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Direito de informar não tem data de validade

por MARCELO FERNANDES DOS SANTOS

JURÍDICO

Atribui-se a Goebells, o marketeiro de Hitler, a ideia de que uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade. Os juízes de Minas Gerais inverteram a máxima. Uma decisão da 2ª Turma Recursal de Belo Horizonte entende que uma verdade mantida no ar por muito tempo torna-se ilícita. Com isso, condenou a revista Consultor Jurídico a retirar do ar notícia que informa a condenação de um cirurgião plástico. Em 2002, época da sentença, Alexandre Orlandi França foi obrigado a indenizar em R$ 25 mil uma paciente por uma cirurgia mal sucedida.

“É mesma coisa que mandar retirar dos arquivos as notícias do jornal publicadas no passado”, afirma o advogado Luís Francisco Carvalho Filho, da Dias e Carvalho Filho Advogados. Para ele, a permanência de uma notícia faz parte da história e, por isso, deve estar registrada nos arquivos de um veículo. “Na minha opinião, este tipo de decisão configura uma censura. O próprio juiz reconheceu que um dia a notícia cumpriu com seu direito de informar.” Para Carvalho Filho, a internet é uma ferramenta que permite ao público tomar conhecimento de fatos já publicados. “É como tentar destruir os arquivos de um jornal. O Poder Judiciário não tem que se meter na liberdade de imprensa.”

O tema é bastante controverso para o advogado Luis Camargo de Aranha Neto. No Direito Penal, conta, já existe o chamado direito ao esquecimento. “Há como alegar o direito ao esquecimento caso a pessoa já tenha cumprido a pena, pago pelo o que fez”, explica. Nesses casos, a ficha do condenado só é aberta ao Judiciário. Pessoas comuns não têm acesso à informação de que a pessoa já passou pela prisão. Por outro lado, o advogado afirma que também está em jogo a contrapartida de que a sociedade tem o direito de saber o que aconteceu. “Se na época dos fatos não houve segredo de Justiça, hoje a informação continua sendo pública. Como defensor da liberdade de informação, entendo que é abusiva, mas há posições contrárias. O que se pode fazer é tentar acordos, como por exemplo, colocar as iniciais da pessoa”, sugere. Segundo Aranha, este tipo de decisão também pode afetar os jornais, que hoje estão integralmente na internet.

Aranha lembra do exemplo de Raul Fernandes do Amaral Street, o Doca Street, condenado por matar a atriz Angela Diniz. Ele chegou a conseguir uma liminar na Justiça para impedir que a TV Globo exibisse um programa contando sua história de vida, mas a Justiça acabou liberando a exibição. “Ele queria ter o direito de viver uma vida normal, incógnita já que pagou pelo o que fez.”

Para Carvalho Filho, o direito ao esquecimento é subjetivo. “Você não pode impor que alguém esqueça alguma coisa”, afirma. A mesma visão tem o advogado Lourival J. Santos, do Lourival J. Santos Advogados. “Como nós vamos selecionar nosso esquecimento? Algo que eu fiz que possa trazer boas lembranças eu não quero esquecer, não é? A humanidade não pode apagar tudo o que ocorreu de ruim.”

Para Santos, se uma reportagem é publicada na internet respeitando todos os critérios jornalísticos, ela não pode ser retirada do ar. “Se o material atende a todos os requisitos jornalísticos e é um fato verdadeiro e comprovado, a informação se transforma em um arquivo que não poderá ser questionado.” O advogado discorda do tipo de decisão que retirou do ar um fato lícito, que representou uma informação verdadeira. “Não existe prazo para cumprimento. Eu escrevo um livro e ele sempre poder ser lido, pois passa a fazer parte de um patrimônio cultural.”

Compartilham da opinião as advogadas Juliana Fosaluza e Letícia Zuccolo Paschoal da Costa, do Edgar Leite Advogados e Associados. “Ainda que se possa argumentar que a disponibilização da notícia durante anos possa vir a ofender o direito do particular noticiado, o magistrado deveria ter ponderado que um jornal online também possui o direito de manter arquivo das notícias que são publicadas, a espelho do que acontece com a mídia impressa.”

Para as advogadas, para que um veículo tenha direito de manter uma notícia no ar, basta que “a narrativa jornalística seja feita de boa-fé, de forma fiel e verdadeira, sob pena de eventual responsabilidade pelas notícias veiculadas ou, ainda, de restrição de sua divulgação”. Na análise do caso, noticiado pela ConJur, elas avaliam que a “notícia veiculada não violou o direito à honra do profissional da saúde envolvido, pois retrata uma situação verídica e tem cunho informativo”. Elas reforçam ainda que a população tem interesse em ser informadas sobre as condutas desse tipo de profissional e que o caso pode ser entendido como um “ato de limitação aos direitos de livre expressão e de informação, protegidos constitucionalmente”.

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