Mariano. “Precisa começar do zero na Polícia Civil. O sucateamento dialoga com o estresse do policial, porque tem que fazer o serviço de dois ou três. Existe uma negligência com relação à saúde mental dos policiais civis de São Paulo”, disse.

Rogério Giannini, presidente do CFP (Conselho Federal de Psicologia), afirmou que o índice da Polícia Civil é “alarmante”. “Se a gente olhar na sociedade como um todo, a gente diria que há um sintoma que mostra que algo não está indo bem. E a polícia faz parte desse sintoma”, pontuou.

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