A utilização de indícios subjetivos, como nervosismo e reações consideradas triviais por indivíduos durante patrulhamentos, como fundamento para abordagens policiais tem provocado dissenso entre os colegiados criminais do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O debate gira em torno da linha tênue entre o que se configura como “fundada suspeita” e o que seria apenas intuição ou experiência empírica dos agentes de segurança.
A questão foi mais uma vez trazida à tona na 6ª Turma do STJ, impulsionada por recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que vêm repercutindo nos tribunais superiores.
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De cinco Habeas Corpus analisados, dois referiam-se à atuação de guardas municipais — tema já pacificado pelo STF — e terminaram com a validação das provas. Nos demais três casos, a 6ª Turma decidiu, por maioria (3 a 2), pela ausência de justificativa objetiva nas ações policiais, anulando as provas obtidas e absolvendo os réus.
O episódio mais emblemático é o do HC 862.206. Segundo os autos, a abordagem ocorreu após os suspeitos alterarem o comportamento diante da viatura: um passou a empinar pipa, o outro sentou-se rapidamente no chão. O relator, ministro Antonio Saldanha Palheiro, acompanhado por Og Fernandes, votou pela validade das provas. Divergindo, o ministro Sebastião Reis Júnior considerou a motivação subjetiva e insuficiente. Com ele votaram os ministros Rogerio Schietti e o desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo, do TJ-SP.
“Empinar pipa e sentar-se no chão são atitudes que justificam intervenção policial?”, questionou Schietti. Em resposta, Saldanha argumentou: “A conduta foi interpretada como tentativa de disfarce. Tanto que a polícia apreendeu 57 pedras de crack”.
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Correntes em confronto
Na 6ª Turma, Saldanha e Og Fernandes integram uma ala mais permissiva quanto aos critérios que fundamentam abordagens pessoais. Og fundamenta suas decisões em precedentes do STF, inclusive da 2ª Turma, tradicionalmente mais garantista. Para Saldanha, o contexto de crescente violência justifica abordagens preventivas, desde que realizadas com respeito: “Se a abordagem for educada, sem violência, não vejo problema algum”.
Atualmente, o voto de desempate na 6ª Turma tem recaído sobre o desembargador Otávio Toledo, cuja presença é temporária. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já indicou o desembargador Carlos Brandão, do TRF-1, para uma das vagas abertas no STJ. Após a sabatina no Senado, Brandão poderá optar pela vaga na turma criminal.
Toledo, ao lado de Schietti e Sebastião Reis, tem formado maioria para rejeitar abordagens consideradas excessivamente baseadas no “instinto policial”.
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Outro julgamento emblemático, o AREsp 2.768.818, tratou de um cidadão que, ao avistar uma patrulha policial, acelerou o passo. A 6ª Turma concluiu que essa reação, por si só, não configurava justa causa. O relator Toledo declarou: “As revistas pessoal e domiciliar não tinham respaldo constitucional, pois o comportamento descrito não representa fundada suspeita”.
Og Fernandes discordou, defendendo a legalidade da abordagem por ocorrer em área notória de tráfico e diante da alteração comportamental do indivíduo.
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Jurisprudência em evolução
A discussão não é nova. Desde 2022, a 6ª Turma busca limitar abordagens motivadas por critérios subjetivos, como parte de uma tentativa de evitar abusos policiais disfarçados de “ações de rotina”. A 5ª Turma do STJ também registrou votações apertadas sobre o tema, como no caso em que foi anulada uma abordagem com base no “titubeio” de um suspeito ao ver a viatura.
Essa turma também se encontra em fase de transição: uma das cadeiras, hoje ocupada interinamente por Carlos Cini Marchionatti, do TJ-RS, será preenchida em breve.
Embora o STJ tenha adotado uma postura mais rigorosa nos últimos anos, sua jurisprudência tem passado por flexibilizações graduais. Um marco dessa mudança ocorreu em 2024, quando a 3ª Seção validou abordagens baseadas exclusivamente na fuga do suspeito ao perceber a presença policial.
Mesmo diante dessa flexibilização, a 6ª Turma mantém cautela na análise dos relatos policiais. Quando inexistem provas complementares — como imagens de câmeras corporais —, prevalece o princípio do in dubio pro reo.
Até a jurisprudência sobre invasões domiciliares — em que suspeitos se refugiam em suas casas para evitar abordagem — vem sendo revista, com o STF sinalizando que tais ações podem ser consideradas legais, dependendo das circunstâncias.
Decisões policiais adotadas em situações de nervosismo de pessoas abordadas
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