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‘Presos em delegacias são uma tragédia anunciada’, diz delegada Andrea

por Editoria Delegados
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Cearense de nascença, piauiense de coração e teresinense de título. Assim se descreve Andrea Magalhães, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Piauí. Com quase 10 anos dedicados a Polícia Civil onde passou pelas cidades de Parnaíba, Piripiri e Teresina, a delegada assumiu o Sindepol no início de 2013 e já mostrou fôlego para criticar e reivindicar melhorias para as principais deficiências da polícia judiciária do estado: todas, com exceção da qualidade e empenho de seus delegados, agentes e escrivães.

 

 

Andrea ganhou notoriedade pelo trabalho desenvolvido nos últimos dois anos na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) onde diz ter percebido que a criança não é uma prioridade do estado. “Existe o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), existem leis, conselhos municipais e estaduais, mas as crianças não estão protegidas”, opina.

 

Em entrevista ao G1 Piauí, ela fala sobre as carências da instituição em que trabalha, a situação calamitosa em que se encontram as delegacias do estado, pressão política sobre o trabalho policial, valorização da carreira do delegado, planejamento e a sonhada autonomia administrativa e financeira para a Polícia Civil.

Tem delegados no interior respondendo por 10 comarcas e 14 cidades. Isso é humanamente impossível.”
Andrea Magalhães

 

“Só assim teríamos uma base para almejarmos uma estrutura física e pessoal melhor. A palavra é autonomia. Hoje a Secretaria de Segurança tem sua atenção dividida entre polícias Militar e Civil e cada uma tem suas necessidades”, diz.

 

G1 – Qual é a atual situação estrutural e de recursos humanos da Polícia Civil do Piauí?
Nossa estrutura é altamente deficitária. Nós temos valorosos agentes, delegados, escrivães que fazem um grande trabalho. Nosso trabalho é efetivo, mas insuficiente já que a demanda é enorme. A sociedade hoje já conhece os seus direitos e cobra seu cumprimento aos órgãos do estado. Por mais que o delegado tenha interesse em realizar seu trabalho, ele tem um limite pessoal e até de horas de trabalho. Tem que ter efetivo, tem que ter pessoal, incentivo, tem que ter pelo menos o mínimo. O delegado tem que dispor de pelo menos de uma mesa, um computador, uma impressora. Coisa que muitos distritos ainda não possuem.

 

A situação no interior do estado é crítica por que existem delegacias que não tem esse mínimo. Têm delegados no interior respondendo por 10 comarcas e 14 cidades. Isso é humanamente impossível. Acaba que a qualidade do serviço prestado anda longe do ideal. É a melhor possível pelo empenho das pessoas que fazem a Polícia Civil, mas não é o que merece a população.

 

A polícia Civil tem que ter um planejamento. A instituição já tem um número pequeno de delegados, agentes e escrivães e muitos se aposentam todos os anos, mas a polícia não está preparada para suprir esse buraco. Entende? Do jeito que está (sem planejamento), após a saída de alguns para a aposentadoria é que o governo vai começar o processo para realização de um concurso.

 

Enquanto isso o serviço vai ficando precarizado. Hoje nossa carência maior é de pessoal, mas a estrutural também é enorme. Temos casos de cidades que tem um delegado só, mas não tem escrivão ou agente de polícia. Sendo que cada um desses tem sua função. Mas acaba que pelo comprometimento que eles tem com seu trabalho, nós já temos delegados adoecendo por acúmulo de estresse. Para você ter uma ideia, nós temos pouco mais de 200 delegados no Piauí, o que dá menos de um por município. Também temos pouquíssimos peritos. Ou seja, a polícia como um todo merece melhor investimentos.

 

G1 – Como resolver esses problemas e prestar um serviço de melhor qualidade para a população?
E tudo isso só será resolvido no dia em que a Polícia Civil tiver autonomia administrativa e financeira. Esse é o ideal do ponto de vista institucional porque assim teríamos uma base para almejarmos uma estrutura física e pessoal melhor. A palavra é autonomia. Hoje a Secretaria de Segurança tem sua atenção dividida entre polícias Militar e Civil e cada uma tem suas necessidades.

 

Essa é a prioridade máxima da Associação e Confederação Nacional dos delegados. A autonomia transformaria nosso serviço com relação a formação e qualificação profissional, atribuições e planejamento humano. Claro que é um assunto que ainda precisa ser discutido, mas isso é o ideal pelo qual lutamos e acreditamos que isso seria determinante para a Polícia Civil conseguir vencer os gargalos que hoje dificultam o nosso serviço.

 

G1 – Questão comum nos noticiários da imprensa piauiense, a situação dos presos nas delegacias parece cada dia pior. Qual a real condição dos presos em delegacias no Piauí?

A questão dos presos nas delegacias é uma bomba relógio, é insustentável, é uma tragédia anunciada. A Central de Flagrantes chegou a ter 26 presos em uma cela só e eles disseram que se chegasse mais um, eles matariam essa pessoa. Dá para a gente conviver com essa realidade? A função dos agentes e delegados é investigar e não cuidar de preso em cela. Aqui entra novamente o planejamento, a Secretaria da Justiça diz que disponibiliza 15 vagas, mas esse número está longe de ser suficiente.

No 21ª e 25ª DPs as fossas estouraram e a explicação é simples porque em uma cela que cabem cinco presos, têm 20″
Andrea Magalhães

 

Esse não é um problema de hoje, vem de muito tempo e o estado não se preparou. Agora a Secretaria de Segurança construiu uma cela grande e está fazendo outra na central (de flagrantes), mas nós somos contra isso. Repito: a função do agente não é cuidar de preso, mas estar rua fazendo investigação.

 

E isso reflete na sociedade como um todo. A maioria das delegacias fica em áreas residenciais e imagina que você foi até o DP para dar uma queixa de furto, por exemplo, e neste momento acontece uma rebelião por conta de superlotação.

 

Entendeu? Quem tiver nessa situação vai virar refém ou algo pior. Já o policial pode morrer, pode matar; se deixar fugir vai responder a processo. Vê como essa situação é grave?

 

Na Central de Flagrantes é o pior caso, mas no 21ª e 25ª DPs as fossas estouraram  e a explicação é simples porque em uma cela que cabem cinco presos, tem 20. Não tem cela que dê jeito. A gente fica se perguntando o que o governo está esperando? O alerta foi dado.

 

G1 – A polícia Civil esteve envolvida em algumas polêmicas em que suspostamente o trabalho da instituição estaria sendo pressionado de forma política. Existe isso na Polícia Civil do Piauí?

Não posso te dizer nem que que sim ou que não. O que posso dizer é que isso nunca aconteceu comigo em quase 10 anos de Polícia Civil no Piauí e garanto que caso houvesse acontecido, eu não aceitaria como não aceitarei jamais. Eu e todos os delegados somos concursados e temos um compromisso com a lei, temos uma missão que foi dada pela Constituição Federal e esse trabalho não coaduna com pressão política.

 

Hoje o delegado compromissado, que é o que temos nos Piauí, não aceita isso, mas nada melhor do que uma garantia legal que acabar com essa dúvida. Por isso lutamos pelas prerrogativas da carreira jurídica, exatamente para não sobrar brecha para esse tipo de prática. Conquistamos recentemente uma inamovibilidade relativa, ou seja, o delegado só pode ser realocado com justificativa. Com isso, fica mais difícil uma retaliação por uma investigação que tenha desagradado alguém. A polícia é feita para a sociedade e por isso precisamos de garantias.

 

G1 – As entidades sindicais trabalham apenas para o próprio benefício da categoria ou contribuem também para a segurança pública?

Ao brigar por melhores condições para delegados isso ajuda também a segurança pública. As conquistas recentes dos delegados deram mais segurança para que ele possa realizar a sua função com maior liberdade. A autonomia administrativa e econômica é o ideal para a polícia civil e nós estamos lutando por ela. Aos melhoramos, melhoramos o serviço da sociedade.

 

Agora mesmo o sindicato está realizando uma campanha de valorização dos delegados, porque ele é um profissional que trabalha em condições longe do ideal e merece todo o respeito e reconhecimento.

 

G1

 

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