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Em palestra para PMs, governador do Rio prega fim das delegacias

por Editoria Delegados

RJ: Declaração de governador caiu como uma bomba na cúpula da Polícia Civil e irrita deputados estaduais que pedem retratação do chefe do executivo do Rio

Em uma palestra para policiais militares de diversos estados do país, em São Paulo, no último dia 25, o governador do Rio, Wilson Witzel, pregou o fechamento das delegacias do estado e “defendeu a quebra de monopólio de delegados de polícia em prol de melhoria do atendimento à população”.

Witzel participou do 17º Encontro Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais. Entretanto, a sua assessoria não divulgou na agenda oficial, mas confirmou por telefone que ele deu as declarações. Imediatamente após o vídeo vazar, na manhã desta quinta, causou um mal estar geral na Polícia Civil e em diversos deputados estaduais ligados a policiais civis. Marta Rocha (PDT) criticou duramente o governador.

Por mais de uma hora, Witzel — que palestrou sobre o tema “A importância das Instituições Militares Estaduais para a Preservação da Ordem Pública” — disse à dezenas de policiais que não entende por que os policiais civis do Rio não aceitam que os registros de ocorrências sejam feitos nas ruas por PMs.

“A delegacia, no meu ponto de vista, tinha que fechar as portas”, disse, sendo aplaudido pelos presentes e debochando. “Não tem nenhum delegado aqui para se defender”. E continua: “Temos 170 delegacias do Rio de portas abertas para lavrar alguns boletins de ocorrência. Estamos implantando, na Ilha do Governador, um sistema para o PM registrar o boletim de ocorrência sem ir à delegacia. Em Santa Catarina (ele fala para o governador daquele estado) se lavra tudo nas ruas. Lá no Rio de Janeiro não sei por que eles (os policiais civis) estão resistindo (fazer), inclusive, até a lavratura de roubos de carros na rua, vou descobrir (risos)”, falou.

E o governador foi além. “A porta de acesso da população ao sistema de Justiça tem que ser a Polícia Militar. (…) O policial militar na rua não precisa ir à delegacia. A mesma coisa é o termo circunstanciado. Criamos alguns dogmas que termo circunstanciado não pode ser lavrado por autoridade policial que não seja judiciário. Outro paradigma que não tem sentido. Precisamos evoluir sem essa pilastra. Lavratura de boletim de ocorrência dos PMs nas ruas”, pregou o ex-juiz.

Entretanto, a fala do governador não é baseada por lei e não pode ser mudada. De acordo com a Constituição Federal (CF), cabem às polícias Militar e Rodoviária Federal a ronda ostensiva e a preservação da ordem pública (artigo 144, parágrafos 2º e 5º da CF). Já à Polícia Civil e à Polícia Federal incumbem as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais (artigo 144, parágrafos 1º e 4º da CF). Não por outra razão a Lei 12.830/13, em seu artigo 2º, parágrafo 1º, estabelece que “ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei”.

A fala do governador caiu como uma bomba da Polícia Civil e tem desagradado dezenas de delegados. “O governador está fazendo uma subversão da ordem constitucional e isso é inconstitucional”, disse um delegado em condição de anonimato.

“Essa ideia de militarização desenfreada vai ter um custo muito alto para a sociedade”, disse um outro delegado. Um terceiro também criticou a atitude de Witzel. “Ele fala uma coisa para a PM e outra para nós (Polícia Civil). Ele tem que se decidir. O maior interessado nisso tudo é a população. Tem que parar de fazer politicagem e governar para todos. Acho que ele não sabe da história da Polícia Civil”, salientou.

Segundo a assessoria de imprensa de Witzel, ele “se referiu à importância de dar celeridade às lavraturas dos boletins de ocorrência e evitar o deslocamento de policiais militares até delegacias, prejudicando, assim, o policiamento ostensivo nas ruas”.

Contrariando a própria fala do político, sua assessoria disse que “em momento algum, o governador Wilson Witzel afirmou que vai acabar com as delegacias”.

A assessoria só não explicou o motivo da não divulgação da agenda e se Witzel vai comentar o pedido de desculpas dos deputados e delegados.

Procuradas, a Polícia Civil e Polícia Militar não comentaram as declarações até a publicação deste texto.

Deputada estadual Martha Rocha (PDT) critica declarações em plenário

No plenário da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), a deputada estadual Martha Rocha (PDT) disse que “causa espanto que o governador desconheça” o papel da Polícia Civil para o Rio. “Me causa espanto que o governador proponha o fim das delegacias de polícia. Me causa espanto que o governador desconheça as atribuições da Polícia Civil. A Polícia Civil é judiciária e, portanto, os elementos de apuração recolhidos pela Polícia Civil instrui um procedimento que é encaminhado ao Poder Judiciário e ao Ministério Público para que a ação penal possar ter inicio e possa ter o devido processo legal”, destacou Rocha.

“Tão grave como o desconhecimento do governador ao falar para um público específico, num evento em São Paulo, foi a piada que o governador fez quando disse que não sabia porque a Civil insistia em fazer os ROs de roubos ou furtos de veículos. O governador tem que saber que a Polícia Civil tem a base da informação. O governador tem que saber que é de atribuição da Polícia Civil buscar em outras bases informações relativas aos registros de roubos. O governador tem que saber que sem a unidade da Civil não será possível as partes envolvidas buscar o seguro e o ressarcimento de sua perdas”, disse Martha Rocha.

Por fim, Martha Rocha disse que “o governador deve desculpas aos policiais civis pela piada”. “Ele deveria reverenciar a policia pela gestão, principalmente, pela gestão do secretário Marcus Vinicius Braga. Talvez fosse hora do governador procurar uma mãe que busca seu filho desaparecido, procurar uma mulher que foi agredida, alguém que tenha informações do homicídio de seu filho para saber que a delegacia é fundamental nos estado democrático de direito”, declarou a parlamentar.

“Há uma fala política no discurso do governador”, diz presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Rio

Segundo Wladimir Sérgio Reale, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Rio a fala do governador foi incoerente e inconstitucional. “Há um interesse de certos setores da PM querendo exercer funções da polícia judiciária. Isso está acontecendo em todo o país. Só que eles (PMs) não são policiais judiciários. Exceto na Justiça Militar durante um Inquérito Policial Militar (IPM). O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que a competência dessa questão (de polícia judiciária) é da Polícia Civil. Na medida que o STF decidiu, existe uma insistência de uns e outros para tentar acabar com as atribuições da Polícia Civil”, afirmou Reale.

De acordo com Reale, o papel da Polícia Militar é de ostensividade. “A PM é a reserva do Exército em seu conjunto. Se cada um fizer a sua parte é melhor para a sociedade”, completou.

Em nota, governo nega fechamento de delegacias

Após a repercussão negativa das declarações, a assessoria do Palácio Guanabara divulgou nota afirmando que que “em momento algum o governador afirmou que vai acabar com as delegacias”. Segundo o posicionamento oficial, Witzel se referiu à importância de dar “celeridade às lavraturas dos boletins de ocorrência e evitar o deslocamento de PMs até as delegacias”.

O Dia

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