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Direito penal engessa juiz e compromete reabilitação do preso

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS
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JURÍDICO

“Queremos ensinar todos a serem livres, prendendo; é um contrassenso, uma coisa paradoxal”. É assim que Leonardo Massud, professor de direito penal da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), enxerga a política de repressão ao crime adotada pela Justiça brasileira atualmente. Segundo o criminalista, convenções como o mínimo legal engessam a ação do juiz, comprometendo a reabilitação social a que o preso tem direito.

Segundo Massud, existe um temor em acabar com a rigidez do mínimo legal “por conta da tradição da escola clássica do direito penal, que queria uma pena determinada para se contrapor ao arbítrio soberano do Poder Judiciário e fixar a pena que lhe aprouvesse”. Entretanto, ressalta, “já estamos em outro momento em que é possível exercer esse tipo de controle e conferir ao juiz uma liberdade um pouco maior, desde que justificada”, de forma que o Judiciário não fique tão preso a essa “moldura das penas”.

De acordo com o professor, que condensou essas reflexões e estudos no livro “Da pena e sua fixação”, lançado no dia 29 de setembro, é comum a ocorrência de injustiças por conta da fixação rígida de uma pena mínima, sem que o juiz possa verificar se naquele caso especificamente poderia ser aplicado o princípio da excepcionalidade.

Porém, Massud atenta para as implicações que a supressão do mínimo legal causaria no sistema: “A supressão exigiria um esforço enorme por parte de todos os operadores de direito em construir uma nova cultura de fixação de pena, para justamente não deixar que isso implique em uma indeterminação”.

A dificuldade de mobilizar esse esforço, no entanto, é o principal entrave, no entendimento do professor. “A gente vê hoje por parte do judiciário uma certa acomodação, mesmo na discussão sobre que pena aplicar”, declara.

Além do comodismo, existe o conservadorismo que acomete não só o judiciário, mas a sociedade como um todo, “de não querer tomar parte e discutir outras soluções”, explica. “As pessoas tendem a achar que a solução mais imediatamente proposta, ou seja, o sujeito dentro da cadeia, que ele não vai fazer mal para ninguém —isso também é uma mentira; é o pseudoconforto de ter uma pessoa dentro da cadeia ao invés de estar na rua”, considera Massud, ao pontuar que o trabalho fora do ambiente institucional é muito mais difícil e envolveria uma parcela maior da sociedade, “chamando as pessoas para uma responsabilidade que elas não querem ter”.

“Há casos de pais que preferem que o filho fique na cadeia porque dá menos trabalho do que eventualmente participar da solução ou da proposta de solução para as mazelas que ele vive”, exemplifica o professor. “É muito duro mesmo, depois de você tentar um, dois, três, quatro, cinco anos, às vezes a pessoa tem um vício muito importante, que acaba interferindo no comportamento, tem uma hora que as pessoas efetivamente cansam”.

Entretanto, Massud enfatiza que “quem não pode se cansar de tentar ajudar essas pessoas é o Estado”, responsável por dar vazão ao volume de processos mantendo e observando o que a própria lei e a Constituição determinam.

Reabilitação do preso

Para o criminalista, a prisão como espécie de pena “é o fracasso mais bem sucedido da história”, pois é de conhecimento de todos os operadores do direito que o método não traz resultados positivos e, ainda assim, “ela continua sendo aplicada como a principal forma de punição para condutas socialmente reprovadas”.

Massud acredita que determinadas formas punitivas deveriam ser abandonadas, de forma que “seria preciso ousar mais, deixar de punir com a prisão várias condutas, inclusive até algumas hipóteses de crimes violentos, que são nitidamente pontuais na história de vida daquela pessoa”.

Conforme seu entendimento, seria possível ainda adotar formas não institucionais ou sem a instituição total da prisão, como no caso da conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, que já acontece em alguns casos atualmente. Massud também fala em acabar com a rigidez dos limites de pena para a fixação do regime e exemplifica: “No caso de crimes de colarinho branco, a gente poderia submeter a pessoa, caso ela concorde com a alternativa, de prestar dez anos de serviço à comunidade, em um local que sofreu com a falta de verba por conta de crimes contra a ordem tributária, contra a ordem financeira”.

Mas ressalta que a aplicação de penas alternativas não deve se restringir aos crimes de colarinho branco. “Não podemos ser tão preconceituosos. A gente tem que arrumar alternativas da prisão para todas as espécies de crime e, em certo sentido, democratizar esses passos. Hoje se propaga e propõe a democratização da estupidez, que é a prisão”.

Para o professor, simplesmente “trancar a pessoa” no cárcere pode ser uma forma de forçar o acusado a desenvolver outras potencialidades negativas e acabar levando-o a criar organizações criminosas ou integrar alguma que já exista. “Ali ele acaba buscando formas alternativas e danosas, do ponto de vista social, para sobreviver naquele ambiente e esse aspecto negativo também não é desejável”, relembra.

A proposta positiva para solucionar essa questão seria a aplicação da ressocialização por meio da prevenção especial, de forma que a pessoa pudesse vivenciar circunstâncias em que seria estimulada a se comportar de outra maneira, fora do ambiente institucional. “Aprender caminhar com as próprias pernas e controlar sua agressividade ou saber adquirir seu patrimônio, sem necessariamente passar pela violação do patrimônio alheio e uma série de outras questões que também precisam ser vistas e cuidadas”, reflete Massud.

De acordo com o criminalista, “a ressocialização, de um modo geral, faz parte como uma finalidade precípua [essencial] da fixação da pena, porque o pacto de San Jose da Costa Rica, que foi incorporado ao nosso ordenamento depois da Emenda 45 como norma de caráter constitucional, é preponderante sobre as outras finalidades previstas ali no artigo 59, que é prevenção e repressão do crime”.

“Cabo de guerra”

Ao mesmo tempo em que o criminalista constata que há um retrocesso na legislação brasileira —“a gente dá uns dois ou três passos para trás e um para frente”—, ele pondera que o Ministério da Justiça já tomou algumas iniciativas para discutir a questão da fixação da pena, por exemplo. “São iniciativas que dão um pouco de esperança, de que as coisas melhorem um pouco”, afirma.
Por outro lado, ressalta, “há uma força tremenda no sentido contrário, apresentando sempre o direito penal como panacéia e solução para todos os males. Esse movimento de cabo de guerra não deveria ser uma guerra, deveria ser troca de idéias, tentar experimentar algumas coisas novas, já que nós observamos que algumas coisas tradicionalmente não funcionam”.

Autor: Leonardo Massud

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