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Advogado dá voz de prisão para juíza federal em audiência

(SP) Advogado acusou magistrada de abuso de autoridade

por Editoria Delegados

Durante uma audiência na 4ª Vara Federal do Trabalho de Diadema/SP, o advogado Rafael Dellova deu voz de prisão à juíza Alessandra de Cássia Fonseca Tourinho, alegando suposto abuso de autoridade. O episódio aconteceu no último dia 2 de julho.

O artigo 301 do Código de Processo Penal brasileiro garante que qualquer cidadão tem o poder de dar voz de prisão a outra pessoa, que esteja cometendo um flagrante delito, sem que haja a presença de uma autoridade no local. Na prática, no entanto, a aplicação da voz de prisão não é tão simples.

Entenda o que houve

O advogado Rafael Dellova acompanhava sua cliente que é parte reclamante em um processo trabalhista. Durante o depoimento dela, ele interrompeu a fala da sua cliente. Nesse momento, a juíza determinou que a audiência seguisse, dando a palavra para a advogada da parte reclamada, orientando ela para que continuasse fazendo as perguntas e que a cliente do advogado respondesse os questionamentos.

A juíza determinou o adiamento da audiência, após o advogado insistir que faria novas interrupções se a orientação da magistrada seguisse da mesma maneira. Foi quando o advogado deu voz de prisão à juíza.

Entidades se posicionaram em defesa da juíza

Entidades se posicionaram em defesa da magistrada. Em nota, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) citou “intimidações” e “ameaças” contra a juíza. Em defesa também, a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (AMATRA-2) classificou como em “completo arrepio da legislação”, sobre as ações do advogado.

Nota – AMB

“A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) expressa apoio e solidariedade à juíza Alessandra de Cássia Fonseca Tourinho, que foi alvo de intimidações e ameaças no exercício da função por um advogado inconformado com o andamento do processo.

A AMB é uma defensora intransigente da independência judicial — garantia constitucional que permite aos magistrados julgar com isenção e imparcialidade, livres de quaisquer pressões, com base tão somente nas leis e nas provas.

Condutas desrespeitosas, além de violar o devido processo legal, em nada contribuem para os reais e legítimos interesses dos cidadãos que, por meio de seus advogados, estão em busca de justiça.”

Associação cita “machismo” na atitude do advogado

Em nota pública de desagravo, a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (AMATRA-2) diz que é possível notar a reprodução de padrões discriminatórios de gênero, quando o Estado toma decisões firmes na figura de uma mulher. Leia a nota completa abaixo.

Nota pública de Desagravo (Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região)

A AMATRA-2, acompanhada pela ANAMATRA e as demais AMATRA’s do país, entidades que reúnem mais de 4 mil magistrados do trabalho em todo o Brasil, vêm, por meio desta, demonstrar seu irrestrito apoio à Juíza Alessandra de Cássia Fonseca Tourinho, associada da AMATRA-2, diante dos fatos ocorridos no dia 02 de julho de 2024, envolvendo o Advogado Rafael Dellova, OAB 371.005/SP.

Na referida data, em audiência realizada na 4ª Vara do Trabalho de Diadema/SP, durante o depoimento pessoal da reclamante, seu Advogado, Rafael Dellova, interrompeu o depoimento, e, após ser determinado pela Magistrada que a patrona da reclamada continuasse fazendo as perguntas que a autora respondesse, o causídico permaneceu insistindo e afirmando que faria outras interrupções se assim continuasse a instrução.

No exercício do poder de polícia garantido pelos artigos 765 da CLT e 360 do CPC, a Magistrada decidiu redesignar a audiência. Inconformado com a condução da audiência recém-encerrada, o Advogado da Reclamante levantou-se exaltado e acusou a Magistrada de ter cometido crime de abuso de autoridade, dando-lhe voz de prisão, ao completo arrepio da legislação, causando tumulto na unidade judiciária.

A conduta do Advogado, além de contrariar os artigos 5º, 6º e 361, parágrafo único, do CPC, viola também o art. 33, II, da LOMAN (Lei Complementar 35/79), que confere ao magistrado a prerrogativa de “não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do Órgão Especial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado”.

Note-se que a suposta infração alegada pelo advogado não consubstancia crime inafiançável, tampouco conduta tipificada da Lei 13.869/2019, cujo artigo 1º, § 1º exige caracterização de dolo específico. Ainda, conforme o art. 7º-B da Lei 8.906/94, suposta violação ao art. 7º, VI, b e X, da mesma lei não configura crime de abuso de autoridade. Portanto, completamente desarrazoada e carente de amparo jurídico a conduta do patrono.

Assim, exercendo as suas funções jurisdicionais, notadamente com o objetivo de presidir a sessão, não pode a Magistratura tolerar condutas que advoguem contra literal disposição de lei, com o intuito de desrespeitar magistrados e magistradas, criar tumulto e/ou obter cliques em redes sociais, em flagrante ameaça à integridade do Poder Judiciário.

Salienta-se que todos os fatos foram registrados em vídeo, tanto pela unidade judiciária como testemunhas do ocorrido, no qual é possível notar inclusive a reprodução de padrões inconscientes e involuntários discriminatórios de gênero, já que decisões mais firmes tomadas pelo Estado-juiz na figura de uma mulher muitas vezes são interpretadas por parte machista da sociedade como agressividade e abuso, quando, em verdade, são estas Magistradas que sofrem uma enviesada violência de gênero, com intimidações, ameaças e ofensas.

Caso tal como o de tantas outras juízas, que sofreram e sofrem, em termos estatísticos, como expressiva maioria dos episódios de desrespeito e ofensa ao exercício da Judicatura.

Não é demais lembrar que a ofensa a uma Magistrada significa ofensa a toda a classe, sendo imperativo da democracia que condutas abusivas dessa natureza encontrem exemplar resposta do Poder Judiciário.

A democracia se enfraquece quando são perpetrados ataques depreciativos ao Estado-juiz, sobretudo na figura de uma mulher, e ao se intimidar e dar voz de prisão à Presidente da audiência, sem qualquer respaldo legal, inclusive ao tentar impedir sua livre locomoção, como estratégia para desqualificar o exercício da função, afeta a própria importância do Poder Judiciário.

É imprescindível que todos os participantes do processo judicial, incluindo a advocacia, função essencial à justiça, estejam atentos e vigilantes à correta aplicação das leis e à urbanidade.

Dessa maneira, todas as Associações de Magistrados do Trabalho abaixo identificadas vêm, por meio desta, apoiar a Juíza Alessandra de Cássia Fonseca Tourinho e todas as outras que sofreram violências semelhantes nos últimos tempos. O respeito às prerrogativas da magistratura é questão nuclear e sensível a tais entidades, que sempre atuarão, sem medir esforços, em prol dos seus associados.

OAB

A OAB SP apura toda e qualquer infração que chegue a seu conhecimento por intermédio de representação ou diante de fato divulgado em canais de comunicação.

Por força do Art. 72, parágrafo 2º da Lei Federal 8.906/94, os processos são sigilosos e não permitem qualquer divulgação de providências eventualmente adotadas, nem mesmo acerca de sua instauração, sendo que o sigilo vigora até que haja decisão condenatória irrecorrível que tenha penalizado o advogado (a) com suspensão ou exclusão dos quadros da OAB.

CNJ diz que o comportamento do advogado foi desproporcional

Em ofício, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que o comportamento do advogado foi desproporcional e parecia visar “à espetacularização do ato”.

O ministro acrescentou, ainda, que as palavras do advogado levam a um conteúdo intimidador, já que ele afirmou que a juíza não poderia sair do local.

Salomão deu prazo de 15 dias à OAB para se pronuncie sobre o caso. Além disso, o magistrado enviou um ofício ao Ministério Público Federal.

O corregedor enfatizou que a CNJ pode agir em casos como esse para garantir o bom desempenho da atividade do Poder Judiciário.

CNN

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