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STF julga artigo da Lei de Drogas e discute se é crime posse para usuário

por Editoria Delegados

Caso é de detento condenado por porte de 3 gramas de maconha em cela

 

Um ex-detento pode fazer o Supremo Tribunal Federal (STF) mudar o entendimento sobre o consumo pessoal de drogas no país. Hoje o usuário é um criminoso, mesmo não estando sujeito à prisão. Essa conduta está no artigo 28 da Lei de Drogas. Se o STF julgar esse artigo inconstitucional, o porte de drogas para uso próprio deixa de ser crime. O relator é o ministro Gilmar Mendes.

Cronologia do processo

—2009—

21.jul – no interior da cela 3, CDP de Diadema, é encontrado um saco plástico (trouxinha) com uma “erva verde” dentro de um marmitex. O detento Francisco Benedito de Souza assume a posse da droga para consumo próprio.

22.jul – laudo contata se tratar de 3 gramas de maconha. Souza assina termo circunstanciado pela posse da droga para consumo próprio.

24.ago – Peritos do Instituto de Criminalística de São Bernardo do Campo concluem se tratar de ‘Canabis sativa L’.

13.nov – O Ministério Público oferece denúncia contra Souza pelo art.28 da Lei 11.343/06, porte de drogas para consumo próprio. Ele vira réu em ação penal.

—2010—

26.fev – Souza é julgado pelo crime. Em seu interrogatório, afirmou que, como nenhum dos 33 detentos manifestou ser dono da droga, ela ficou sob sua responsabilidade, dizendo que não era viciado nem usuário.

As testemunhas, os dois agentes penitenciários, disseram que Souza assumiu a propriedade da droga.

A juíza considerou a conduta de “ínfimo” potencial ofensivo, mas, como prevista em lei, aplicou pena de 2 meses de prestação de serviços gratuitos, com recurso em liberdade.

22.mar – O defensor público recorre da sentença alegando que porte de drogas não é crime.

5.abr – O MP dá parecer contra o recurso.

18.jun – O Colégio Recursal do Juizado Especial Cível nega o recurso. Segundo o acórdão, a lei não pune quem “usa” drogas, portanto, não houve ofensa à liberdade individual.

9.ago – chega ao STF o recurso extraordinário questionando a Lei de Drogas.

 

2015

 

O recurso no Supremo já tem diversas entidades como ‘amicus curiae’, ou seja, podem opinar: ONG Viva Rio, Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (Abesup), Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Conectas, Instituto Sou da Paz, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e a Pastoral Carcerária.

Levantamento do G1 sobre presos por tráfico mostra que, após a Lei de Drogas, de 2006, o tráfico de entorpecentes passou a ser o crime que mais encarcera no Brasil. Os processos também mostram prisões de usuários como traficantes e penas de sete anos por quantidades mínimas de drogas apreendidas.

O caso julgado pelo STF é o de um presidiário que cumpria penas que somavam mais de dez anos de prisão no CDP de Diadema e foi solto em janeiro deste ano. A polícia encontrou 3 gramas de maconha em um marmitex em sua cela.

O preso foi condenado como usuário de drogas à prestação de serviços à comunidade, mas sua defesa não se conformou. No recurso, seu defensor alega que ninguém pode ser punido por ser usuário, pois o que se faz na vida privada não afeta terceiros.

Os ministros do Supremo devem responder à seguinte questão: o usuário de drogas afeta outras pessoas com sua conduta?

– Se sim, deve ser punido, em nome da saúde pública. É o argumento dos que acreditam que o usuário alimenta o tráfico.

– Se não, sua vida privada não deve ser invadida pelo estado, portanto, usar drogas não é crime.

“A maioria dos casos é assim. Quantidade muito baixa, sempre em locais pobres, pessoas jovens, geralmente primárias. Daria para fixar a pena de 1 ano a 8 meses. A gente está enxugando gelo”, diz o defensor público Leandro de Castro Gomes, que apresentou o recurso extraordinário do preso ao STF.

A palavra do STF sobre o tema terá repercussão geral, ou seja, valerá para os casos semelhantes. Ao todo, 96 processos esperam por essa decisão final.

Mas o primeiro beneficiado pelo futuro entendimento, se aceita a tese da Defensoria, pode sequer vir a saber seu destino. Seu defensor mudou de cidade e perdeu contato com o atendido. Segundo a Vara de Execuções Penais de Itu, interior paulista, Francisco Benedito de Souza está em liberdade desde 23 de janeiro de 2015.

Na verdade, essa decisão tem um caráter simbólico, para mostrar que a gente precisa repensar a política pública em relação às drogas” – Leandro de Castro Gomes, autor do recurso extraordinário no STF

Ele ainda responde a processos, mas a própria Justiça não conseguiu encontrá-lo depois que ele deixou a prisão. Seu último endereço informado fica em Itu, onde dois oficiais de Justiça tentaram, em vão, notificá-lo. No local, ninguém confirma conhecer Francisco Benedito de Souza.

Julgamento

Segundo o defensor, uma decisão do STF não significa a liberação das drogas. “Se o STF entender que é inconstitucional, o tráfico continua sendo crime”, explica. “O que pode acontecer são alguns efeitos reflexos. A rigor, uma pessoa poderia fazer um pequeno cultivo para o seu próprio uso. Mas vai haver uma insegurança jurídica. Porque sempre vai ficar na valoração de um policial, porque a lei não tem critérios objetivos. Então se eu tiver uma hortinha, o PM pode entender que é para o tráfico”, avalia Gomes.

“Na verdade, essa decisão tem um caráter simbólico, para mostrar que a gente precisa repensar a política pública em relação às drogas”, complementa. “Países como os EUA, onde se iniciou esse proibicionismo, já estão tendo essa modificação.”

O que diz o art.28

– Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

O STF já forçou mudanças na Lei de Drogas. A liberdade provisória a presos por tráfico só foi permitida em 2012, quando a Corte, por maioria de votos, derrubou um dispositivo da lei que impedia a concessão. “A regra é a liberdade e a privação da liberdade é a exceção à regra”, disse o então ministro Ayres Britto.

O crime continua sendo inafiançável e sem possibilidade de sursis (suspensão condicional da pena), graça (perdão da pena pelo presidente da República), indulto e anistia, o que se aplica tanto ao usuário preso como ao traficante.

 

G1

 

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