Pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes interrompeu a análise, pelo plenário do STF, de dispositivo da lei de contravenções penais que trata das implicações do porte de arma branca sem autorização.
O art. 19 da referida lei (decreto-lei 3.688/41) estabelece como contravenção trazer consigo arma fora de casa, sem licença da autoridade, sob pena de prisão simples ou multa, ou ambas cumulativamente.
No recurso em julgamento, questiona-se a tipicidade da conduta e possível incompletude do tipo penal sobre o qual se fundou a condenação do recorrente, em possível afronta ao princípio da legalidade penal (art. 5º, inciso XXXIX, da CF), segundo o qual não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal.
O julgamento ocorria em plenário virtual. Até o momento votaram o relator, ministro Edson Fachin, e Flávio Dino, ambos pela desafetação do recurso, e absolvição do réu.
O caso
No caso concreto, um homem foi condenado ao pagamento de 15 dias-multa pelo porte de uma faca de cozinha, com recurso negado pela turma Criminal do Colégio Recursal de Marília/SP. O colegiado entendeu que o art. 19 da LCP está em plena vigência e não foi revogado pelo Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/03), que trata apenas de armas de fogo.
A Defensoria Pública de São Paulo, que representa o recorrente, sustenta no Supremo a atipicidade do porte de armas brancas, pois o artigo 19 da LCP seria carente de regulamentação por ele mesmo exigida. A Defensoria ainda alega que a invocação do decreto paulista 6.911/35 como norma regulamentadora do porte de arma branca viola a competência exclusiva da União para legislar sobre Direito Penal (artigo 22, inciso I, da CF).
A repercussão geral do caso foi reconhecida em 2015.
Votos
O relator, ministro Edson Fachin, observou que o vício apontado na ação não estaria na legislação contravencional, mas na ausência de regulamentação. “A tipificação da conduta atenderia às exigências constitucionais se ato administrativo normativo disciplinasse quais objetos constituem armas brancas passíveis de serem licenciados para porte, por autoridade competente.”
O ministro informou que, em março de 2023, enviou ofício à presidência da República e ao ministério da Justiça para informarem se existia a proposta de edição de ato que regulamentasse o dispositivo, e a pasta da Justiça informou que elaborou minuta de decreto para a regulamentação da posse de armas brancas em casos de risco, como em ambientes penitenciários, locais de grande aglomeração de pessoas, interior de aeronaves e escolas. O documento foi encaminhado à Casa Civil para apreciação.
A par deste esclarecimento, o ministro entendeu que o caso é de revisão do reconhecimento da repercussão geral. Assim, propôs a desafetação do recurso, com cancelamento do Tema 857.
No caso concreto, o ministro observou que o elemento da contravenção, que é o porte “sem licença de autoridade”, cria uma obrigação de não agir até que uma autorização administrativa seja concedida. Isso, segundo ele, contraria o regime jurídico que, geralmente, permite a liberdade de ação na ausência de uma proibição explícita.
Fachin criticou a disposição, por ser vaga, e impactar negativamente o comportamento do cidadão, que, sem entender completamente o alcance da lei, precisa evitar certos comportamentos comuns, possivelmente legítimos, por precaução. A descrição da conduta, para ele, é insuficiente e generalista, o que pode levar à confusão sobre o que é proibido e comprometer a objetividade exigida pela lei.
Além disso, ele observa que inúmeros objetos do dia a dia poderiam ser classificados como armas devido à sua potencialidade de causar dano, o que demonstra a inadequação da norma em fornecer uma definição precisa e limitada de “arma”, conforme exigido pelo princípio da taxatividade no Direito Penal.
Na hipótese avaliada, o caso envolve um homem que é usuário de drogas e faz uso de bebidas alcoólicas, e costuma ir até uma padaria pedir dinheiro; quando não lhe dão, fica agressivo. Na data do fato naalisado, a polícia foi acionada e, revistado, foi encontrada uma faca em sua cintura.
“Na minha compreensão, a narrativa não é suficiente para promover a imputação contravencional ao ora recorrente”, disse o ministro. Ainda que fosse possível fixar que o objeto tinha potencial para ser usado como arma, Fachin considerou que a leitura dos fatos pode levar a divergências interpretativas, inaceitáveis para os padrões da legalidade e taxatividade penal.
“Não pode o Estado exigir algo sem que institua as condições para que as exigências sejam atendidas.”
Para o ministro, portanto, a solução mais adequada no caso concreto é a impossibilidade de aplicação do art. 19 da LCP, com absolvição do acusado.
Leia a íntegra do voto.
O ministro Flávio Dino acompanhou o voto do relator.
Processo: ARE 901.623
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