Nos últimos dias, tem ganhado força a discussão sobre uma possível portaria que visa “conter” a letalidade policial no Brasil, proposta pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Sob o pretexto de disciplinar o uso da força pelas polícias civis, militares, a medida propõe restrições que, além de desconsiderarem legislações já consolidadas, ameaçam a capacidade de resposta das forças de segurança. Esse tipo de intervenção, em um país marcado pela violência urbana e pela expansão do crime organizado, coloca em risco não apenas os agentes de segurança, mas também a própria sociedade.
O uso da força policial já é amplamente regulamentado por um arcabouço jurídico que garante a atuação legal e responsável das polícias. Ao desconsiderar essas normas e condicionar o repasse do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) à obediência a novas regras infra legais cria-se um cenário de insegurança jurídica e institucional, abrindo espaço para a desmoralização da atividade policial.
O maior problema desse tipo de proposta é a tentativa de atribuir a responsabilidade pela letalidade exclusivamente aos policiais. Essa visão distorcida ignora a atuação violenta e estruturada do crime organizado, que impõe uma realidade de enfrentamento nas ruas. Não se pode simplificar a crise de segurança pública com medidas que restringem a ação policial e colocam os policiais em uma posição ainda mais vulnerável e frágil. Enfraquecer as polícias significa, na prática, reforçar o poder do crime organizado, favorecendo a impunidade e o controle territorial pelas organizações criminosas.
Um exemplo preocupante dessas restrições é a tentativa de impor justificativas ainda mais rigorosas para abordagens policiais, limitando totalmente a ação baseada em suspeita fundada. A exigência de que o uso de algemas seja justificado por escrito em cada situação é outro aspecto problemático, desconectado da realidade da atividade policial, que exige respostas rápidas a eventos suspeitos inesperados. Essas propostas desconsideram a complexidade das situações enfrentadas diariamente pelas forças de segurança em um país onde a violência é uma constante.
A tendência de privilegiar os direitos dos criminosos em detrimento das vítimas e da sociedade expõe uma perigosa distorção na formulação das políticas de segurança pública.
Ao enfraquecer a atuação policial, o Estado sutilmente sinaliza de forma velada e subliminar que a sociedade deve aceitar uma convivência permanente com a insegurança, enquanto os responsáveis por crimes graves são tratados com excessiva leniência. O equilíbrio entre a defesa dos direitos individuais e a garantia da ordem pública é um desafio constante, mas qualquer tentativa de constranger a atuação policial coloca em risco a segurança da população.
Em um cenário de crescente violência urbana, no qual o crime organizado se fortalece a cada dia, é fundamental que as forças policiais recebam mais respaldo, e não menos. Políticas que priorizem a inteligência, o planejamento estratégico e o uso proporcional da força são essenciais. No entanto, medidas que enfraqueçam as polícias, ao invés de proteger a sociedade, apenas servirão para perpetuar a violência e a insegurança. Afinal, a segurança pública é um direito de todos, e as forças policiais precisam de condições adequadas para exercer sua função em prol da paz social.
Em vez de desarmar nossas forças de segurança com restrições excessivas, é imperativo fortalecê-las, garantindo que possam agir com a firmeza e eficiência necessárias para proteger a sociedade. A criminalidade avança, e qualquer tentativa de limitar a atuação policial é um risco direto à segurança de todos.
A verdadeira defesa da população passa por uma polícia capacitada e amparada, não por medidas que enfraquecem quem está na linha de frente e sua consequente desvalorização.
Sobre a autora
Raquel Gallinati
Secretária de Segurança Pública de Santos
Diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil
DELEGADOS
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