O rosto da mulher como alvo: a violência que vigia e pune

A escalada da violência exige que o Estado enfrente com firmeza os crimes contra mulheres

Por Editoria Delegados

Por Raquel Gallinati

O aumento da violência contra a mulher no Brasil é uma realidade incontestável e não dá sinais de trégua. Os casos se acumulam, os métodos se tornam mais cruéis, e o feminicídio infelizmente, é apenas a ponta de um iceberg da repetição do mesmo ciclo: ameaça, agressão, denúncia, impunidade e morte.

O filósofo Michel Foucault, em Vigiar e Punir, analisou a transformação do poder punitivo ao longo dos séculos. A punição física e ostensiva foi sendo substituída por formas mais sutis de controle: vigilância constante, normas que moldam condutas. O conceito de panoptismo proposto por Jeremy Bentham e aprofundado por Foucault mostra como o poder moderno opera menos pela força e mais pelo olhar que vigia e condiciona, com olhos que observam, com códigos que julgam. A mulher, nesse sistema, está sempre sob esse olhar sendo vigiada, questionada, desacreditada.

Essa vigilância cotidiana, que impõe dúvidas sobre a palavra da mulher mesmo quando vítima e tenta justificar a brutalidade do agressor, não respeita cargo, renda ou formação. A hostilidade contra a mulher começa nos comentários irônicos, nas interrupções em reuniões, nas piadas de mau gosto, na tentativa sutil (ou nem tanto) de deslegitimar. Começa muito antes da agressão física.

Essa desvalorização atravessa níveis sociais e educacionais. A mulher é desafiada a todo momento, no trabalho, na política, na academia, nas instituições públicas. Precisa, muitas vezes, se provar em dobro. Quando denuncia ou reage, é comum que suas características pessoais sejam colocadas a cheque, como se ela estivesse no banco dos réus.

Há ainda um ponto sensível e ainda mais doloroso. Perceber que esse ciclo de opressão nem sempre vem só dos homens. Muitas mulheres foram acostumadas em estruturas marcadas pela desigualdade, onde ascender significava se adaptar a estas regras. Em ambientes de poder, algumas reproduzem essas exigências com ainda mais rigor. A chamada “síndrome da abelha rainha” ainda resiste: mulheres que, ao chegar ao topo, puxam a escada para que outras não subam. Mulheres que julgam outras mulheres com mais severidade do que jamais julgariam um homem. E passam a agir com hostilidade ou desprezo em relação a outras mulheres. Esse padrão, infelizmente, pode ser mais sutil e corrosivo do que o imposto por homens.

A vítima é quem vira ré. Sua conduta, suas roupas, seu histórico amoroso, suas escolhas. Tudo é colocado sob escrutínio. Já o agressor, muitas vezes, é tratado como alguém que “perdeu a cabeça”, “cometeu um deslize”, “precisa de ajuda”. A balança da justiça, nesse cenário, desequilibra-se por completo em uma inversão perversa do foco.

Foucault já alertava: o poder atua nos detalhes, nas normas, nos discursos, nas omissões. O Estado, quando se cala, também fala. E o que ele comunica, com sua lentidão ou omissão é que agredir uma mulher ainda pode valer a pena. Que a punição pode não vir. Que o silêncio da vítima continuará sendo mais custoso que o ato do agressor.

Falar sobre violência contra a mulher não é apenas uma pauta atual. É dever legal e imperativo ético. A responsabilidade deve recair sobre quem perpetua a violência e também sobre os sistemas que, por omissão, a tornam possível.

Que não sejam mais os rostos das mulheres a carregar a marca da impunidade. Que essa marca recaia, com justiça, sobre os omissos, os coniventes, os incompetentes.

Sobre a autora

Raquel Gallinati é delegada de polícia, diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil), mestre em Filosofia (PUC-SP) e pós-graduada em Ciências Criminais, Processo Penal e Direito de Polícia Judiciária.

DELEGADOS
Portal Nacional dos Delegados

Veja mais

Por que a polícia brasileira elucida mais crimes que EUA, Canadá e Reino Unido?

O índice coloca o Brasil em posição superior a países como Estados Unidos (33,4%), Canadá (53,8%) e Reino Unido (5,7%), de acordo com dados oficiais e levantamentos divulgados pela imprensa

6 em cada 10 delegados de SP têm atividade extra para complementar renda, revela pesquisa do Sindpesp

(SP) A informação consta no estudo “Raio-X da Carreira de Delegado de Polícia", encomendado pelo Sindicato para o Instituto Datapim. Foram entrevistados 711 delegados, entre ativos e inativos, em todo

Questionar decisões de delegado de polícia pode ser desacato!

Impugnar a capacidade intelectual do delegado de polícia ou suas decisões é o primeiro sinal formador que constata o desprestígio da função pública, elemento normativo do tipo penal do art.

Quem é a empresária que urinou no meio da rua, xingou delegado e foi presa

(DF) Delegado fixou fiança no valor de R$ 20 mil. Contudo, a consultora conseguiu liberdade provisória após efetuar o pagamento de R$ 13 mil. Já o motorista do veículo, natural

Aumento Salarial: Paraíba tem o governo que respeita quem faz segurança pública

(PB) Governador João Azevêdo assina medida provisória e assegura reajuste salarial acordado com as Forças de Segurança da Paraíba

Governador Azevêdo inicia o Curso de Formação da Polícia Civil com mais investimentos na Segurança da Paraíba

(PB) Concurso para 1.400 profissionais da Polícia Civil — o maior concurso que a Polícia Civil teve na sua história

Governo do Amapá reforça compromisso com a segurança pública ao anunciar novos gestores

(AP) O delegado Cezar Augusto Vieira (Melhores Delegados de Polícia do Brasil, Censo 2025) foi nomeado como novo titular da Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Já a Delegacia-Geral
Veja mais

Juízes e promotores poderão ser monitorados por geolocalização; e os delegados?

25SET25-JUIZES-REMOTO
Regra poderá ser aplicada também aos delegados? O delegado de policia trabalha por serviço, e não por expediente. O delegado de polícia é delegado de polícia, e não delegado de

Neutralizar criminosos e apreender armas poderão dar até 150% a mais de salário na Polícia do Rio

24SET25-RJ-NEUTRALIZAR
(RJ) Política de incentivo à produtividade policial como instrumento de combate à criminalidade e fortalecimento da segurança pública

Presidente da França é barrado por policial nos EUA; Macron ainda liga para Trump

23SET25-frança
O líder francês precisou abandonar o carro oficial e seguir a pé até o consulado de seu país depois de ser barrado por policiais que bloqueavam as ruas para a

Palavras que jornalistas podem utilizar para criticar sem que isso configure crime

23SET25-JORNALISTA
Ausência de intenção deliberada de ofender e reafirmação de proteção à liberdade de expressão no exercício da crítica jornalística

Acredite no processo! Delegado Charles Pessoa mostra como é possível passar em concurso

(PI) Segundo ele, a jornada é difícil, mas possível, desde que se tenha comprometimento, persistência e clareza de propósito

Ex-delegado-geral executado: delegada Raquel Gallinati deixou cargo em Santos após sofrer ameaças

21SET25-SP-RAQUEL
(SP) Raquel Gallinati pediu exoneração do cargo de Secretária de Segurança de Santos três meses antes da execução de ex-delegado geral da Polícia Civil Paulista Ruy Ferraz; sistema policial foi

Romano Costa é aprovado em três categorias na Lista dos Melhores Delegados de Polícia do Brasil! Censo 2025

POST-MELHORES-DELEGADOS-2025-ROMANO-COSTA
A escolha dos melhores delegados consolida, para sempre, os nomes e as histórias dos delegados e das delegadas. Promove valorização do cargo, reconhecimento na carreira, identificação de competência, visibilidade dos
Veja mais

Não é possível copiar este conteúdo.