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Com destruição de cédulas, ‘novo cangaço’ mira joias em bancos e shoppings

por Editoria Delegados

O acionamento de um mecanismo de destruição de cédulas ocorrido durante o mega-assalto de agosto de 2021 em Araçatuba (SP)

Sistema de inutilização de cédulas usadas em Araçatuba cortou as notas em meia-lua
Imagem: Reprodução 

O acionamento de um mecanismo de destruição de cédulas ocorrido durante o mega-assalto de agosto de 2021 em Araçatuba (SP), que frustrou um roubo estimado em ao menos R$ 90 milhões em uma agência do Banco do Brasil, motivou quadrilhas a mirar o roubo de joias armazenadas em unidades da Caixa Econômica Federal e em estabelecimentos em shoppings, apontam fontes ouvidas pelo UOL.

Segundo eles, os criminosos buscam bens valiosos guardados em locais menos protegidos. Com isso, seria maior a chance de sucesso na empreitada, de acordo com investigadores envolvidos na apuração desses crimes ouvidos sob a condição de anonimato. 

Foi o que ocorreu na ação em Itajubá (MG) na noite de 22 de junho, quando criminosos usaram fuzis com mira laser, abriram fogo contra um batalhão da Polícia Militar, explodiram um veículo e fugiram em três comboios após roubarem uma agência da Caixa.

O crime tipicamente brasileiro conhecido como “domínio de cidades”, apontado como um avanço em relação ao “novo cangaço” por ser mais planejado e perigoso, feriu cinco policiais militares e um civil. Um suspeito foi preso.

Levantamento feito pela reportagem apontou ao menos outros 12 roubos a cofres com joias em agências da Caixa Econômica Federal no país nos últimos cinco anos —sete deles entre 2018 e 2019.

Procurada, a Caixa não se manifestou até o fechamento desta reportagem.

Fontes ouvidas pelo UOL ligadas a investigações da Polícia Civil relacionam integrantes desses grupos especializados em mega-assaltos com roubos a joalherias em shoppings centers. Após o ataque de Araçatuba (SP), foram ao menos 14 assaltos a joalherias no país, segundo levantamento feito pela reportagem —cinco desses casos ocorreram no mês de junho.

O último caso ocorreu na quarta-feira (29), quando assaltantes invadiram uma joalheria no Shopping Aricanduva, zona leste de São Paulo. Houve troca de tiros, mas ninguém se feriu. No dia 4 de junho, seis homens armados assaltaram uma joalheria no Shopping Ibirapuera, zona sul de São Paulo.

No dia 25 de junho, um segurança morreu ao trocar tiros com os criminosos no shopping Village Mall, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. No mesmo dia, uma quadrilha feriu dois seguranças em tiroteio em meio a um assalto a duas joalherias no Parque Dom Pedro Shopping, em Campinas (SP). Dois dias depois, criminosos invadiram uma joalheria em Belo Horizonte (MG).

Inquéritos policiais indicam que há suspeitos de envolvimento nesses assaltos a joalherias nos últimos meses também investigados por ações de “domínio de cidades” ou “novo cangaço”.

Alguns deles foram identificados com base em material genético deixado nos shoppings centers atacados nos últimos meses e estão sendo procurados pela polícia. Contudo, a identidade dos suspeitos e os roubos nos quais estavam envolvidos foram mantidos sob sigilo para não atrapalhar as investigações.

Roubo de joias altera estrutura de quadrilhas

Para especialistas, a ação de “domínio de cidades” para roubar uma agência de penhores da Caixa Econômica Federal em Itajubá, no interior de Minas Gerais, reacende um sinal de alerta para uma possível nova onda de ataques buscando o mesmo tipo de alvo.

O advogado Ruben Schechter, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transporte de Valores, que atua no setor de segurança para coibir esse tipo de ataque, critica a fragilidade do sistema de segurança.

Segundo ele, as joias penhoradas só se tornaram alvo das ações das quadrilhas porque a Caixa optou por armazenar os bens dentro das próprias agências bancárias, sem a estrutura adequada para inibir as investidas de grupos armados com explosivos e fuzis.

Há tecnologia, espaço adequado e procedimentos para fazer a guarda dessas joias em empresas de transporte de valor terceirizadas. Mas como o custo é alto, a Caixa prefere fazer o trabalho por conta própria. E agora virou alvo dessas quadrilhas por não ter investido em segurança nas agências de penhor”Ruben Schechter

O advogado diz que a própria estrutura da organização criminosa acaba sendo alterada. “Para converter joias em dinheiro, a cadeia de criminosos envolvidos precisa contar com atravessadores e receptadores. O lucro diminui, mas as chances de sucesso aumentam”.

Atualmente, há cerca de 3.000 agências de Penhor da Caixa espalhadas em todo o país, que podem entrar na mira das ações de “domínio de cidades”, segundo Schechter. “Isso acaba alimentando as organizações criminosas com recursos que podem ser utilizados para cometer outros crimes”, alerta.

Crime se reorganizou após Araçatuba, dizem especialistas

Para Schechter, o fracasso da quadrilha envolvida na ação de Araçatuba devido à inutilização de cédulas fez com que as organizações criminosas repensassem os alvos para minimizar a possibilidade de prejuízo.

“Os mentores intelectuais são sempre os mesmos nessas ações. Eles costumam alugar armas e mobilizar uma grande quantidade de criminosos para o assalto. Quando o ataque é frustrado, o prejuízo é grande. Araçatuba reorientou as ações e os criminosos migraram para as agências de penhor, com menor risco de fracasso”, analisa.

“Hoje, há uma certa facilidade para negociar joias por criptomoedas [moeda digital protegida por criptografia com uso de tecnologia nas transações financeiras]. Essas quadrilhas estão buscando mais facilidade para angariar lucros”, argumenta o tenente-coronel Valmor Racorti, ex-comandante da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) e ex-comandante do Baesp (Batalhão de Operações Especiais de São Paulo).

Estudioso de ações de “domínio de cidades” e “novo cangaço”, Racorti participou da ação para desativar os explosivos remotos instalados no ataque a Araçatuba. “A ação deu errado, porque parte do dinheiro foi picotada. A partir dali, os criminosos perceberam que teriam que focar em agências de penhor”.

 

O advogado Douglas Prehl, vice-presidente da AlarmTek e ex-diretor de segurança do Santander, concorda. “Araçatuba deixou uma lição, porque o valor investido na ação foi alto e houve prejuízo. O bandido não vai onde tem proteção, e acaba migrando para outras ações”.

Segundo ele, o valor em joias de uma agência bancária da Caixa pode variar de R$ 2 milhões a até R$ 100 milhões. “As quadrilhas não assaltam mais instituições financeiras onde há entintamento [manchar com tinta] e trituração de cédulas. Os cofres de penhores são mais vulneráveis”.

Febraban cita ‘queda’; Anuário aponta alta de 11%

Em nota, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) diz investir R$ 9 bilhões por ano para prevenir assaltos a agências bancárias e caixas eletrônicos.

“Esses esforços têm surtido efeito e o número de assaltos a bancos vem caindo ano a ano. Em 2021, os assaltos e tentativas realizados foram 36,2% menores do que o registrado no ano anterior: caíram de 58 para 37 ocorrências”, disse a entidade, em um dos trechos.

O levantamento, cita a nota, foi feito com base em informações passadas por 17 instituições financeiras, que respondem por mais de 90% do mercado bancário.

Contudo, os dados do Anuário divulgados na terça-feira (28) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam aumento de 11% em roubos a instituições financeiras no país em 2021, com 353 registros no país.

UOL

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