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Colaboração premiada, um réquiem anunciado

por Editoria Delegados

Por Henrique Hoffmann e Márcio Anselmo

A colaboração premiada consiste em técnica especial de investigação, principal meio de obtenção de prova contra o crime organizado e importante mecanismo de combate à corrupção. Esse instrumento apuratório ganhou enorme notoriedade em virtude da Operação Lava Jato, tendo sido peça-chave no aprofundamento das investigações que já estavam em estágio avançado. Por isso mesmo, fica evidente sua natureza dúplice, que não se resume a mero instrumento persecutório do Estado-investigação, mas consiste também em estratégia de defesa.

A chamada delação premiada (que, na verdade, é uma das formas de colaboração, assim como a recuperação do produto do delito e a localização da vítima, entre outros auxílios) tem previsão em várias leis, como as de combate à lavagem de capitais, às drogas e aos crimes financeiros e tributários, e até em tratados internacionais (Convenções de Palermo e de Mérida). Mas foi a lei das organizações criminosa (Lei 12.850/13) que melhor disciplinou esse mecanismo investigatório. O diploma legal fixou requisitos e prêmios e estabeleceu que tanto delegado de polícia quanto membro do Ministério Público podem celebrar o ajuste.

Surpreendentemente, setores do Ministério Público, capitaneados pelo ex-procurador-geral da República, resolveram questionar a legitimidade da autoridade policial para firmar a colaboração, sustentando, de forma rasa e simplista, que apenas as partes do processo teriam capacidade para postular perante o Poder Judiciário. Salta aos olhos que os mesmos que bradavam, acerca do poder de investigar, que “quanto mais gente investigando, melhor” rapidamente mudaram de opinião e agora sustentam que “quanto menos gente fazendo colaboração premiada, melhor”, pretendendo o monopólio de uma atribuição que não lhes foi conferida pela Constituição federal (artigo 129).

Em verdade, a autoridade de polícia judiciária não só pode realizar o acordo, como é a mais indicada para tal. A Constituição consignou o delegado de polícia como protagonista da investigação criminal no Brasil, outorgando-lhe a presidência do inquérito policial, razão por que o legislador lhe conferiu as ferramentas necessárias para o exercício desse mister, dentre elas a colaboração premiada. A autoridade policial tem contato direto e imediato com a apuração e os envolvidos, portanto, mais condições de compreender a relevância e a necessidade do acordo na busca da verdade.

Além da proposição, a atividade de investigação criminal realizada pela polícia judiciária visa a dar concretude às palavras do colaborador, a fim de evitar que sejam apenas “palavras ao vento”. Elas devem ser corroboradas por diversos outros meios de prova previstos na legislação penal. Nesse cenário, imperioso o sigilo da colaboração até a fase de eventual denúncia, para que se possa assegurar um mínimo de efetividade às diligências.

Sob relatoria do ministro Dias Toffoli, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento, no julgamento do habeas corpus 127.483/PR: “No mérito, o Plenário considerou que a colaboração premiada seria meio de obtenção de prova, destinado à aquisição de elementos dotados de capacidade probatória. Não constituiria meio de prova propriamente dito”. Para que o benefício seja efetivado, contudo, é fundamental alcançar um ou mais objetivos previstos no artigo 4.º da Lei 12.850/13, como a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa, a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito dos crimes praticados pela organização criminosa e a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada, entre outras.

Portanto, para alcançar os objetivos previstos na lei, imperiosa é a necessidade de robusto material probatório para reforçar as palavras do colaborador.

Ora, se nenhuma providência probatória pudesse ser solicitada pelo delegado ao juiz, a exemplo de busca e apreensão domiciliar, interceptação telefônica e ação controlada, então o próprio inquérito policial perderia sentido. Talvez seja esse mesmo o desejo do órgão acusador, porquanto assim dominaria não só a acusação, mas também a investigação, retirando a fórceps do delegado de polícia o comando do inquérito policial e promovendo uma absurda concentração de poderes. Tudo em prejuízo do cidadão, que não mais poderia contar com apuração imparcial, desvinculada da parte acusadora.

Como se não bastasse, vale destacar que o Ministério Público tem estabelecido penas nos acordos, ignorando a letra da lei e usurpando o poder jurisdicional. Diferentemente da polícia judiciária, que vem pautando seus acordos pelo estrito respeito aos comandos legais.

O fato de o delegado realizar a colaboração não significa, evidentemente, que o parquet não possa manifestar-se sobre a necessidade das medidas. Poderá, sim, continuar a emitir sua opinião, que, obviamente, não vincula o Judiciário.

Entender que a polícia judiciária não pode realizar colaboração premiada significa retirar-lhe uma das mais importantes ferramentas investigativas, em prejuízo do combate ao crime e, consequentemente, em desfavor do interesse da sociedade. A colaboração premiada presidida pelo delegado de polícia nada mais é do que instrumento efetivo no combate à criminalidade, garantindo o direito à segurança, bem como permitindo a efetividade das investigações criminais, não ignorando o papel central que exerce a autoridade policial na etapa inicial da persecução criminal.

O que está em jogo na decisão do STF na ADI 5.508 não é o instituto da colaboração premiada, mas, sim, o futuro da própria investigação criminal.

 

Sobre os autores

 

Márcio Adriano Anselmo e Henrique Hoffmann são respectivamente, delegado federal, Doutor em Direito (USP), professor da Escola Superior de Polícia e SENASP, atuou na operação Lava Jato e é Corregedor Regional no Espírito Santo; e delegado de Polícia Civil no Paraná, professor do CERS, Escola da Magistratura, Escola do Ministério Público, Escola Superior de Polícia Civil do Paraná, SENASP e TV Justiça do STF.

 

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