A PEC (Proposta de emenda à Constituição) elaborada pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para dar ao governo federal mais poder na área de segurança pública propõe transformar a PRF (Polícia Rodoviária Federal) em POF (Polícia Ostensiva Federal).
A ideia está no texto elaborado pela pasta, enviado para o Palácio do Planalto no último dia 24. Segundo auxiliares palacianos, esse pode ser o ponto mais sensível da PEC, justamente por depender de reestruturação, ampliação e, inclusive, da provável criação de novos cargos.
Segundo auxiliares do governo, há um cálculo inicial de 3.000 postos, mas o martelo não foi batido.
O texto da PEC não fala na criação de cargos. Mas, na avaliação de integrantes do governo, essa seria uma consequência da ampliação do escopo da PRF, ainda que num segundo momento.
Auxiliares do ministro, contudo, defendem que a mudança pode ser realizada sem a criação de novas posições. A intenção do ministro da Justiça é garantir que a PEC não acarrete novos custos.
Segundo pessoas que tiveram acesso à proposta, ela estabelece as linhas gerais sobre como a União poderia coordenar a segurança pública. O detalhamento de como isso seria colocado em prática ficaria a cargo de regulamentação futura.
Integrantes do governo citam a possibilidade, nesse momento, de regulamentação de um sistema unificado para registro de ocorrências, facilitando a integração de dados dos estados. Diretamente, ela muda desde já a atuação da PF, como já mostrou a Folha, e da PRF.
A ampliação dos trabalhos da Polícia Rodoviária se daria inclusive com a troca de nome.
O texto extingue a existência da PRF e da Polícia Ferroviária Federal –que, apesar de constar no artigo 144 da Constituição, nunca saiu do papel– e inclui na Constituição a criação da Polícia Ostensiva Federal.
Essa nova polícia atuaria em rodovias, ferrovias, hidrovias e instalações federais. O texto autoriza ainda a possibilidade, em caráter emergencial e temporário, de ajuda às forças de segurança estaduais, quando demandada por governadores.
O texto já começou a ser debatido na Casa Civil e não há qualquer previsão de apresentá-la ao Congresso ainda. Já começaram reuniões técnicas entre os dois ministérios.
A proposta de ampliar os poderes da PRF parte de uma discussão antiga. Há normas dos ex-ministros da Justiça de Bolsonaro Sergio Moro e André Mendonça sobre o tema.
O ex-juiz da Lava Jato, quando na Justiça, editou em outubro de 2019 portaria autorizando a PRF a atuar em operações conjuntas e até a cumprir mandados de busca e apreensão.
O texto contrariou delegados da Polícia Federal porque permitia que a PRF participasse de ações de natureza investigativa, o que foi considerada uma invasão nas atribuições da corporação.
Os delegados recorreram ao STF, que, num primeiro momento, suspendeu a portaria, por decisão individual do ministro Dias Toffoli, então presidente da corte.
Depois, porém, o ministro Marco Aurelio Mello liberou novamente a portaria. Posteriormente, em julgamento no Supremo, o ato continuou válido por seis votos favoráveis e quatro contrários, entre os quais o de Lewandowski.
O magistrado, à época, acompanhou o voto de Luiz Edson Fachin, para quem o texto extrapola as competências constitucionais da PRF por prever a atuação dela nas esferas “estaduais, distrital ou municipais”.
Em janeiro de 2021, o então titular da pasta, André Mendonça (hoje ministro do STF), editou nova portaria para retirar o trecho que causava discórdia entre as polícias. Ele manteve, no entanto, a permissão para atuação em operações conjuntas.
Flávio Dino, primeiro ministro da Justiça de Lula 3 e hoje no STF, prometeu rever a portaria, mas ela não foi alterada durante sua gestão.
Três anos depois, Lewandowski, agora como ministro da Justiça, retoma a ideia de ampliar a atuação da PRF, constitucionalizando o tema.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública disse, em nota, que a proposta é “regularizar o que a PRF faz atualmente por meio de uma portaria. “A Constituição prevê uma polícia rodoviária federal, o texto regulariza a situação da PRF que já atua em outras áreas”, disse.
“Muitas dessas atividades a gente já faz. Está sendo muito oportuna [a PEC] para dar a segurança jurídica para a PRF. Expertise, inteligência e estrutura, já temos. O que falta é mão de obra e segurança jurídica”, disse José Henrique dos Santos, presidente da FenaPRF (Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais).
O presidente licenciado da federação, Tácio Melo, disse ter ouvido de Lewandowski que hoje ele entende a necessidade de ampliar a atuação da polícia.
“Ele está vendo agora o outro lado. Quando está no Executivo é diferente. Chega ministro e manda executar tal tarefa, a gente vai. Depois acontece alguma coisa, passa presidente, ministro, diretor-geral e quem tem que ficar respondendo processo é o colega”, disse Melo, que se afastou da entidade para concorrer ao cargo de vereador em Maceió (AL) pelo PSD.
A PEC incorpora o Susp (Sistema Único de Segurança Pública) na Constituição, conferindo ao governo federal o poder de criar diretrizes obrigatórias para os estados.
A intenção, segundo pessoas envolvidas com o texto, não é retirar a autonomia das polícias dos estados, mas criar um padrão mínimo a ser seguido por todas.
Corporação está envolvida em casos de violência
Nos últimos anos, a PRF esteve no centro de diversas polêmicas. Durante o governo Bolsonaro, quando a PRF estava sob a gestão de Silvinei Vasques, houve a revogação do funcionamento e as competências das comissões de direitos humanos em 2022.
Menos de um mês depois, Genivaldo de Jesus Santos foi asfixiado no porta-malas de uma viatura durante uma abordagem da corporação. Um ano antes, a PRF também atuou na operação coordenada pela Polícia Militar que culminou com a morte de ao menos 23 pessoas.
O órgão também ampliou no dia do segundo turno das eleições o número de abordagens a ônibus, descumprindo uma decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que havia proibido operações que envolvessem transporte público.
PRINCIPAIS PONTOS DA PEC DA SEGURANÇA
Susp
Como funciona: O Susp é uma lei aprovada em 2018 que visa fortalecer o trabalho integrado dos órgãos de segurança pública, promovendo uma atuação cooperativa, sistêmica e harmônica.
Proposta: Incorporar o Susp na Constituição, conferindo ao governo federal o poder de criar diretrizes mínimas obrigatórias para os estados.
Fortalecimento da PF
Como funciona: A PF pode investigar organizações criminosas e milícias privadas quando o caso estiver ligado ao tráfico de drogas internacional.
Proposta: Atribuir à PF, de forma constitucional, a investigação de organizações criminosas e milícias privadas com repercussão interestadual e internacional.
Fortalecimento da PRF
Como funciona: A PRF pode atuar em rodovias e, em conjunto com outras polícias, fora de rodovias com base em uma portaria.
Proposta: Mudaria o nome da PRF para Polícia Ostensiva Rodoviária e a corporação passaria a atuar fora de rodovias, além de hidrovias e ferrovias. As atribuições estariam garantidas na Constituição.
Fundos
Como funciona: O Ministério da Justiça gerencia o Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Nacional Penitenciário, com foco no sistema prisional e nas políticas de segurança pública dos estados, respectivamente.
Proposta: Unificar o Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Nacional Penitenciário, permitindo que os recursos do fundo de segurança pública também sejam utilizados no sistema prisional.
Sistema Prisional
Como funciona: O governo pode criar diretrizes, mas não pode impor que os estados as sigam. Além de ter a finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar atividades do sistema penitenciário através do Fundo Penitenciário Nacional.
Proposta: O sistema prisional passaria a ser coordenado pelo governo federal, conferindo a União o poder de criar diretrizes mínimas obrigatórias para os estados.
POSSÍVEIS MUDANÇAS APÓS APROVAÇÃO DA PEC
Registro de ocorrência
Como funciona: Atualmente, cada estado utiliza um sistema próprio para registrar boletins de ocorrência, o que dificulta o acesso de informações entre estados e pode prejudicar investigações.
Proposta: Obriga todos os estados a usar um sistema unificado para registro de ocorrências, facilitando o acesso e a integração de dados entre os estados.
Câmeras corporais
Como funciona: O governo federal cria diretrizes para o uso de câmeras corporais, e os estados podem optar por aderir ao programa, recebendo incentivo do fundo nacional se o fizerem.
Proposta: Tornar obrigatório para os estados a adesão às diretrizes do programa de câmeras corporais, além de outras diretrizes que podem ser estabelecidas pela pasta.
Protocolos
Como funciona: Cada estado lida com as polícias da forma que quiser, sendo que cada estado segue seu protocolo de abordagem.
Proposta: Padronização em todo o país de cursos de capacitação, reciclagem, protocolo de abordagem. Há uma cobrança da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para haver protocolos de abordagem das polícias
DELEGADOS.com.br
Portal Nacional dos Delegados & Revista da Defesa Social