Início » Policial Militar responde por abuso de autoridade na Justiça Comum ou Militar

Policial Militar responde por abuso de autoridade na Justiça Comum ou Militar

por Editoria Delegados

Por Guilherme de Souza Nucci

Antes da reforma introduzida pela Lei 13.491/2017, era pacífico o entendimento de que o policial militar, se cometesse abuso de autoridade, mormente contra civil, responderia na Justiça Comum (não havia ressalva quanto à legislação especial no CPM). A partir da edição daquela lei, muitos tribunais alteraram vertiginosamente o seu entendimento, remetendo todos os processos para a Justiça Militar, ou seja, todos os abusos de autoridade, cometidos por policiais militares, deveriam ser apreciados pela Militar e não pela Comum. Um equívoco, em nosso entendimento.

Vejamos a redação do art. 9º do Código Penal Militar (antes da Lei 13.491/2017): “Art. 9º. Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: (…) II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) (Revogado pela Lei 9.299/1996.)”

Com a redação dada pela Lei 13.491/2017, modificou-se apenas o inciso II: “os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados (grifamos): (…)”. O restante é absolutamente idêntico.

Com a devida vênia, é incompreensível que se esteja considerando ter havido, em caráter absoluto, mudança de competência, no tocante ao delito de abuso de autoridade cometido por militar contra civil, particularmente na parte concernente aos policiais militares.

Acrescentou-se, é certo, que podem ser considerados crimes militares os previstos em legislação especial. Porém, há hipóteses claramente descritas nas alíneas a até e. Não é automático; precisa encaixar-se na letra da lei.

Considerações pertinentes: a) hoje, é possível que o crime de abuso de autoridade possa ser julgado pela Justiça Militar (o que antes não era viável); b) para caber a competência militar, torna-se imprescindível preencher as nítidas hipóteses de tempo ou lugar, especificadas pelas alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e”.

Na alternativa “a”, significa crime cometido de militar contra militar, em qualquer tempo.

Na alternativa “b”, significa delito (inclusive abuso de autoridade) praticado por militar, em lugar sujeito à administração militar (esta frase subordinada não se encontra nessa alínea por mero acaso), contra militar da reserva, reformado, assemelhado ou civil (grifamos).

Na alternativa “c”, significa crime (inclusive de abuso de autoridade) cometido por militar, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar (esta frase subordinada não se encontra nessa alínea por mero acaso), contra militar da reserva, reformado ou civil (grifamos).

Na alternativa “d”, significa delito (inclusive de abuso de autoridade) cometido por militar, durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, reformado, assemelhado ou civil (grifamos).

Na alternativa “e”, significa crime patrimonial ou contra a ordem administrativa militar.

Enfim, ao que nos parece, o resultado da pequena reforma trazida pela Lei 13.491/2017, no tocante ao crime de abuso de autoridade, conclui: a) pode-se punir militar por abuso de autoridade na Justiça Militar; b) para isso, é preciso preencher os requisitos do inciso II, alíneas “a” até “e”. Insistimos: não é automático.

Temos acompanhado julgados que têm remetido à Justiça Militar o crime de abuso de autoridade cometido pelo policial militar contra civil, sem nenhum dos requisitos estampados no inciso II, conforme exposto acima. Parece-nos um equívoco.
 

Sobre o autor

Por Guilherme de Souza Nucci

Livre-docente em Direito Penal, Doutor e Mestre em Processo Penal pela PUC-SP. É Desembargador em São Paulo.

DELEGADOS.com.br
Portal Nacional dos Delegados & Revista da Defesa Social

 

 

você pode gostar